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Inicialmente, é importante descortinar a importância do processo civil para a complementação hermenêutica do processo trabalhista, diante de lacunas normativas. Isto é, diuturnamente, surgem situações práticas que carecem de interpretações híbridas, coadunando com o Direito processual civil e o Direito do Trabalho. Todavia, sabe-se que aquele será utilizado de forma subsidiária para complementar a teleologia da efetividade e da eficácia no mérito laboral. Nesse viés, um primeiro ponto a ser abordado se destaca pelo importante doutrina, descrita pelo jurista Pontes de Miranda, denominada “Escada Ponteana” e o plano de formação do negócio jurídico. Por conseguinte, existem, nessa ideologia, o campo da existência, da validade e da eficácia, uma vez que a nulidade e a anulidade processual estão intrinsecamente associadas à prévia categorização. Destarte, tanto no processo do trabalho, como na seara cível faz-se mister que cada ato processual seja analisado, antes da solução definitiva de mérito.
Outrossim, o primeiro degrau da “Escada Ponteana” supracitada é o da existência (elemento essencial), cuja estruturação abrange o agente, o objeto, a vontade e a forma. Segundo o doutrinador Flávio Tartuce “O código Civil de 2002 não adotou explicitamente o elemento da existência ou inexistência, mas apenas a estruturação da validade e da eficácia são positivadas nos artigos nº 82,104, 2035”.Entretanto, para alguns juristas, a omissão legislativa não tem o condão de trazer prejuízo na interpretação de atos processuais, pois existe uma espécie de suficiência do suporte fático.
Partindo da análise da existência e da constatação positiva, inicia-se a averiguação da validade de determinado ato processual (elemento essencial), adjetivando os pressupostos já descritos como agente, objeto, vontade e forma. Ou seja, nessa fase de pesquisa processual, pretende-se distinguir o agente com capacidade, o objeto lícito e determinado ou determinável, a vontade com liberdade e consentimento e a forma adequada e prescrita na lei.
De acordo com o doutrinador Miguel Reale, “Há a necessidade de repelir eventuais pretensões fundadas em situações resultantes de ato juridicamente embrionário, sem confundir a inexistência, – que é um vício antes natural ou fático com a nulidade, que resulta da não correspondência dos elementos existentes com as exigências prefiguradas em Lei. O ato inexistente, na realidade, carece de algum elemento constitutivo, permanecendo juridicamente embrionário, ainda in fieri, devendo ser declarada a sua não significação jurídica, se alguém o invocar como base de uma pretensão”. (REALE, 1981, p. 205). Após toda a explanação importante sobre a existência, a validade dos atos processuais, surge o questionamento no tocante a classificação da falta de citação no processo cível ou trabalhista, posto que há controvérsia na doutrina sobre os quesitos existência e validade. Dizendo de outra forma, segundo a doutrina majoritária, a citação válida é pressuposto processual de validade do processo, sendo que o vício nesse ato processual gera uma nulidade absoluta. Nessa linha, infere-se que o vício pode ser alegado a qualquer momento, mesmo após o encerramento do processo. Portanto, confirma-se esse entendimento com a redação do art. 239, caput, do novo CPC, que determina ser indispensável a citação do réu para a validade do processo.
Ademais, quando se constata a nulidade absoluta processual, sem permissão para convalidação, verifica-se que pode ser alegado pela parte novamente, a qualquer momento, mesmo após a ação rescisória (vício transrescisório). Para complementar a argumentação, é interessante reconhecer a dupla função de uma citação efetiva: convocação do réu para comparecer em juízo e amplo contraditório da demanda ajuizada, evitando-se a decisão surpresa ou sentença inoperante. Consoante magistério de Fredie Didier Jr, “A proibição de decisão surpresa extraída do art. 10 do Código de Processo Civil traduz consequência da dimensão substancial do princípio do contraditório, exigindo que o magistrado oportunize às partes a manifestação a respeito das questões fundamentais do processo – mesmo aquelas cognoscíveis de ofício – e efetivamente considere tais argumentos em suas razões de decidir: Há, porém, ainda, a dimensão substancial do princípio do contraditório. Trata-se do poder de influência. Não adianta permitir que a parte simplesmente participe do processo apenas isso não é o suficiente para que se efetive o princípio do contraditório. É necessário que se permita que ela seja ouvida, é claro, mas em condições de poder influenciar a decisão do órgão jurisdicional”.
Nessa linha de discussão, uma fração minoritária de doutrinadores acredita que a falta de citação intraprocessual pode gerar vício no pressuposto da existência, uma vez que se demonstra uma alteração embrionária do processo. Porquanto, deve-se repensar nessa classificação com certa cautela, pois a relação trilateral entre magistrado, parte autora e parte ré devem coexistir de forma a atuar com imparcialidade e segurança jurídica. Ou seja, mesmo antes da citação do réu, a relação jurídica processual já existe, ainda que formada exclusivamente entre autor e juiz.
Para finalizar, após toda a explicação sobre a Escada Ponteana aplicada ao direito processual, infere-se que perpetua, no Direito Processual, questionamentos a respeito de hermenêuticas e suas decorrências, pois existem dicotomias de julgamentos entre os tribunais, gerando insegurança jurídica. Em consequência disso, cada vez mais na seara trabalhista, vem se utilizando a teoria dos precedentes vinculantes ou stare decisis americano para unificar julgamentos repetitivos com repercussão geral de grande importância para o ordenamento jurídico. Nessa perspectiva, quando, ocorrer, por exemplo, insuficiência de citação pode-se considerar que a grande maioria irá utilizar da teoria da invalidade dos atos processuais e proibição da convalidação com possíveis efeitos transrescisórios.
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PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.Tratado de Direito Privado. 7. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código Civil Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
REALE, Miguel.Teoria Tridimensional do Direito: Fato, Valor e Norma. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
Joseane de Menezes Condé
Servidora Pública Federal do TRT 15 Americana, Mestranda em Direito Internacional FUNIBER, pós graduação em Direito Constitucional IBMEC, pós graduanda em direito tributário e trabalhista.