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Introdução
O esgotamento profissional, conhecido como burnout, é um distúrbio psicológico diretamente relacionado às condições laborais. Caracteriza-se por um estado crônico de exaustão emocional, despersonalização e redução da realização pessoal, geralmente desencadeado por pressões excessivas, falta de suporte adequado e um ambiente de trabalho nocivo. Reconhecido pela OMS – Organização Mundial da Saúde como um fenômeno ocupacional, o burnout tem ganhado destaque no âmbito jurídico, em especial pela crescente judicialização de casos que envolvem doenças relacionadas ao trabalho.
Descrito pela primeira vez em 1974 pelo médico psicanalista alemão-americano Herbert Freudenberger, o termo burnout vem de “burn out”, que significa “queimar por completo” ou “esgotamento”. A síndrome ganhou maior visibilidade a partir de 2022, quando foi incorporada à CID-11 – Classificação Internacional de Doenças da OMS como um dos fatores que influenciam o estado de saúde ou levam uma pessoa a buscar os serviços de saúde. Embora não seja classificada como uma doença em si, o burnout é tratado com a mesma seriedade de outras condições ocupacionais, como LER – Lesão por Esforço Repetitivo e transtornos de ansiedade, garantindo ao trabalhador direitos trabalhistas e previdenciários.
A epidemia de burnout no Brasil
O Brasil enfrenta uma verdadeira epidemia de burnout. Em 2023, 421 pessoas foram afastadas do trabalho devido à síndrome, o maior número registrado nos últimos dez anos, de acordo com dados do INSS – Instituto Nacional do Seguro Social e do Ministério da Previdência Social. Além disso, a ANAMT – Associação Nacional de Medicina do Trabalho estima que cerca de 40% da população economicamente ativa do país sofra de burnout, segundo Alexandrina Meleiro, médica psiquiatra e porta-voz da entidade.
Esse cenário reflete a crescente pressão no ambiente laboral, que combina jornadas exaustivas, metas irrealistas e a falta de suporte emocional e psicológico para os trabalhadores. O impacto dessa epidemia vai além da saúde individual, comprometendo também a produtividade e a economia nacional.
O caso em análise
Recentemente, uma decisão judicial da 5ª Vara do Trabalho de Santo André/SP destacou a relevância do tema ao reconhecer a relação de concausalidade entre as condições laborais e o burnout de uma trabalhadora. No caso, a reclamante, que exercia a função de analista de processos júnior, desenvolveu síndrome de burnout e transtorno misto de ansiedade e depressão em decorrência de condições laborais adversas, como jornadas exaustivas e cobranças excessivas.
Apesar das alegações da reclamada de que os problemas de saúde eram exclusivamente de ordem pessoal, o juízo reconheceu que as condições de trabalho desempenharam papel determinante no agravamento das patologias. A empresa foi condenada ao pagamento de indenizações por danos morais e à garantia de estabilidade provisória de 12 meses à trabalhadora. A decisão, passível de recurso, busca ainda a majoração dos valores arbitrados, dada a gravidade do caso.
Aspectos relevantes da decisão
Implicações jurídicas
A inclusão do burnout como doença ocupacional não apenas amplia os direitos dos trabalhadores, mas também impõe novos desafios aos empregadores. No campo jurídico, esse reconhecimento baseia-se em um conjunto robusto de normativas:
- CF – Constituição Federal: Os arts. 1º, inciso III, e 7º, inciso XXII, garantem a dignidade da pessoa humana e a redução dos riscos inerentes ao trabalho.
- CLT – Consolidação das Leis do Trabalho: O art. 19, combinado com o art. 20 da lei 8.213/91, estabelece que doenças ocupacionais equiparam-se a acidentes de trabalho, assegurando direitos como estabilidade e reparações.
- CC – Código Civil: Os arts. 186 e 927 determinam a obrigação de reparação dos danos causados por negligência ou omissão.
- DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos: O art. 23 assegura o direito a condições de trabalho justas e favoráveis, em linha com a dignidade do trabalhador.
- OIT – Convenções da Organização Internacional do Trabalho: A Convenção 155, sobre segurança e saúde no trabalho, e a Convenção 161, sobre serviços de saúde ocupacional, obrigam os Estados signatários a promoverem ambientes laborais saudáveis.
Prevenção e responsabilidade
A decisão também traz à tona a necessidade de medidas preventivas. Empresas devem adotar práticas que minimizem os riscos psicossociais no ambiente laboral, como a implementação de políticas de saúde mental, a capacitação de lideranças para identificar sinais de esgotamento e a garantia de um equilíbrio adequado entre vida profissional e pessoal. A negligência nessas áreas não só expõe empregadores a litígios judiciais, mas também compromete o bem-estar e a produtividade de suas equipes.
Conclusão
O reconhecimento do burnout como doença ocupacional é um marco significativo para o Direito do Trabalho e para a proteção dos trabalhadores. Decisões como a analisada pela 5ª Vara do Trabalho de Santo André/SP demonstram o compromisso do Poder Judiciário em assegurar direitos fundamentais, como a saúde e a dignidade no ambiente de trabalho.
Trabalhadores que enfrentam situações de adoecimento relacionadas ao trabalho devem procurar orientação jurídica especializada. Advogados trabalhistas podem ajudar a identificar violações de direitos, buscar reparações adequadas e garantir que empregadores sejam responsabilizados por práticas nocivas. Um acompanhamento jurídico qualificado é essencial para promover a justiça e fortalecer a proteção do trabalhador no Brasil.
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Processo 1000373-51.2024.5.02.0435.
Antonia de Maria Ximenes Oliveira
Advogada especializada em Direito do Trabalho, Diretora Jurídica do SPC/RJ; Delegada da Comissão de Prerrogativas da OAB/RJ; possui especializações em Direito do trabalho como MBA em Acidente de trabalho/doenças ocupacionais, e em Direito Constitucional e Direitos Humanos – pela Universidade de Coimbra/PT.