Com espaço para aprimoramento, arbitragem cresce no Brasil   Migalhas
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Com espaço para aprimoramento, arbitragem cresce no Brasil – Migalhas

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A arbitragem, regulada pela lei 9.307/96, é um método alternativo de resolução de conflitos que vem ganhando destaque no Brasil, principalmente por sua capacidade de aliviar o sobrecarregado sistema Judiciário.  Entre seus principais benefícios estão a celeridade, a confidencialidade e a especialização na condução de disputas. Apesar desses avanços, o instituto ainda pode ser aprimorado.

No STF, tramita uma ação que discute o dever de revelação dos árbitros, enquanto no Legislativo está em análise um projeto de lei voltado a reforçar a transparência e a imparcialidade na arbitragem.

Histórico

A história da arbitragem no Brasil reflete uma trajetória de superação de resistências iniciais e consolidação como um importante meio de resolução de controvérsias. Por muito tempo, o instituto enfrentou barreiras decorrentes da falta de tradição em seu uso e de entraves impostos pelos dispositivos legais.

De acordo com o professor Carlos Alberto Carmona, em sua obra “Arbitragem e Processo. Um comentário à lei 9.307/96”, desde o CC de 1916, passando pelo CPC de 1939, a arbitragem era tratada de forma limitada, com exigências burocráticas que dificultavam sua aplicação prática.

O CPC de 1973, ainda que considerado um marco jurídico, também não trouxe inovações substanciais nesse campo, exigindo, por exemplo, a homologação judicial dos laudos arbitrais pelo Judiciário tradicional. Isso resultava em atrasos e retirava algumas das principais vantagens da arbitragem, como a celeridade e a confidencialidade.

Na década de 1980, diante do aumento das críticas sobre a lentidão e a sobrecarga do Judiciário, surgiram as primeiras tentativas de modernização legislativa.

O primeiro anteprojeto de lei sobre arbitragem, publicado em 1981, buscava equiparar a cláusula arbitral ao compromisso arbitral e dispensar a necessidade de homologação judicial dos laudos.

Importante esclarecer que a cláusula arbitral é um pacto anterior à existência do conflito, já o compromisso arbitral surge tendo sido o conflito instaurado. No entanto, apesar das boas intenções, o texto do anteprojeto apresentava imprecisões técnicas e acabou sendo abandonado.

Tentativas subsequentes em 1986 e 1988 enfrentaram problemas semelhantes. O anteprojeto de 1988, por exemplo, propunha que laudos arbitrais estivessem sujeitos a recurso de apelação, o que contrariava a essência da arbitragem como um meio célere e final de resolução de conflitos.

A virada decisiva ocorreu com a Operação Arbiter, uma iniciativa liderada pelo Instituto Liberal de Pernambuco, em 1991. Esse movimento reuniu diversas entidades, como a Associação Comercial de São Paulo e a Fiesp, além de acadêmicos, advogados e representantes do setor jurídico, para discutir e elaborar um novo anteprojeto de lei.

Em 1996, o presidente da Comissão de Arbitragem da ACRJ, Cláudio Vianna de Lima, em artigo no Jornal do Commercio, elogiou a iniciativa da Operação Arbiter. Ele afirmou que o projeto colocou o instituto da arbitragem nos eixos corretos, e que o Brasil estava, até então, tratando a arbitragem como “se fosse a Gata Borralheira, sem acesso à Fada Madrinha”. 

 (Imagem: Jornal do Commercio)

Em artigo no “Jornal do Commercio”, Cláudio Vianna de Lima elogiou o projeto da lei de arbitragem.(Imagem: Jornal do Commercio)

O texto resultante foi amplamente debatido e refinado, sendo apresentado em seminários e recebendo contribuições de diversos setores da sociedade. Esse esforço resultou na criação da lei 9.307/96, que representou uma revolução na forma como a arbitragem era tratada no Brasil.

 (Imagem: O Estado de S. Paulo )

O Estado de S. Paulo noticiou a sanção da lei de arbitragem.(Imagem: O Estado de S. Paulo )

A Lei de Arbitragem trouxe inovações fundamentais. Ela conferiu maior eficácia à cláusula compromissória, permitindo que disputas fossem resolvidas diretamente por tribunais arbitrais sem a necessidade de compromisso arbitral posterior. Além disso, eliminou a exigência de homologação judicial para a execução de laudos arbitrais, preservando a confidencialidade e a celeridade do processo.

