A luta contínua pela defesa das prerrogativas da advocacia   Migalhas
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A luta contínua pela defesa das prerrogativas da advocacia – Migalhas

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Mais um ano judiciário chega ao seu fim, é hora de olhar para o retrovisor e analisar fatos ocorridos, para que não mais se repitam, no que toca às prerrogativas da advocacia.

1. Atuação da OAB nos inquéritos do 8 de Janeiro

A atuação da OAB nos inquéritos relacionados aos ataques às sedes dos Três Poderes em janeiro de 2023 expôs flagrantes violações às prerrogativas da advocacia, como o impedimento de acesso a clientes e aos autos. Tais ações infringem o art. 7º, inciso I, do Estatuto da Advocacia (lei 8.906/94), que assegura ao advogado o livre acesso aos locais de trabalho e ao exercício pleno de suas funções. A situação reforça a necessidade de respeito ao papel do advogado como defensor do direito de defesa.

A resposta da OAB, que envolveu 103 solicitações para garantir essas prerrogativas, é uma lembrança de que o respeito à profissão é fundamental para o equilíbrio do sistema de Justiça. Esse episódio também demonstra que sem as prerrogativas, direitos fundamentais podem ser comprometidos, especialmente em cenários politicamente sensíveis.

2. Agressões a advogados em delegacias

Os casos de agressões a advogados em delegacias, relatados em novembro de 2023, representam um ataque direto ao direito de exercer a profissão com independência e segurança. O art. 7º, inciso VI, do Estatuto da Advocacia garante que o advogado não pode ser desacatado no exercício de suas funções, e a violência física ou moral contra esses profissionais compromete a dignidade da profissão e do próprio sistema judiciário.

Tais agressões revelam não apenas a ignorância de alguns agentes sobre as prerrogativas, mas também um ambiente de hostilidade que desestimula a advocacia combativa e o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. A OAB deve intensificar campanhas educativas e medidas disciplinares contra os responsáveis por tais atos.

3. Extinção de multa por abandono de processo

A revogação do art. 265 do CPP, promovida pela lei 14.752/23, foi uma vitória importante para a advocacia. A imposição de multas por abandono de processo feria o art. 7º, inciso VIII, do Estatuto, que assegura a liberdade profissional, inclusive no desligamento de processos, desde que observado o devido procedimento de renúncia.

A norma revogada era utilizada como forma de pressão e intimidação, minando a independência da advocacia. Sua eliminação reforça a autonomia do advogado e protege o profissional de abusos que prejudicavam o pleno exercício de sua função.

4. Defesa das prerrogativas na abertura do ano Judiciário

Na abertura do ano Judiciário de 2024, a OAB destacou a inviolabilidade das comunicações entre advogado e cliente, prevista no art. 7º, inciso II, do Estatuto. Essa garantia é essencial para o exercício do direito de defesa e demonstra a centralidade das prerrogativas no sistema democrático. O evento foi uma oportunidade de reiterar a necessidade de que as prerrogativas sejam compreendidas não como privilégios, mas como condições essenciais para a garantia do Estado de Direito e para a justiça plena.

5. Violação do sigilo profissional

A decisão do STF em fevereiro de 2024, que determinou a exclusão de conversas indevidamente expostas entre um advogado e seu cliente, reforçou a importância do sigilo profissional. O art. 7º, inciso II, do Estatuto assegura a inviolabilidade dessas comunicações, uma condição indispensável para o exercício da advocacia.

Essa violação mostrou como a falta de respeito a essa prerrogativa pode comprometer a confiança no sistema de Justiça. A decisão do STF foi acertada, reafirmando que qualquer desrespeito ao sigilo deve ser tratado como uma afronta grave à profissão.

6. Declarações contra prerrogativas

As declarações de autoridades contra as prerrogativas da advocacia, em novembro de 2024, suscitaram preocupações sobre retrocessos. O art. 133 da CF/88 consagra o advogado como indispensável à administração da Justiça, e qualquer tentativa de relativizar suas prerrogativas afeta diretamente o sistema democrático.

Essas declarações precisam ser enfrentadas com debates públicos que esclareçam a importância das prerrogativas. A OAB deve atuar para combater a desinformação e reforçar o papel da advocacia no equilíbrio entre os poderes.

7. Advocacia foi alvejada sem chance de defesa

Em 2024, o Brasil registrou diversos casos de homicídios de advogados, muitos relacionados ao exercício de suas funções. A seguir, destacamos alguns desses episódios:

  • Brenda Oliveira (26 anos): Em janeiro de 2024, a advogada foi assassinada após sair de uma delegacia em Santo Antônio, Rio Grande do Norte, acompanhada de seu cliente, que também foi morto. As investigações sugerem que o crime esteja ligado à sua atuação profissional.
  • Rodrigo Marinho Crespo (42 anos): Em fevereiro de 2024, o advogado foi morto no centro do Rio de Janeiro. As autoridades indicam que ele teria incomodado uma organização criminosa envolvida na exploração de apostas online, possivelmente em razão de sua atividade profissional.
  • Renato Gomes Nery (72 anos): No dia 5/7/24, o ex-presidente da OAB-MT e integrante do Conselho Federal da entidade foi assassinado a tiros em frente ao seu escritório em Cuiabá, Mato Grosso. A motivação do crime ainda está sob investigação, mas há indícios de ligação com sua atuação na advocacia.
  • Pedro Cassimiro Queiroz Mendonça (40 anos): O advogado foi morto a tiros próximo ao fórum de Ibirité, região metropolitana de Belo Horizonte. A polícia civil concluiu que ele foi vítima de uma emboscada planejada por um cliente insatisfeito, evidenciando os riscos enfrentados por profissionais da área jurídica.

Esses casos refletem a crescente violência contra advogados no Brasil, especialmente aqueles envolvidos em causas sensíveis ou que confrontam interesses de organizações criminosas. A OAB – Ordem dos Advogados do Brasil tem pressionado por medidas legislativas para aumentar a proteção desses profissionais, incluindo a aprovação de projetos de lei que qualificam o homicídio de advogados como crime hediondo e estabelecem penas mais severas para agressões no exercício da profissão. Mas tem sido surda ao clamor de uma advocacia sem chance de defesa. Queremos porte de arma, e mais do que um desejo, isso é uma necessidade imperiosa para a qual a OAB nacional tem sido omissa.

8. Sentenças à venda

Em 5/12/23, o advogado Roberto Zampieri foi assassinado a tiros em frente ao seu escritório no bairro Bosque da Saúde, em Cuiabá, Mato Grosso. Durante a investigação, seu celular foi apreendido, revelando um esquema de venda de sentenças judiciais que envolvia advogados, servidores e possivelmente magistrado.

As mensagens extraídas do aparelho indicaram negociações ilícitas para influenciar decisões no STJ e no TJMT. Em decorrência dessas descobertas, dois desembargadores do TJMT foram afastados por suspeita de participação no esquema.

Além disso, a polícia Federal iniciou investigações para apurar o possível envolvimento de servidores e ministros do STJ nas atividades ilícitas reveladas pelo conteúdo do celular de Zampieri.

O caso evidenciou a existência de uma rede de corrupção no Judiciário brasileiro, levando à abertura de processos administrativos e criminais para responsabilizar os envolvidos. E questionamos aqui o que o CNJ fez? Pois, para além de abertura de processos na corregedoria nacional, precisa o CNJ ter a coragem de cortar na própria carne e retirar “a célula de câncer” sob pena de comprometer a credibilidade da jurisdição. Olhar as estatísticas e combater a corrupção exemplarmente.  

