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A advocacia desempenha um papel essencial na manutenção do Estado de Direito, da justiça e da proteção dos direitos individuais e coletivos.
Para que esse papel seja exercido de forma plena e legítima, é fundamental que os advogados orientem sua atuação pelo farol da ética e da integridade.
Aristóteles, em “Ética a Nicômaco”, enfatiza que a ética está intrinsecamente ligada à prática e à busca da virtude como meio de se alcançar e fazer o bem. Ele descreve que a virtude ética consiste no justo equilíbrio entre extremos – o que ele chama de “justa medida”. Para Aristóteles, agir de forma ética não é apenas cumprir normas, mas cultivar hábitos que moldem o caráter, promovendo ações corretas e responsáveis1.
Seria razoável defender (ou ao menos desejar) que os valores éticos seriam absorvidos naturalmente ao longo da vida a partir do convívio familiar e social. E, a partir dessa constatação, não seria equivocado propor a desnecessidade de codificações de conduta. Afinal, todos seriam éticos a partir das boas interações sociais. Todos em busca do bem.
Mas, como sabemos, não é bem assim.
A busca incessante pelo resultado ou sucesso, por exemplo, é algo que “relativiza” a ética nas relações, como já afirmaram os professores Cortella e Clovis de Barros2:
“A lógica do resultado, da meta e do sucesso acaba se impondo de tal forma que os procedimentos e a maneira de atingir um objetivo acabam sendo sucateados e colocados como uma questão menor.
(.)
Acredito que é aqui que a questão das instituições e da sociedade se impõe. Porque, se temos uma sociedade esgarçada, incapaz de produzir temor sobre aqueles que pretendem auferir vantagens de situações ilegais, indecorosas ou eticamente condenáveis, acabamos de certa maneira, estimulando um comportamento que não queremos.”
Assim, como forma de proteção, a sociedade estabeleceu “lembretes” (verdadeiros códigos) sobre o que é certo ou, ao menos, qual a conduta esperada.
E não é diferente para os advogados!
A má conduta ética na advocacia, seja no Brasil ou em outras jurisdições, infelizmente não é incomum e, além de comprometer a credibilidade da profissão, pode resultar em graves sanções.
No Brasil, assim como em outros países, a Ordem dos Advogados do Brasil instituiu um Código de Ética (Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil) que “.norteou-se por princípios que formam a consciência profissional do advogado e representam imperativos de sua conduta.” e que traduzem determinados mandamentos, tais como: a Defesa inabalável da Justiça; o Cumprimento da Constituição e das leis: Fidelidade à verdade; a Lealdade e boa-fé profissional; a Dedicação às causas confiadas; Independência e igualdade na defesa; o Exercício da advocacia com profissionalismo e altruísmo; e o Aprimoramento ético e jurídico3.
O que se vê na prática cotidiana, todavia, com alguma frequência, infelizmente, é o descumprimento sem constrangimento de determinados princípios éticos.
No Brasil, exemplos comuns de desrespeito ao Código de Ética da OAB incluem: i) a utilização de influência indevida em benefício próprio ou de clientes; e ii) a comunicação direta com a parte adversa que já possui advogado constituído, sem o consentimento deste.
Para essas duas condutas, o Código de Ética e Disciplina da OAB, em seu art. 2º, parágrafo único, inciso VIII, alíneas “a” e “d”, estabelece que o advogado deve “abster-se de utilizar influência indevida em benefício próprio ou de seu cliente” e, também, de não “entender-se diretamente com a parte adversa que possua advogado constituído, sem o consentimento deste”.
Sobre a comunicação direta com cliente de outro advogado, na França, nos Estados Unidos e na Alemanha, os respectivos códigos de ética dos advogados também consideram essa prática reprovável.
A conduta prevista no item 5.4 do Règlement Intérieur National, estabelece ao advogado francês que (em tradução livre) [4]:
“5.4 RELAÇÕES COM A PARTE ADVERSA
O advogado encarregado de iniciar um procedimento contra uma parte cujo advogado é conhecido, deve previamente informar seu colega, na medida em que essa comunicação não prejudique os interesses de seu cliente.
(.)”
