O novo mecanismo multilateral de repartição de benefícios para DSI   Migalhas
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O novo mecanismo multilateral de repartição de benefícios para DSI – Migalhas

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O secretariado da CDB – Convenção sobre Diversidade Biológica iniciou quatro consultas, convidando as partes interessadas a contribuir para o desenvolvimento do novo Mecanismo Multilateral de Repartição de Benefícios (multilateral mechanism ou MLM) para Informações de Sequência Digital (digital sequence information ou DSI).

Nesse sentido, partes, governos, povos indígenas e comunidades locais e organizações relevantes são incentivadas a participar ativamente dessas consultas, apresentando suas considerações e sugestões.

Os prazos para o envio das contribuições variam de acordo com a solicitação, mas compreendem o período de fevereiro até abril de 2025.

1. Mecanismo multilateral de repartição de benefícios sobre sequências digitais

Durante a COP16 – 16ª Conferência das Partes, realizada em Cali, Colômbia, as 196 partes da CDB alcançaram um importante avanço na operacionalização do MLM – Mecanismo Multilateral de Repartição de Benefícios oriundo do acesso direto e indireto das informações de sequências digitais, como apontamos anteriormente em “Resultados envolvendo a repartição de benefícios pelo uso de DSI (COP16/Cali).

A decisão adotada possui caráter voluntário, para determinar que empresas de setores usuários que se beneficiam direta ou indiretamente de seu uso nas suas atividades comerciais devem contribuir uma determinada proporção de seu lucro ou receita para o instituído Fundo Cali, com o objetivo central de conservação da biodiversidade.

Nesse sentido, os setores constantes no anexo I – como agricultura, biotecnologia, produtos farmacêuticos, cosméticos, equipamentos de laboratório e inteligência artificial – devem contribuir com 1% dos lucros ou 0,1% da receita anual para o Fundo Cali, além de repartir benefícios não monetários.

Embora tenha havido significativo avanço nos debates sobre o tema, ainda existem muitas lacunas e elementos a serem mais bem explorados na decisão, para que o MLM possa ser implementado. Vale lembrar, ainda, que as decisões tomadas no bojo das COPs deverão ser aderidas pelos Estados-partes e internalizadas em seu ordenamento jurídico. Devido à incompletude do sistema como foi instituído na COP 16, acredita-se que nenhum país internalizará e criará regras locais no momento, mas tão somente a partir da COP 17, caso os temas tenham sido desenvolvidos.

Nesse contexto, as quatro consultas, fundamentadas na decisão 16/2 da COP16, têm como objetivo refinar e operacionalizar a aplicação do MLM e suas modalidades, oferecendo assim uma oportunidade para ampliar a abrangência do MLM a setores não explicitamente mencionados na decisão da COP16, além de instituir nova modalidade via produtos ou serviços.

Deve-se ressaltar que a possibilidade de repartição de benefícios por produtos faz parte de uma das propostas endereçadas pelo Brasil nas negociações que ocorreram na COP 16, por meio do intitulado mecanismo “all in”, em que as empresas poderiam escolher o pagamento sobre sua receita ou lucro, ou por meio de uma porcentagem da receita da venda de produtos com DSI.

Esta proposição visou mitigar potenciais efeitos negativos econômicos para empresas, especialmente brasileiras, que não possuem toda produção e desenvolvimento de produtos associada a informações de sequências digitais, como é o caso de empresas do setor de HPPC – Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos.

Assim, as contribuições coletadas poderão influenciar a forma como os Estados partes da CDB decidirão implementar o MLM em sua legislação nacional, o que reforça a necessidade de participação de todos os atores, em especial as empresas dos principais setores impactados, com o objetivo de garantir que seus interesses sejam devidamente considerados no projeto final do mecanismo.

2. Sobre as quatro consultas inauguradas pelo secretariado da CDB

a) Operacionalização do Mecanismo Multilateral de Repartição de Benefícios, incluindo “O Fundo Cali” (Notificação 2024-113)

O MLM, incluindo o Fundo Cali, funcionará sob a orientação e responsabilidade da CDB, a partir das COPs, com o apoio de um comitê diretivo dedicado a este tema, conforme determinado pelo parágrafo 28 da decisão 16.2. Este comitê será responsável pelas seguintes funções principais:

  • Supervisionar as operações do Fundo Cali, garantindo que os recursos sejam alocados conforme as modalidades estabelecidas.
  • Orientar as operações do secretariado relativas ao mecanismo multilateral.
  • Relatar e fornecer assessoria à COP em questões pertinentes.
  • Desenvolver uma metodologia para revisar a eficácia do mecanismo multilateral, incluindo o Fundo Cali, até a COP18, em 2028. Essa metodologia deverá incluir indicadores adequados para avaliar o desempenho do mecanismo.

