Venda de decisões: Veja quem são desembargadores e outros investigados   Migalhas
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Venda de decisões: Veja quem são desembargadores e outros investigados – Migalhas

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Nesta quinta-feira, 21, ministro Cristiano Zanin autorizou prisão e outras medidas cautelares contra investigados em esquema que envolve venda de decisões judiciais, supostamente praticada por assessores de ministros do STJ e integrantes de outros tribunais, incluindo dois desembargadores do TJ/MT. 

A representação foi apresentada pela PF, com base em indícios obtidos durante investigações. A apuração teve início após a análise do celular de Roberto Zampieri, advogado assassinado em dezembro de 2023, que revelou evidências de ilicitudes envolvendo magistrados.

De acordo com o relatório, os magistrados são acusados de receber vantagens financeiras em troca de decisões judiciais. Documentos coletados e diálogos interceptados indicaram a existência de uma rede de intermediação que envolvia advogados e servidores judiciais. 

Tudo isso, frise-se, precisa ainda ser provado. Com efeito, um lado da história, o advogado negociando, parece estar claro. Mas o outro, que é o magistrado vendendo, ainda não é coisa 100% esclarecida. 

Na decisão, o relator do caso, ministro Zanin, afirmou, entretanto, que as investigações apontam indícios robustos de uma “rede criminosa destinada à venda de decisões judiciais e ao uso de informações privilegiadas”. 

S. Exa. afirma que as mensagens entre o falecido advogado com intermediadores, servidores e intrgrante do Poder Judiciário são incontáveis, “evidenciando que os relacionamentos estabelecidos, frequentemente, ultrapassavam a simples abordagem profissional”.

Veja como cada um é colocado na investigação, segundo a decisão do ministro.

João Ferreira Filho

 (Imagem: Divulgação/TJMT)

Desembargador João Ferreira Filho é investigado em esquema de venda de decisões.(Imagem: Divulgação/TJMT)

Ministro Cristiano Zanin afirmou que os indícios relacionados ao desembargador João Ferreira Filho revelaram contatos e diálogos intensos e rotineiros com o advogado Roberto Zampieri, indicando, principalmente, solicitações e recebimentos de vantagens financeiras indevidas.

Consta da decisão que, em novembro de 2023, Zampieri mencionou entregar um relógio de luxo da marca Patek Philippe ao desembargador como possível vantagem: “Eu vou levar esse para o senhor ver, amanhã ou sexta”, escreveu ele à João Ferreira Filho.

Para o relator, as mensagens mostram que Zampieri discutiu com outro advogado, Flaviano Kleber Taques Figueiredo, sobre um recurso judicial em trâmite na 1ª câmara de Direito Privado do TJ/MT.

Embora não estivesse formalmente habilitado no processo, Zampieri parecia intermediar tratativas com o desembargador. Flaviano enviou a ele uma minuta de decisão no recurso, que Zampieri afirmou ter discutido diretamente com João Ferreira Filho.

Zanin também afirmou que as negociações financeiras entre os envolvidos eram explícitas. Relata que, em 16/11/2023, após um despacho favorável do desembargador, Zampieri questionou Flaviano sobre o pagamento: “Consegue os 250 para amanhã?”. Poucos dias depois, uma transferência de R$ 150 mil foi confirmada, com o restante combinado para a semana seguinte.

Consta no documento que Zampieri também pressionava para que os pagamentos fossem honrados. Ele escreveu: “Precisamos pagar as novilhas. Veja se consegue 150 hoje, na outra semana passa o restante”.

Bens de luxo também teriam sido utilizados como moeda de troca. Segundo o ministro, em agosto de 2023, mensagens entre Zampieri e o empresário Valdoir Slapak indicaram a intenção de presentear o desembargador com outro relógio de luxo. Zampieri disse que conversaria pessoalmente sobre isso e mencionou que ”nosso amigo” receberia o item. Em outro episódio, Valdoir sugeriu ceder duas camionetes como parte de um ajuste financeiro.

