Planejar ou “antecipar” sucessão: Uma atual “corrida contra o tempo”?   Migalhas
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Planejar ou “antecipar” sucessão: Uma atual “corrida contra o tempo”? – Migalhas

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Dentre as diversas temáticas inseridas no campo do Direito Sucessório, é salutar mencionar o avanço dos estudos e das aplicabilidades concernentes ao planejamento sucessório, nos últimos anos. 

Além da óbvia perspectiva de obtenção de economias financeiras mais diretas1, o manuseio do instituto do planejamento sucessório também possibilita uma melhor organização patrimonial preliminarmente à abertura da sucessão, facilitando a transmissão do patrimônio e evitando-se conflitos entre herdeiros e legatários, o que, em última análise, igualmente tende a se verter em benefícios financeiros aos envolvidos.

Exatamente neste sentido, a matéria vem se desenvolvendo com a construção de conceito doutrinário compreendendo que planejamento sucessório “é o conjunto de atos e negócios jurídicos efetuados por pessoas que mantêm entre si alguma relação jurídica familiar ou sucessória, com o intuito de idealizar a divisão do patrimônio de alguém, evitando conflitos desnecessários e procurando concretizar a última vontade da pessoa cujos bens formam o seu objeto.” 2

Naturalmente que não se está em campo de atuação livre e sem quaisquer restrições, devendo-se ter especial observância à legítima, isto é, a parte indisponível da herança, consoante a previsão expressa do art. 1.846 do CC3; sem deixar de avaliar os corretos mecanismos à elaboração de planejamento sucessório e/ou de espécie de “antecipação” da sucessão, dentro da liberdade de disposição patrimonial por seu titular, porém sem incorrer em descumprimento à vedação do art. 426 do CC.4

De todo o modo, sem maiores aprofundamentos doutrinários atinentes ao planejamento sucessório, a reflexão que se pretende neste breve texto corresponde ao timing à sua implementação, obviamente prospectando-se máxima efetividade.

Mencionada reflexão temporal se dá, essencialmente, por conta da tributação de doações e heranças, historicamente decorrentes da incidência do ITCMD – Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos, de competência dos Estados – e do Distrito Federal -, constitucionalmente prevista no art. 155, I, da Magna Carta5.

Em apertado resumo, temos 3 principais pontos que sugerem uma “corrida contra o tempo” para o desenvolvimento de um planejamento sucessório e/ou à “antecipação” da sucessão total ou parcial.

O primeiro deles reside na questão da progressividade6, afinal, a sua concretização tornou-se praticamente inevitável por todo o país, ante o advento da EC 132/23, que, ao incluir o inciso VI, ao § 1º, no art. 155, da CF/88, estabeleceu o dever de observância à progressividade no âmbito do ITCMD7. 

É bem verdade que o estabelecimento da progressividade neste imposto já era uma faculdade conferida ao legislador estadual – e do Distrito Federal -, ex vi o art. 2º da resolução 9/92 do Senado Federal8 e o julgamento do RE 562.045 (Tema 21) pelo STF9, porém parece-nos que a previsão constitucional introduzida ao art. 155, § 1º, VI, da CF/88, pela da EC 132/23 reverte este quadro para uma “obrigação”, ao expressar que o ITCMD “será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação”.

Desta forma, o próximo passo é a adequação da legislação estadual por aqueles estados que ainda não introduziram a progressividade10, tendo-se, no caso de São Paulo, a atual tramitação do PL 7/24, que enxergamos com maior força e potencial de aprovação do que iniciativas anteriores, como o PL 1408/15, que, igualmente, tentou prever a progressividade ao ITCMD, mas acabou por ser arquivado11. 

