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Em linhas gerais, o indulto presidencial de 2024 não cabe novamente para crimes hediondos e equiparados, como o tráfico de drogas, salvo o chamado tráfico privilegiado, aquele em que é aplicado o disposto no parágrafo 4º, do art. 33, da lei de drogas. Entretanto, não se aplica ao crime de associação ao tráfico, informante (campana), dentre outros. Também não cabe para condenação em relação aos crimes sexuais, corrupção de menores, de tortura, de lavagem de dinheiro, organização criminosa, milícia, terrorismo, racismo, escravidão e tráfico de pessoas, genocídio, crimes contra o sistema financeiro nacional, licitações ou contratos administrativos e crimes praticados por servidor público contra a administração como o peculato, crimes contra o meio ambiente, golpismo contra as instituições, abuso de autoridade, feminicídio, crime de perseguição, crimes de violência doméstica, crimes previstos no Código Penal Militar, em relação aos integrantes de facção criminosa e que estejam submetidas ao regime disciplinar diferenciado ou que estejam cumprindo pena em presídio de segurança máxima.
É importante mencionar que em relação à interpretação do decreto de indulto deve-se analisar o todo e, nesse sentido, não é cabível sequer o indulto da multa ou a comutação para todos aqueles condenados que praticaram os crimes supramencionados.
Todavia, diferentemente dos decretos anteriores, esse último indulto cabe em relação aos crimes praticados mediante violência ou grave ameaça, como é o caso do crime de roubo, servindo também para a comutação, que seria a redução da pena. Em relação ao indulto, é cabível para os crimes mediante violência nos seguintes casos: (i) pena não superior a quatro anos, tendo sido cumprido até 25/12/24, um terço da pena, se não reincidentes, ou metade da pena, se reincidentes; (ii) ao condenado que até 25/12/24, tenha cumprido, ininterruptamente, quinze anos da pena, se não reincidente, ou vinte anos da pena, se reincidente; (iii) ao condenado que até 25/12/24, tenha cumprido, não ininterruptamente, vinte anos da pena, se não reincidente, ou vinte e cinco anos da pena, se reincidente, desde que o período em liberdade não supere dois anos e (iv) ao condenado que até 25/12/24, tenha cumprido em regime semiaberto, ininterruptamente, dez anos da pena, se não reincidente, ou quinze anos da pena, se reincidente, dentre outros casos que a lei prevê e que deverão ser analisados mediante consulta pelo advogado.
É interessante nesse sentido verificar que na prática só caberá o indulto para os crimes mediante violência, como seria o caso de roubo simples, da tentativa de roubo qualificado ou o crime de roubo qualificado que sofreu eventual redução, seja por participação de menor importância ou semi-imputabilidade. Outrossim, é peculiar que tais condenações normalmente se dão no regime aberto e se ocorrerão no regime semiaberto já terá sido ultrapassado o lapso para a progressão de regime. Em regra, servirá apenas para extinguir a pena. Nas outras hipóteses se trata de condenados à penas elevadas que restam abandonados no cárcere, sem qualquer progressão, aguardando o vencimento da pena, geralmente réus que não constituíram advogados particulares.
Conquanto que em relação aos crimes praticados sem violência, como é o caso por exemplo dos crimes de furto, tráfico de drogas (lembrando que o indulto somente caberá ao tráfico privilegiado), receptação, estelionato, etc., o indulto se mostra mais benéfico, sendo cabível: (i) a pena privativa de liberdade, não superior a oito anos, por crime praticado sem violência ou grave ameaça a pessoa, que tenham cumprido, até 25/12/24, um quinto da pena, se não reincidentes, ou um terço da pena, se reincidentes e (ii) a pena privativa de liberdade não superior a doze anos, por crime praticado sem violência ou grave ameaça a pessoa, que tenham cumprido, até 25/12/24, um terço da pena, se não reincidentes, ou metade da pena, se reincidentes.
É importante mencionar que se o sentenciado já responde ao feito em regime aberto, o tempo de recolhimento noturno deverá ser considerado para fins do cômputo.