A nova legislação também incorporou práticas internacionais, alinhando-se à Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial da Uncitral e às convenções de Nova Iorque (1958) e do Panamá (1975), fortalecendo o papel da arbitragem internacional no país.

Em 1999, a CACB – Confederação das Associações Comerciais do Brasil assinou um convênio milionário com o BID – Banco Nacional de Desenvolvimento visando estimular a arbitragem e a mediação entre o setor privado nacional. A verba foi utilizada para divulgar a arbitragem e formar árbitros.

À época, o então presidente da Confederação, Joaquim Fonseca Júnior, afirmou que o convênio seria importante para criar a “cultura da arbitragem” no Brasil.

“[…] a criação de novas câmaras de arbitragem, ao contrário do que muitos pensam, ajuda a aperfeiçoar o Judiciário, na medida em que evita que muitas ações que podem ser resolvidas por intermédio do entendimento entre as partes chegue até lá”, afirmou.

 (Imagem: O Estado de S. Paulo )

Jornal “O Estado de S. Paulo” noticiou convênio entre CACB e BID que pretendia incentivar a arbitragem no Brasil.(Imagem: O Estado de S. Paulo )

Em entrevista ao Migalhas, o vice-presidente do CBMA – Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, Antônio César Siqueira, compartilhou sua avaliação a respeito do impacto da lei e os desafios enfrentados pelo instituto da arbitragem no país. 

Segundo ele, a lei enfrentou resistência inicial do Poder Judiciário, que via a arbitragem como uma “intromissão no próprio exercício da jurisdição estatal”. Esse cenário mudou com a decisão do STF, em 2001 (SE 5.206), que declarou a validade da lei, destacando que a arbitragem “é um método alternativo de solução de disputas absolutamente compatível com a Constituição”.

Desde então, o instituto cresceu exponencialmente, com o apoio do Judiciário reafirmando a autonomia da arbitragem e respeitando suas decisões.

Advogados começaram a incorporar cláusulas compromissórias em contratos comerciais e societários, e surgiram diversas câmaras de arbitragem, algumas de destaque internacional. A arbitragem passou a ser reconhecida como uma ferramenta complementar ao Poder Judiciário, adequada para lidar com disputas complexas e de alto valor econômico.

Antônio destacou que a arbitragem tem atraído crescente aceitação no Brasil devido a suas características, como celeridade, especialidade dos tribunais arbitrais e sigilo. “Hoje o Brasil é um dos países mais importantes no mundo com relação à arbitragem”, afirmou.

Um comparativo entre dados constantes da “Pesquisa Arbitragem em Números” de 2020/2021 e de 2021/2022 provam a informação.

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Em 2022, o número de arbitragens em andamento no país bateu recorde e atingiu a marca de 1.116 casos, um aumento de 6,6% em relação ao ano anterior, quando foram contabilizados 1.047 processos arbitrais. Em 2020, foram 996 casos e em 2019, 967. Ou seja, de 2019 a 2022 houve um aumento de aproximadamente 15%

 (Imagem: Arte Migalhas)

De 2019 a 2022, número de arbitragens em andamento no país subiu 15%.(Imagem: Arte Migalhas)

Vantagens da arbitragem

As câmaras de arbitragem podem ser privadas ou vinculadas a entidades públicas, oferecem processos mais rápidos, confidenciais e especializados, atraindo especialmente o setor empresarial.

Por meio da arbitragem, as partes em disputa escolhem árbitros imparciais para decidir o caso com força de sentença judicial, o que torna a decisão vinculativa e definitiva, sem possibilidade de recurso.

Entre os principais atrativos da arbitragem estão a confidencialidade, especialmente útil para empresas que lidam com informações sensíveis, e a flexibilidade, já que as partes podem escolher as regras e os árbitros que melhor atendem às suas necessidades.

De acordo com a “Pesquisa Arbitragem em Números” de 2021/2022 as áreas mais comuns de aplicação incluem conflitos societários, construção civil e energia e questões trabalhistas.