Em termos práticos, novamente nos valendo do exemplo de São Paulo – podendo-se fazer semelhante paralelo com os demais Estados que ainda não introduziram a progressividade em suas legislações locais -, a implementação da progressividade na forma do PL 7/24 culminaria na migração da alíquota fixa ou única de 4%12 para alíquotas correlacionadas à base de cálculo do imposto, em 4 faixas distintas, aumentando-se o custo tributário às bases superiores a R$ 85 mil UFESPs13, que teriam os percentuais de 6% ou 8% de imposto, beneficiando-se da mudança apenas àqueles herdeiros, donatários ou legatários com base tributável até R$ 10 mil UFESPs14, que passariam a ter alíquota de ITCMD de 2%.

Como se não bastasse, trazemos como um segundo ponto a tendência ao aumento das alíquotas do imposto. É sabido que, diante do poder conferido pelo art. 155, § 1º, IV, da CF/8815, a alíquota máxima de ITCMD é definida pelo Senado Federal, e, atualmente, é de 8%16. Desta feita, por ora, os Estados e o Distrito Federal podem estabelecer suas alíquotas até este teto delimitado pelo Senado Federal. 

Ainda que naturalmente estejamos numa hipótese mais “especulativa” e incerta do que a do primeiro ponto supracitado, em momento de discussões de reformas no Sistema Tributário Nacional, não são raros os burburinhos atinentes à tentativa de majorar este teto, motivo pelo qual não deixa de ser outro ponto de atenção que fomenta uma agilização do contribuinte na definição de organização e/ou antecipação duma sucessão que se daria/dará futuramente.

O terceiro e último ponto reside na possibilidade de aproveitamento de diferentes alíquotas entre a doação in vida e a transmissão causa mortis, podendo estar associada – ou não -, com os pontos acima. Explicamos sucintamente: alguns Estados estabelecem alíquotas distintas para a doação e à transmissão patrimonial em razão da morte, geralmente com menores percentuais na primeira hipótese, favorecendo-se a doação in vida.

Nesse contexto, talvez a “corrida contra o tempo” esteja mais associada ao segundo ponto, isto é, de antecipar-se e evitar o aumento da tributação como um todo, visto que, mesmo com a implementação da progressividade (primeiro ponto), os Estados tendem a manter a diferenciação de alíquotas no tocante aos fatos jurídicos tributáveis pelo ITCMD (doação x causa mortis).

Foi o caso, por exemplo, tanto da Bahia, que, mesmo com a introdução da progressividade somente à transmissão causa mortis em 201317, continua prevendo a alíquota de 3,5% para doações e alíquotas de 4% a 8%, na hipótese de causa mortis; como de Alagoas, que, após estabelecer alíquotas de 2% à doação e 4% ao causa mortis, passará a ter progressividade com alíquotas de até 2% e 8%, respectivamente, com a vigência da lei 9.440/2418.

Finalizando este ponto, vê-se que o planejamento sucessório e/ou a “antecipação” da sucessão possibilita a aplicação de alíquota reduzida nos Estados em que diferenciam o impacto tributário às doações (in vida) e a transmissão causa mortis, sem perder de vista que, mesmo em Estados com alíquota idêntica a ambos os casos, a estruturação organizacional da sucessão pode resultar em bases tributárias diversas duma transmissão – causa mortis – comum, também facilitando e reduzindo custos, frisando-se que, em todas estas situações, a postergação aumenta os riscos de um maior impacto tributário, ante a forte tendência à majoração das alíquotas, num aspecto geral, futuramente.

Por isto tudo, em que pese a incerteza relativa ao futuro e no que tange a quando e como as mudanças serão implementadas, a provável majoração da tributação sobre as doações e heranças cria, de certa maneira, um alerta àqueles que pretendam uma melhor preservação e transmissão patrimonial, sendo que, acaso o contribuinte deseje se valer da legislação atual, portanto, anterior às mudanças que virão, terá de agir brevemente.