Em relação as mulheres, só poderá ser aplicado o indulto se não estiverem respondendo ou tenham sido condenadas por outro crime cometido mediante violência ou grave ameaça à pessoa e não tenham sido punidas por falta grave e em todos os casos precisam ter sido condenadas por crime sem grave ameaça ou violência, ou seja, não cabe em relação à condenação por crime de roubo e caberá em relação à gestação por gravidez de alto risco ou no caso de possuir filhos ou netos (se a avó for a responsável) de até 12 anos de idade ou com deficiência.
Tal indulto feminino também acoberta as mulheres com deficiência, não estabelecendo qualquer critério de cumprimento de pena, apenas que seja condenada por crime sem violência ou grave ameaça a pessoa, conforme já dito. Já no caso de mulheres com 60 anos ou mais, ou que não tenham completado 21 anos, é necessário que tenham cumprido 1/6 (um sexto) da pena.
É possível também o indulto para gestantes, cuja gravidez seja considerada de alto risco, desde que comprovada a condição por laudo emitido por médico oficial, por médico designado pelo juiz da execução ou, na falta destes, por médico autorizado pelo juiz da execução, sem qualquer critério de tempo de pena ou de seu cumprimento.
É sempre importante recordar que a presa que for gestante ou mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência deverá cumprir apenas o resgate da fração de 1/8 (um oitavo) para progredir de regime, conforme preceitua o art. 112, parágrafo 3º, inciso III, da lei de execução penal.
Acerca da pena de multa a qual tem sido executada após o pacote anticrime, o indulto mais uma vez acoberta o valor mínimo para o ajuizamento de execução fiscal de débitos com a Fazenda Nacional, no caso, R$ 20 mil. Entretanto, também abarca valor superior, caso o condenado comprove que não tenha condições de quitar o referido valor, sendo presumida a condição de hipossuficiência se for defendido pela Defensoria Pública, ou beneficiário de programa social, ou desempregado, ou no caso em que o valor do dia-multa tiver sido fixado no mínimo legal.
Há também a questão acerca do indulto humanitário para sentenciados infectados com HIV em estágio terminal ou doenças crônicas graves ou altamente contagiosas, além de outras enfermidades e do autismo, todavia é necessário demonstrar que a unidade prisional não tenha a possibilidade adequada de tratamento, o que se faz muito difícil na prática, inclusive diante de jurisprudência defensiva dos Tribunais Superiores que na maioria das vezes concedem a ordem para tão somente determinar que o presídio tome providências e envie relatórios do atendimento médico ao preso.
Não menos importante, em relação à comutação da pena, que seria o desconto da pena, a lei diz o seguinte: “concede-se a comutação da pena remanescente na proporção de um quinto da pena, às pessoas condenadas a pena privativa de liberdade que tenham cumprido, até 25 de dezembro de 2024, um quinto da pena, se não reincidentes, ou um quarto da pena, se reincidentes”.
Mas, a redução será de 2/3 (dois terços) se o sentenciado for maior de 60 anos, mulher gestante ou que tenha filho ou filha de até 14 anos de idade ou com doença crônica ou deficiência, homens que sejam o único responsável pelo cuidado de filho ou filha nas mesmas condições anteriores, pessoas com deficiência e pessoas imprescindíveis aos cuidados da criança com até 12 anos de idade ou com doença grave ou com deficiência, desde que cumprido 1/6 (um sexto) da pena.
Tal situação é interessante pois não determina a quantidade total da pena imposta, bem como, permite que seja aplicada a comutação em relação aos crimes cometidos mediante violência ou grave-ameaça, como é o caso dos crimes de roubo, salvo em relação aos crimes proibitivos.
Por fim, o art. 7º do decreto, em seu parágrafo único assim assevera: “Na hipótese de haver concurso com crime previsto no art. 1º, não será declarado o indulto ou a comutação de pena correspondente ao crime não impeditivo enquanto a pessoa condenada não cumprir dois terços da pena correspondente ao crime impeditivo”. Em linhas claras, isso significa que o condenado necessita cumprir o tempo de pena de 2/3 (dois terços) estabelecido para o crime impeditivo (exemplo: tráfico de drogas hediondo), antes de ter direito ao indulto do crime permissivo (exemplo: resistência ou receptação) e não terá o indulto do crime impeditivo em nenhuma hipótese.
Guilherme Oliveira Atencio
Advogado Criminalista, Pós-Graduado em Direito e ex-Assessor no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP.