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O debate sobre justiça tributária e a tributação de bens localizados no exterior é um tema que ressoa profundamente, especialmente diante de casos que envolvem grandes fortunas. As redes sociais e discussões públicas frequentemente se inflamam ao comparar a realidade vivida por trabalhadores comuns, que enfrentam pesadas cargas tributárias, e as estratégias utilizadas por grandes patrimônios para reduzir ou mesmo eliminar a tributação incidente. O contraste é gritante: enquanto um cidadão que deixa um imóvel financiado como herança se vê obrigado a pagar o ITCMD – Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – mesmo sobre o saldo devedor -, grandes fortunas alocadas em paraísos fiscais, como as Bahamas, escapam dessa cobrança. Isso levanta a questão: é possível cobrar ITCMD sobre bens no exterior? E mais: é justo não cobrar?
O caso em questão
O debate se intensificou com um caso de grande repercussão: a disputa judicial envolvendo a família do apresentador Silvio Santos, falecido em agosto de 2024. O Estado de São Paulo, através de sua Procuradoria Geral, busca cobrar cerca de R$ 18 milhões a título de ITCMD sobre um patrimônio estimado em R$ 428 milhões localizado no exterior. Esse patrimônio inclui ativos financeiros na Daparris Corp Ltd, nas Bahamas, e contas bancárias nos Estados Unidos. Porém, a família Abravanel, representada por uma equipe de advogados, contesta a cobrança.
Na última sexta-feira (10/1), o TJ/SP, através de uma liminar concedida pela 3ª Vara da Fazenda, suspendeu temporariamente a exigência do pagamento. Essa decisão reacendeu discussões sobre a competência dos Estados para cobrar ITCMD em casos que envolvem bens localizados fora do território nacional.
O STF já se manifestou
O caso não é novo no cenário jurídico brasileiro. Em 2021, o STF julgou o Recurso Extraordinário 851.108/SP, com repercussão geral reconhecida, fixando a tese do Tema 825. O entendimento foi claro: para que Estados possam cobrar ITCMD sobre bens localizados no exterior, é necessária uma lei complementar Federal que regulamente a matéria, conforme exige a CF/88. Na ausência dessa lei, os Estados carecem de competência para tal cobrança.
Além disso, a recente EC 132/23, que tentou criar uma solução provisória para a tributação de bens no exterior, não conseguiu superar a exigência de uma lei complementar. O STF manteve seu posicionamento, reforçado em diversas decisões posteriores, como no REsp 2.080.842, julgado pelo STJ, que aplicou o mesmo raciocínio do Tema 825.
A tese da Procuradoria
Apesar desse contexto jurídico, a Procuradoria do Estado de São Paulo apresentou uma tese que busca contornar a limitação imposta pela falta de regulamentação Federal. O argumento central é que o patrimônio acumulado pelo apresentador Silvio Santos teria origem predominantemente no Brasil, e sua transferência para o exterior seria uma manobra para evitar a tributação. Essa estratégia, segundo a Procuradoria, configuraria abuso de direito e evasão fiscal.
Embora seja possível discutir o lastro econômico das operações que levaram à alocação dos bens no exterior, o argumento carece de força jurídica. O entendimento consolidado pelo STF e pelo STJ não deixa espaço para interpretações divergentes: sem lei complementar, não há competência estadual para cobrar ITCMD sobre bens localizados fora do Brasil.
Reflexões sobre justiça tributária
O caso em análise ilustra uma questão recorrente no sistema tributário brasileiro: a dificuldade de harmonizar os princípios da capacidade contributiva e da igualdade tributária em contextos que envolvem bens no exterior. A inexistência de uma lei complementar Federal que regule a matéria cria uma lacuna normativa que compromete a eficácia do ITCMD, especialmente em situações que envolvem grandes patrimônios alocados fora do país.
Embora se possa argumentar que a ausência de tributação desses bens resulta em perda de receita para os estados, tal argumento não é suficiente para justificar a cobrança sem respaldo legal. A solução exige uma abordagem legislativa que permita aos Estados exercerem sua competência tributária de forma constitucionalmente adequada. Além disso, essa regulamentação deveria estabelecer critérios claros para evitar abusos e garantir segurança jurídica tanto para o contribuinte quanto para a Administração Pública.
Conclusão
Diante do contexto apresentado, a cobrança de ITCMD pelo Estado de São Paulo sobre os bens localizados no exterior pertencentes à família Abravanel parece juridicamente inviável. Isso se deve à ausência de uma lei complementar Federal que regulamente a matéria, bem como ao entendimento pacificado pelo STF e pelo STJ. Embora o argumento da Procuradoria, que alega abuso de direito e evasão fiscal, levante questões relevantes sobre a origem do patrimônio, ele não é suficiente para superar os limites constitucionais impostos à cobrança.
Qual é a sua opinião sobre essa questão? Você acredita que uma reforma legislativa seria necessária para alinhar nossa estrutura tributária à realidade global dos grandes patrimônios?
Arthur Selistre Santos
Assistente jurídico na Biason Assessoria Empresarial.