As investigações indicariam também que Zampieri atuava frequentemente como intermediador em processos judiciais. Em dezembro de 2023, ele teria discutido um agravo de instrumento com o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, buscando resolver a questão com o desembargador.

Mensagens revelam que Zampieri era procurado por outros advogados para assegurar decisões favoráveis. Em uma delas, afirmou: “Deixa eu te falar uma coisa, eu te falei que o Des. João não estava essa semana, lembra? Agora eu vou esperar o Des. João voltar e reconsiderar”.

Para Zanin, a relação entre pagamentos e decisões também foi evidenciada em um caso de 16/11/2023, quando João Ferreira Filho reconsiderou decisão judicial após as tratativas mencionadas. Mensagens de Zampieri indicam que os pagamentos seriam realizados somente após a publicação da decisão.

Além disso, o ministro afirmou que os dados mostram que os envolvidos tinham acesso privilegiado a informações confidenciais sobre os processos em trâmite, que utilizavam para negociar benefícios financeiros. Mensagens incluíam descrições detalhadas dos processos e das partes envolvidas, evidenciando o nível de envolvimento de Zampieri e outros intermediadores com o desembargador.

Sebastião de Moraes Filho

 (Imagem: Divulgação/TJMT)

Desembargador Sebastião de Moraes Filho é investigado por envolvimento em venda de decisões.(Imagem: Divulgação/TJMT)

Os diálogos interceptados destacam a proximidade do desembargador Sebastião de Moraes Filho com o advogado Roberto Zampieri.

Em setembro de 2023, Zampieri mencionou que Sebastião havia solicitado vista em um processo envolvendo um empresário. Para assegurar decisão favorável, Zampieri afirmou que foi necessário “acomodar o filho dele” em um contrato de prestação de serviços advocatícios. O contrato, avaliado em R$ 12 milhões, reforçaria os indícios de troca de favores entre o magistrado e o advogado.

Mensagens também revelam negociações envolvendo barras de ouro e pagamentos diretos. Em novembro de 2023, Zampieri enviou ao desembargador Sebastião a imagem de barras de ouro de 400 gramas, sugerindo que poderiam ser incluídas em uma transação.

Além disso, consta da decisão de Zanin, que pagamentos de R$ 10 mil foram realizados diretamente em benefício do magistrado, embora a finalidade exata desses valores não tenha sido esclarecida.

Outro diálogo, de setembro de 2023, indicou pagamentos direcionados ao filho do desembargador, com Zampieri afirmando que “o filho do velho” recebeu R$ 200 mil para assegurar que outro pedido judicial fosse priorizado. Conversas entre Zampieri e o advogado Valdoir Slapak mostram articulações financeiras destinadas a manter essa relação.

O inquérito revelou que Zampieri possuía acesso privilegiado a decisões e movimentações processuais do gabinete de Sebastião. Em diversas mensagens, o advogado discutiu diretamente com interlocutores sobre decisões planejadas pelo magistrado.

A polícia apurou que Zampieri havia apresentado memoriais ao desembargador Sebastião para influenciar uma decisão. Rodrigo Vechiato da Silveira, assessor do gabinete, também aparece frequentemente nas conversas, discutindo estratégias para influenciar Sebastião e negociar valores atrelados a decisões judiciais.

O envolvimento de familiares do desembargador foi um ponto central das investigações. Além de contratos lucrativos citados em várias ocasiões, diálogos sugerem que Sebastião utilizava sua posição para favorecer parentes. Em outubro de 2023, Zampieri informou ao desembargador que havia conseguido “um contrato muito bom para o Mauro”, referindo-se a Mauro Thadeu Prado de Moraes, filho do magistrado. 

Em março de 2021, Zampieri discutiu com Rodrigo Vechiato sobre um agravo interno, afirmando que já havia tratado o assunto com “o chefe”, referindo-se a Sebastião, e que a decisão seria reconsiderada. Rodrigo respondeu que “iria organizar a decisão”, evidenciando uma coordenação para atender às demandas de Zampieri.