Ainda que possamos, num jargão mais desportivo e sobretudo futebolístico, falar numa possibilidade de “acréscimos” em alguns Estados, ante o ITCMD dever respeitar o princípio da anterioridade em sua plenitude (anual e nonagesimal)19 e a ausência de alterações legislativas locais para a implementação da progressividade até então nestes, parece-nos relevante a atenção e compreensão dos contribuintes para uma majoração provável e próxima, que sugere a necessidade de avanço em planejamentos sucessórios e/ou “antecipações” de sucessões sem delongas.

_________

1 Leia-se a redução de custos e despesas com a sucessão, por exemplo, em relação a tributos, custas processuais ou cartorárias, e honorários advocatícios.

2 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio. Planejamento sucessório: conceito, mecanismos e limitações. Revista Brasileira de Direito Civil (RBDCivil), v. 21, n. 03, julho/setembro de 2019. Belo Horizonte: [s.n.], 2019, p. 88. Disponível em: https://rbdcivil.ibdcivil.org.br/rbdc/article/view/466. Acesso em: 08 de janeiro de 2025.

3 “Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.”.

4 “Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.”.

5 “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;”.

6 Em poucas palavras, o princípio da progressividade preconiza que, a medida que ocorra aumento do valor ou da riqueza a ser tributada, haja majoração da alíquota. Não à toa, Luciano Amaro afirma que “a progressividade faz com que a alíquota para as fatias mais altas de riqueza seja maior.” (AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p.142).

7 “§ 1º O imposto previsto no inciso I: VI – será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação;”.

8 “Art. 2º As alíquotas dos impostos, fixadas em lei estadual, poderão ser progressivas em função do quinhão que cada herdeiro efetivamente receber, nos termos da Constituição Federal.”.

9 “Tese: É constitucional a fixação de alíquota progressiva para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCD.”.

10 A título de exemplo, os estados do Rio de Janeiro e da Bahia e o Distrito Federal, já previam em suas legislações, respectivamente, Leis nº 7174/15, 4.826/89 e 3.804/06, a progressividade do ITCMD, antes mesmo da Emenda Constitucional nº 132/23, diferentemente dos casos do Paraná e de Minas Gerais, que, atualmente, possuem, alíquotas fixas na ordem de 4% (quatro por cento) e 5% (cinco por cento) relativa ao imposto, ex vi os artigos 22 e 10 das Leis estaduais nº 18.573/2015 e 14.941/03, respectivamente.

11 Andamento do PL disponível em: https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1284598. Último acesso em: 09/01/2025.

12 Nos termos do artigo 16 da Lei nº 10.705/00: “Artigo 16 – O imposto é calculado aplicando-se a alíquota de 4% (quatro por cento) sobre o valor fixado para a base de cálculo.”.

13 Atualmente R$ 3.146.700,00 (três milhões, cento e quarenta e seis mil e setecentos reais), já que o valor do UFESP em 2025 é R$ 37,02 (trinta e sete reais e dois centavos).

14 Atuais R$ 370.200,00 (trezentos e setenta mil e duzentos reais).

15 “IV – terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal;”.

16 Consoante o descrito no artigo 1º da Resolução nº 9/92 do Senado Federal, in verbis: “Art. 1º A alíquota máxima do imposto de que trata a alínea a, inciso I, do art. 155 da Constituição Federal será de oito por cento, a partir de 1º de janeiro de 1992.”

17 Com o advento da Lei nº 12.609/12 com produção de efeitos a partir de 29/03/13.

18 Promovendo-se alteração ao artigo 168 da Lei nº 5.077/89.

19 Visto não constar no rol de exceções do artigo 150, § 1º, da Constituição Federal.

Guilherme Molina

Guilherme Molina

Mestre em Direito – Universidade de Coimbra; especialista em Direito Tributário – PUC-SP, Regulatory Compliance – Penn Law e Planejamento Tributário – FBT; sócio – Molina & Reis Advogados; membro IBDT

Molina & Reis Sociedade de Advogados Molina & Reis Sociedade de Advogados

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