Como parte desse processo de consulta, o secretariado da CDB convida as partes interessadas a apresentar ao comitê diretor indicações de candidatos para membros ou observadores. O prazo para submissões é 7/2/25.

O comitê diretivo será composto por 15 membros indicados pelas partes (três de cada região), sete membros de povos indígenas e comunidades locais (um de cada região sociocultural) e dois membros de entidades das Nações Unidas, além de seis observadores (dois da sociedade civil, de instituições científicas e do setor privado).

Em outras palavras, as empresas são encorajadas a nomear dois representantes para atuar como observadores. Assim, recomenda-se que tais indicações sejam organizadas em conjunto

com suas respectivas organizações setoriais, uma vez que uma resposta unificada, vinda de diferentes setores, aumentaria as chances de sucesso.

Ademais, de acordo com o parágrafo 19, anexos II e III o valor integrante do Fundo Cali será alocado de forma direta, de acordo com uma lista indicativa de critérios, a partir de uma fórmula a ser determinada na COP 17, com base no trabalho do Ad Hoc Technical Expert Group – Grupo de Especialistas Técnicos Ad Hoc, em português.

O grupo será composto por especialistas técnicos, como segue: 15 indicados pelas partes, três de cada região, 7 indicados por representantes de povos indígenas e comunidades locais das sete regiões socioculturais e 4 indicados por organizações relevantes. Nesse sentido, a decisão convida para indicação de nomeados para compor o Ad Hoc Technical Expert Group até 7/3/15.

b) Possíveis modalidades adicionais para o Mecanismo Multilateral (Notificação 2024-114)

Em que pese a decisão 16.2 tenha instituído o modelo para operacionalização do MLM como sendo um pagamento sobre a receita ou lucro das empresas dos setores indicados no anexo I, a modalidade de pagamento via produto que utiliza DSI foi bastante defendida pelos países em desenvolvimento, em especial pelo Brasil. Esta opção visa fomentar o pagamento da repartição de benefícios sem que haja um desestímulo à inovação utilizando sequências digitais e/ou um impacto econômico brusco no setor privado.

Nesse contexto, os negociadores deixaram em aberto a possibilidade de expandir o mecanismo para incluir produtos e serviços no mercado que tenham se beneficiado do uso do DSI. Tal expansão poderia permitir contribuições de setores adicionais, como o setor de alimentos, além daqueles já contemplados.

Por isso, esta consulta convida as partes, outros governos, povos indígenas e comunidades locais, e organizações relevantes a fornecer informações sobre a possibilidade de expansão do MLM para incluir produtos e serviços até 21/3/25.

Caso essa expansão seja considerada, as partes deverão identificar quais produtos e serviços específicos devem repartir benefícios via MLM. Além disso, as empresas e associações setoriais representativas são incentivadas a demonstrar o motivo pelo qual esta possibilidade deve ser considerada, em especial o incentivo a inovação sem prejudicar o setor privado de países em desenvolvimento cujo pagamento sobre a receita ou lucro pode gerar, inclusive, a falência de empresas, e como operacionalizar este pagamento na prática.

c) Ferramentas e modelos inovadores para o acesso do público à DSI (Notificação 2024-115)

Durante as negociações do MLM, ocorreram intensos debates sobre a eficácia dos bancos de dados existentes e das práticas de compartilhamento de dados em termos de garantir responsabilidade, transparência e governança.

O Egito apresentou uma proposta para a criação de um novo banco de dados para DSI, sugerindo que apenas sequências digitais verificadas, por meio de consentimento prévio e informado do país de origem, fosse incluída na base de dados. Embora essa proposta não tenha constado no texto final da decisão da COP16, os negociadores permitiram que o tema fosse explorado com maior profundidade.

Neste contexto, as partes, outros governos, povos indígenas e comunidades locais, e organizações relevantes são incentivadas a apresentar propostas com o objetivo de facilitar o acesso público às sequências digitais e garantir sua utilização de forma transparente até o prazo de 4/4/25.

d) Parâmetros para determinação de entidades pequenas, médias e grandes (Notificação 2024-116)

No texto da decisão 16.2, foram incluídos parâmetros para definição do porte das pequenas, médias e grandes empresas com o objetivo de balizar o percentual de contribuição para o fundo de forma justa, que se sabe ter tido como base um estudo da London School of Economics sobre DSI. Além disso, o parágrafo 6, d, da decisão 16.2 requer a preparação de estudos oficiais para correta identificação de tais parâmetros de definição.