Em dezembro de 2021, conversas posteriores reforçaram a vinculação entre pedidos e pagamentos. Zampieri perguntou a Rodrigo sobre “o valor que vai vir para mim” e os pagamentos destinados ao “chefe” e ao “menino”, termos usados para Sebastião e Rafael Macedo Martins, assessor do magistrado. Rodrigo detalhou: “60 chefe – 20 menino – 42 imposto. Sobra 127 pra gente”.

As investigações ainda apontaram favorecimentos em plantões judiciais. Em 2021, diálogos revelam que Sebastião, enquanto plantonista, concedeu uma ordem de soltura em um habeas corpus relacionado a um cliente de Zampieri. Conversas posteriores indicam cobranças financeiras associadas à decisão, evidenciando a exploração do plantão judicial para atender aos interesses do advogado.

Andreson Gonçalves e Mirian Gonçalves

 (Imagem: Reprodução/Internet)

Andreson Gonçalves e Mirian Gonçalves são suspeitos de envolvimento em esquema de venda de decisões.(Imagem: Reprodução/Internet)

Consta na decisão de Zanin, que o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, preso na manhã desta terça-feira, 26, desempenhava papel central na organização criminosa, mantendo contatos próximos com magistrados, assessores e outros intermediadores para garantir decisões favoráveis mediante vantagens financeiras. Em diálogos interceptados, ele frequentemente mencionava os valores necessários para influenciar julgamentos.

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Segundo o ministro, Mirian Ribeiro Rodrigues de Mello Gonçalves também tinha um papel ativo no esquema, utilizando sua posição de advogada para intermediar interesses de clientes junto a magistrados. O casal atuava de forma coordenada, empregando estratégias que variavam da negociação de decisões ao favorecimento de pessoas próximas.

Em uma das mensagens Andreson questionou o advogado Roberto Zampieri sobre o “preço” necessário para garantir decisão favorável no gabinete do desembargador João Ferreira Filho. Segundo os registros, Andreson afirmou: “Pergunta se dá e valor”. Mirian também aparece em contratos advocatícios relacionados ao esquema, com um dos casos destacados envolvendo uma parte representada por ela que foi beneficiada em julgamento após negociações com magistrados.

Os dados investigativos mostram que Andreson e Mirian tinham acesso privilegiado a informações sobre a tramitação de processos judiciais. Em diversos diálogos, eles discutiam detalhes de ações em curso e traçavam estratégias para assegurar decisões favoráveis.

Em um caso, Andreson orientou a preparação de um agravo interno e mencionou que já havia “conversado com o chefe”, referindo-se ao desembargador João Ferreira Filho, para garantir a reconsideração de uma decisão.

O casal também foi citado em negociações envolvendo pagamentos diretos a magistrados e servidores. Em uma das situações descritas, Andreson discutiu com Zampieri a possibilidade de influenciar uma decisão judicial, destacando que os valores seriam pagos diretamente ao desembargador responsável. Mirian, de acordo com as investigações, atuava tanto na formalização de contratos quanto na operacionalização dos pagamentos.

Daimler Alberto de Campos

O ex-chefe de gabinete no STJ também consta como investigado. Na decisão do ministro Zanin estão elencadas conversas entre Andreson e Roberto Zampieri, no dia 2/1/2020, nas quais Daimler foi mencionado como responsável por cobranças relacionadas a casos específicos. Em um dos diálogos, Andreson questiona:

“Zamp, o Daimler me ligou agora perguntando dos R$50.000,00 que faltam daquele caso da Cátia lá né… e se tá tudo certo pra no dia 14 o cara pagar os outros 150.”

O nome de Daimler também foi citado em outras ocasiões, em que ele teria participado ativamente da tramitação interna do processo. Em outro diálogo, Andreson relata ter enviado uma petição diretamente ao gabinete, mencionando Daimler.

A investigação aponta que a decisão final desse processo teria beneficiado os interesses de Roberto Zampieri.

