Janeiro branco e as políticas públicas no direito à saúde mental   Migalhas
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Janeiro branco e as políticas públicas no direito à saúde mental – Migalhas

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A campanha Janeiro branco, instituída pela lei 14.556/23, tem como objetivo a conscientização sobre a saúde mental, visando “a promoção de hábitos e ambientes saudáveis e a prevenção de doenças psiquiátricas, com enfoque especial na prevenção da dependência química e do suicídio”.

Se, antes da Covid-19, já havia um aumento preocupante de transtornos psiquiátricos e abuso de substâncias, com a pandemia o quadro se agravou: houve um aumento de 28% e 26% nos casos de depressão e ansiedade, respectivamente1.

Nesse sentido, dados do Ministério da Previdência Social apontam que foram concedidos 288.865 benefícios por incapacidade temporária e permanente devido a transtornos mentais e comportamentais no Brasil em 2023, o que representa um aumento de 38% em relação a 2022, ano em que foram concedidos 209.124 benefícios2. Isso demonstra que, além do impacto na vida de cada indivíduo, também há um impacto significativo no cenário econômico.

Embora muitas vezes a dimensão da saúde mental seja minimizada ou negligenciada pela sociedade, é importante lembrar que o conceito de saúde abrange tanto o bem-estar físico quanto o mental e social3, e tem como núcleo essencial a dignidade da pessoa humana (art. 1º da CF/88).

Assim, é importante ressaltar que o direito à saúde, consagrado no art. 6º e reafirmado como direito de todos e dever do Estado, por meio de políticas sociais e econômicas, conforme o art. 196, ambos da CF, deve abranger não só a saúde física, mas também a saúde mental.

Entretanto, usuários do SUS relatam demora e dificuldades na obtenção de terapias e medicamentos essenciais para o tratamento adequado na via administrativa, restando à via judicial a responsabilidade de garantir o direito à saúde.

Frisa-se que o enunciado 93 do FONAJUS considera excessiva a espera do paciente por tempo superior a 180 dias para tratamentos eletivos. Já os casos de emergência exigem atendimento imediato, em consonância com o direito à vida, consagrado no art. 5º da CF/88.

A partir da análise jurisprudencial, é possível encontrar precedentes que confirmam o dever estatal de fornecer tratamento com cetamina (TJ/SP – Agravo de Instrumento 3002571-53.2024.8.26.0000 e Apelação Cível 1001493-38.2021.8.26.0073), eletroconvulsoterapia (TJ/MT- 1012653-97.2024.8.11.0000, 1030126-33.2023.8.11.0000) e medicamentos de uso domiciliar, como o canabidiol (RE 1467701; TJSP – Apelação Cível 1008689-39.2023.8.26.0348; TJ/CE – Agravo de Instrumento – 0623823-72.2024.8.06.0000).

No julgamento da Apelação Cível 1.0000.22.197000-7/001, o TJ/MG concluiu que o município, de pequeno porte, não poderia ser condenado a providenciar o tratamento multidisciplinar no CAPS infantil. Contudo, deveria custear o transporte do requerente até o CAPS do município vizinho.

Verifica-se, portanto, que é possível recorrer ao Poder Judiciário para obter prestações pontuais, sem prejuízo de demandas estruturais, mas evidencia-se a necessidade de fortalecer os CAPS – Centros de Atenção Psicossocial e as políticas públicas para a promoção da saúde mental, enquanto direito de todos e dever do Estado, sobretudo em face do aumento crescente de transtornos psiquiátricos.

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1 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. World Mental Health Report: Transforming Mental Health for All. Genebra: OMS, 2022. Disponível em: https://apps.who.int/iris. Acesso em: 13 jan. 2025.

2 AFASTAMENTOS POR TRANSTORNOS DE SAÚDE MENTAL SOBEM 38% EM 2023. Valor Econômico, São Paulo, 22 jan. 2024. Disponível em: https://valor.globo.com/carreira/noticia/2024/01/22/afastamentos-por-transtornos-de-saude-mental-sobem-38.ghtml. Acesso em: 13 jan. 2025.

3 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Constituição da Organização Mundial da Saúde. 1946.

Letícia Ferreira Torres

Letícia Ferreira Torres

Advogada com atuação especializada em Direito da Saúde e Direito do Consumidor. Aprovada e nomeada ao cargo de Delegada da Polícia Civil do Estado de São Paulo (não assumido).

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