A mesma preocupação tiveram as normatizações americana e alemã que, em seus respectivos códigos, assim fixaram a norma de boa conduta:
(American BAR – Rule 4.2: Communication with Person Represented by Counsel)5
Transações com Pessoas que Não São Clientes
Ao representar um cliente, um advogado não deve se comunicar sobre o assunto da representação com uma pessoa que o advogado sabe estar representada por outro advogado no caso, a menos que tenha o consentimento do outro advogado ou esteja autorizado por lei ou ordem judicial a fazê-lo.”
(Berufsordnung für Rechtsanwälte – § 12 BORA – Umgehungsverbot)6
“Advogadas e advogados não podem, sem o consentimento das advogadas e advogados das outras partes envolvidas, entrar em contato direto ou negociar com essas partes.”
Como se nota, a comunicação entre advogado e parte adversa mereceu atenção especial não só no Brasil, tamanha a sua importância para a boa e saudável relação e funcionamento do sistema jurídico.
E as condutas vedadas pelo art. 2º, parágrafo único, inciso VIII, alíneas “a” e “d” do Código de Ética e Disciplina da OAB tornam-se ainda mais graves quando o advogado, valendo-se da sua posição de destaque (considerando, por exemplo, os cargos e posições que já ocupou), busca influenciar diretamente pessoas físicas ou representantes de pessoas jurídicas (inclusive públicas), já assistidas por advogados. Em tais casos, o advogado acaba por agir de forma indevida, desviando-se dos deveres éticos da profissão ao agir como intermediário informal7.
O prestígio adquirido pode ser usado de forma indevida para pressionar ou persuadir a parte adversa, criando um ambiente de desequilíbrio e até mesmo de intimidação.
Nessas circunstâncias, além de desrespeitar o papel do colega constituído, o advogado transgride, além das regras antes referidas, a necessária urbanidade que deve nortear as relações profissionais entre os causídicos.
E o que René Descartes tem a ver com isso tudo?
A expressão: Cartesiano; deriva do nome em latim do filósofo francês, René Descartes (Renatus Cartesius) e é utilizada, principalmente, para se referir às ideias, métodos ou sistemas que ele desenvolveu.
Ser cartesiano significa adotar a clareza, o rigor lógico e a busca pela verdade como princípios fundamentais do pensamento.
Na advocacia, o método cartesiano pode inspirar a busca pela clareza, pela lógica e pela verdade como princípios fundamentais da atuação profissional. Embora Descartes não tenha se dedicado especificamente à ética, sua filosofia racionalista pode servir como referência ao rigor e à transparência exigidos no cumprimento das normas e deveres profissionais.
Assim, é imperativo que a Ordem dos Advogados do Brasil esteja atenta e seja rigorosa na repressão a tais práticas, garantindo que o exercício da advocacia permaneça fiel aos princípios da ética, integridade, lealdade e justiça, que são pilares fundamentais para a manutenção do Estado Democrático de Direito.
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1 Ética a Nicômaco. Aristóteles; Traduzido por Maria Stephania da Costa flores. – Jandira : Principais, 2021.
2 CORTELLA, Mario Sergio; BARROS FILHO, Clóvis de. Ética e vergonha na cara! São Paulo: Papirus 7 Mares, 2014.
3 https://www.oab.org.br/content/pdf/legislacaooab/codigodeetica.pdf
4 https://www.cnb.avocat.fr/fr/reglement-interieur-national-de-la-profession-davocat-rin
5 https://www.americanbar.org/groups/professional_responsibility/publications/model_rules_of_professional_conduct/
6 https://www.gesetze-im-internet.de/brao/
7 Em recente entrevista à Folha de São Paulo, o Presidente do Superior Tribunal de Justiça disse que “.Brasília é a capital mundial dos lobistas, mas não o lobby legalizado, como em outros países. O lobby em Brasília é feito em restaurantes, até em funerais, missas, cultos religiosos.” [Entrevista concedida ao periódico no último dia 30 de outubro] (destacou-se). E o Ministro tem razão.
Leonardo Groba Mendes
Consultor Jurídico para os temas de Ética, Integridade e Correição e Conselheiro de Administração. Especializado em contratos e obrigações foi Diretor de Controles Internos e Integridade, Corregedor e Diretor Jurídico da CAIXA.