9. Debate sobre o uso de algemas em advogados

A proposta da OAB sobre normas para o uso de algemas em advogados durante prisões reflete a preocupação com a dignidade profissional. O art. 7º, inciso V, do Estatuto resguarda o direito de exercer a profissão sem ser tratado como criminoso.

Esse debate é vital para evitar que situações de exposição pública desnecessária desvalorizem a advocacia e enfraqueçam sua imagem perante a sociedade. Todavia, os casos de excessos policiais contra advogados têm se repetido com uma frequência cada vez maior.

10. Restrições a sustentações orais no STF

A resolução 591/24 do CNJ, que limita sustentações orais síncronas no STF, compromete o direito ao contraditório e à ampla defesa, pilares da atuação do advogado. O art. 7º, inciso X, do Estatuto, garante a plena liberdade de manifestação em processos judiciais, condição essencial para a advocacia combativa.

Essa medida é um retrocesso que deve ser amplamente debatido, pois limita a atuação dos advogados e a transparência no julgamento de casos de interesse público.

11. O desrespeito da natureza alimentar dos honorários

No fim de cada ano o cenário se repete, em todo país, vários advogados que tem direito ao recebimento de honorários sucumbenciais mediante alvará, rpv, ou precatórios ficam a ver navios. No CPC brasileiro, os honorários advocatícios são considerados de natureza alimentar e possuem proteção especial. Esse entendimento está estabelecido no art. 85, § 14, que determina: “Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.”

Essa disposição reforça a importância dos honorários advocatícios, garantindo-lhes tratamento privilegiado, equivalente aos créditos trabalhistas, reconhecendo a sua essencialidade para a subsistência do advogado.

O reconhecimento de que os honorários advocatícios têm natureza alimentar está previsto no CPC no art. 85, § 14. Ainda carece de atenção e um sentido de urgência que confira dignidade a advocacia, pois essa falta de compromisso do judiciário com uma prestação da jurisdição com respeito as implicações da natureza alimentar dos honorários, e sua mitigação, são estas:

  • Privilégio no pagamento: Os honorários advocatícios têm prioridade de recebimento em execuções e falências, equiparados aos créditos trabalhistas.
  • Impenhorabilidade: Por sua natureza alimentar, são protegidos contra penhora, exceto em situações que envolvam pensão alimentícia.
  • Vedação à compensação: Mesmo em situações de sucumbência recíproca, não é permitida a compensação de honorários, reforçando a sua proteção legal.

Eu poderia escrever bem mais, existe muito mais a ser dito, e lembrado, para que não se repita, sinto que todos estes descaminhos são fruto da falta de compromisso da OAB como órgão de classe com aquilo que deveria ser seu único propósito a defesa intransigente das prerrogativas, não apenas no discurso, mas em atitudes contundentes. Chega de notas de repúdio! Chega de ofícios! Chega de articulações no congresso nacional para criar emendas constitucionais para efetivar uma le que já existe, pois o Estatuto da Advocacia, lei 8.906 de 4/7/94 está em plena vigência! Chega de complacência com os violadores de prerrogativas! Chega de ineficácia do art.7º-B do Estatuto da advocacia! Chega!

Esses episódios mostram que as prerrogativas da advocacia não são meros privilégios, mas pilares de um sistema judiciário equilibrado e democrático. A OAB tem um papel central em assegurar que tais direitos sejam respeitados, beneficiando não apenas os advogados, mas toda a sociedade. E não pense você que sou um pessimista, sou um apaixonado pela advocacia, por isso tão atento a cada ataque a esse ofício que caracterizo com um dos mais nobres da sociedade, pois efetivamos direitos, lutamos pela liberdade, e dignidade da pessoa humana, e não há causa mais justa que essa.

Andre Luiz Barretto Canuto

Andre Luiz Barretto Canuto

Advogado e Professor, Mestre em Direito Penal – especializado em crimes financeiros de competência da justiça federal, direito penal médico, e direito tributário.

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