Assim, com o objetivo de avaliar se os parâmetros instituídos estão adequados ou definir novos, as partes, outros governos, povos indígenas e comunidades locais, e organizações relevantes são convidadas a apresentar seus pontos de vista sobre as normas nacionais e internacionais que devem ser adotadas para a identificação das pequenas, médias e grandes entidades. O prazo para submissões é 18/4/25.

Essa classificação ajudará a definir o escopo das obrigações dentro da estrutura de repartição de benefícios, estabelecendo responsabilidades diferenciadas para entidades de diferentes portes.

3. Conclusão

Diante do exposto, muitas serão as atualizações sobre o tema de DSI nos próximos meses, até que seja realizada a COP 17, na Armênia, em 2026.

Quanto aos prazos abertos pelo secretariado da CDB, após o recebimento das contribuições, espera-se que elas sejam disponibilizadas de forma pública e online e analisadas pelo órgão subsidiário (SBI – Subsidiary Body on Implementation) na sua sexta reunião, ainda sem data.

Nesse sentido, é essencial continuar acompanhando este tema de perto e recomendamos fortemente que o setor privado se engaje nas discussões, inclusive para os prazos em aberto e apontados acima, frente ao alto potencial de impacto econômico que pode sofrer mediante as definições do mecanismo multilateral.

________

1 CDB. 16/2. Digital sequence information on genetic resources. Disponível em: . Acesso em: 08 de janeiro, 2025.

2 Notification 2024-113. Operationalizing the multilateral mechanism for the fair and equitable sharing of benefits from the use of digital sequence information on genetic resources, including a global fund (“The Cali Fund”): Follow up to decision 16/2 of the Conference of the Parties. Disponível em: . Acesso em: 08 de janeiro, 2025.

3 Notification 2024-114. The multilateral mechanism for the fair and equitable sharing of benefits from the use of digital sequence information on genetic resources, including a global fund (“The Cali Fund”): Submission of views on possible additional modalities of the multilateral mechanism. Disponível em: < https://www.cbd.int/notifications/2024-114>. Acesso em: 08 de janeiro, 2025.

4 Notification 2024-115. The multilateral mechanism for the fair and equitable sharing of benefits from the use of digital sequence information on genetic resources, including a global fund (“The Cali Fund”): Submission of views on possible new tools and models, such as databases, for making digital sequence information on genetic resources publicly available and accessible. Disponível em: < https://www.cbd.int/notifications/2024-115>. Acesso em: 08 de janeiro, 2025.

5 Notification 2024-116. The multilateral mechanism for the fair and equitable sharing of benefits from the use of digital sequence information on genetic resources, including a global fund (“The Cali Fund”): Submission of information on national, regional or international standards on thresholds determining small, medium and large entities. Disponível em: < https://www.cbd.int/notifications/2024-116>. Acesso em: 08 de janeiro, 2025.

6 Subsidiary Body on Implementation (SBI). Disponível em: < https://www.cbd.int/sbi>. Acesso em: 08 de janeiro, 2025.

7 MARINELLO, Luiz Ricardo. Resultados envolvendo a repartição de benefícios pelo uso de DSI (COP16/Cali). Disponível em: < https://www.migalhas.com.br/depeso/419438/resultado-envolvendo-reparticao-de-beneficio-por-uso-dsi-cop16-cali>. Acesso em: 08 de janeiro, 2025.

8 LSE. Identifying Ways Forward: LSE Roundtable on Biodiversity Finance and Digital Sequence Information. Disponível em: . Acesso em: 08 de janeiro, 2025.

Luiz Ricardo Marinello

Luiz Ricardo Marinello

Mestre em Direito pela PUC/SP, coordenador da Comissão de Estudos de Bioeconomia e Sustentabilidade da ABPI (Associação Brasileira da Propriedade Intelectual) e sócio de Marinello Advogados.

Isabella Estabile

Isabella Estabile

Sócia do Marinello Advogados; Mestre – Puc/Rio; Membro de comissão – INTA e OAB/RJ; Coordenadora de comissão – ASPI; “Tomorrow Leader Award” – INTA (2022); “Rising Star” Leaders League (2021)

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