Márcio José Toledo Pinto

O servidor do STJ também é investigado. Um diálogo registrado em 10/8/2023 aponta que Roberto Zampieri pediu a Andreson de Oliveira Gonçalves o envio de documentos, identificados como minutas de decisões, referentes a dois recursos. Segundo o CNJ, as decisões foram posteriormente publicadas: a primeira em 5/9/2023 e a segunda em 28/8/2023.

As investigações revelaram movimentações suspeitas nos dois processos. Márcio teria alterado e excluído minutas internas em intervalos de poucos minutos, impedindo o acesso de outros servidores às modificações realizadas. O relatório da Comissão Permanente de Sindicância do STJ concluiu que há indícios claros de antecipação de informações privilegiadas por parte do servidor.

O relatório destaca a gravidade dos fatos e a necessidade de aprofundar as apurações. 

Rodrigo Falcão de Oliveira Andrade

O então chefe de gabinete no STJ foi apontado como participante do esquema. Em um dos diálogos, Andreson menciona que informações sobre buscas e apreensões, então sob segredo de justiça, teriam sido repassadas por um “amigo do [ministro]”. Andreson detalha:

“O amigo vai me passar, são 3 procedimentos. Um INQ, uma PET e um PBAC.”

“Quando fechar, o amigo lá vai mandar da forma que temos que fazer.”

Em outro diálogo, o nome de “Rodrigo” é explicitamente citado:

Desconhecido [Zampieri]: “Andreson, ele é mesmo? Apareceu isso nas gravações?”

Andreson: “O delegado falou, aí Rodrigo mandou tirar da escuta, mas está arquivado em expediente avulso. Vou pegar para você ver.”

Desconhecido [Zampieri]: “Saiu decisão?”

Andreson: “Lógico. Está na mão. Tudo certo. Indeferiu todos os pedidos de revogação de prisão.”

A PF identificou registros de movimentações processuais realizadas por Rodrigo Falcão no processo de busca e apreensão, um dia antes do envio da decisão do ministro por Andreson a Roberto Zampieri. A decisão, segundo a investigação, foi usada para antecipar informações privilegiadas a partes interessadas.

Cautelares

Ministro Cristiano Zanin proferiu duas decisões determinando diversas medidas cautelares no âmbito da investigação. 

  • Expediu mandado de prisão preventiva contra Andreson de Oliveira Gonçalves;
  • Afastou os desembargadores João Ferreira Filho e Sebastião de Moraes Filho, bem como do servidor Rafael Macedo Martins, de suas funções públicas, por tempo indeterminado.
  • Determinou o afastamento de Daimler Alberto de Campos, Márcio José Toledo Pinto e Rodrigo Falcão de Oliveira Andrade de suas funções públicas. 
  • Proibiu acesso ou ingresso dos investigados em dependências do Poder Judiciário do Mato Grosso e do STJ, a utilização de sistemas processuais, e o contato entre si ou com outros envolvidos no caso.
  • Determinou o monitoramento por meio de tornozeleiras, a retenção de passaportes e proibiu a alteração de endereços sem autorização judicial. 
  • Autorizou buscas e apreensões em residências, escritórios e veículos dos investigados, incluindo a apreensão de dispositivos eletrônicos, documentos e outros itens que possam servir de prova. Os mandados previram o arrombamento de cofres, se necessário, e o acesso a dados telemáticos armazenados em dispositivos ou na nuvem. 
  • Determinou o bloqueio de ativos financeiros e decretou o sequestro de bens móveis e imóveis vinculados aos investigados e a empresas a eles relacionadas, para evitar a dissipação do patrimônio e garantir eventual reparação de danos. 

“A gravidade concreta dos casos narrados exige uma pronta resposta desta Suprema Corte para tutelar a dignidade do Poder Judiciário”, destacou o ministro Zanin.

O que diz a defesa?

Os advogados dos investigados alegam que não há elementos suficientes para embasar as medidas cautelares. Eles sustentaram que os indícios são frágeis e descontextualizados, defendendo que seus clientes agiram dentro da legalidade.

O caso segue em segredo de justiça.

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