 (Imagem: Arte Migalhas)

Societário lidera o pódio de assuntos tratados em arbitragens em 2021 e 2022.(Imagem: Arte Migalhas)

O modelo também oferece vantagens significativas, como a celeridade, com processos que geralmente se resolvem em meses, e a especialização dos árbitros e mediadores, que possuem expertise nas áreas envolvidas.

Para Antonio Siqueira, a especialização dos árbitros e a celeridade, derivada da ausência de recursos, são os dois pontos que mais tornam a arbitragem vantajosa. 

“Os peritos que funcionam nos procedimentos arbitrais são peritos com expertise muito aprofundada naquela matéria em que ele é designado. Ao passo que no Poder Judiciário os peritos são mais ou menos generalistas também”, afirma.

No entanto, há desafios a serem superados, como os custos iniciais elevados, que podem ser proibitivos para pequenos negócios ou pessoas físicas. O vice-presidenta do CBMA considera que o alto custo da arbitragem é justificável e que a alternativa não deve ser estendida a muitas atividades.

“[…] o procedimento arbitral é mais caro que procedimento judicial. Mas por outro lado ele traz uma economia de tempo que nas relações comerciais é muito importante. Quer dizer, você ficar durante 10, 12 anos sem resolver uma questão que é crucial para o seu negócio praticamente pode inviabilizar a sua atividade. […] Eu acho que não é um instituto que deva ser popular, que deva ser estendido para muitas atividades.”

Segundo Antonio Siqueira, atualmente é necessário que se mantenha o foco em desenvolver uma arbitragem limpa, competente e equilibrada. 

Assista à entrevista:

Dever de revelação

Uma das etapas do processo da arbitragem é a escolha do árbitro que, a teor do art. 13 da lei de arbitragem, deve ter necessariamente a confiança das partes.

Segundo o próprio texto da lei, espera-se do árbitro a imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição. E, para que as partes possam avaliar se o indicado desfruta desses atributos, é necessário ter conhecimento de qualquer informação relevante para a avaliação acerca de sua imparcialidade e independência.

Daí decorre o famoso “dever de revelação” do árbitro, previsto no art. 14, § 1º da lei de arbitragem:

“Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil.

§ 1º As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência.”

Em 2023, o partido União Brasil acionou o STF para que sejam estabelecidos critérios objetivos na aplicação da lei de arbitragem, especialmente quanto à imparcialidade e independência dos árbitros.

Desde a promulgação da lei, em 1996, o próprio sistema arbitral tem buscado autorregular lacunas deixadas pelo texto legal. Mecanismos foram criados para afastar ou recusar árbitros que não garantissem um mínimo de imparcialidade e independência, reforçando que a escolha de um árbitro por uma das partes não o torna representante exclusivo dessa parte.

Como resposta a essa preocupação, a Lei de Arbitragem instituiu o dever de revelação, um instrumento essencial para assegurar transparência e equidade nos procedimentos arbitrais. Esse dever exige que o árbitro informe qualquer fato que possa comprometer sua imparcialidade.

No entanto, segundo o União Brasil, esse mecanismo tem sido flexibilizado. O partido aponta que árbitros frequentemente omitem informações relevantes, criando uma “perigosa promiscuidade” entre suas funções e o papel de advogados das partes envolvidas.

Diante desses questionamentos, a legenda defende que cabe ao STF estabelecer parâmetros constitucionais claros para reforçar a integridade do sistema. A ADPF foi distribuída ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso.

A complexidade e a recorrência desses problemas indicam a necessidade de o Supremo se debruçar sobre o tema, garantindo mais segurança e credibilidade à arbitragem no Brasil.

No legislativo

Em 2021 foi apresentado na Câmara o PL 3.293, de iniciativa da deputada Margarete Coelho, que visa alterar a prática da arbitragem no Brasil. 

O texto altera a lei de arbitragem para “disciplinar a atuação do árbitro, aprimorar o dever de revelação, estabelecer a divulgação das informações após o encerramento do procedimento arbitral e a publicidade das ações anulatórias”, entre outras providências.

Entre as mudanças propostas, destaca-se a restrição ao número de arbitragens simultâneas para um máximo de dez por árbitro, além da proibição de tribunais arbitrais compostos por membros idênticos, parcial ou integralmente.

Também propõe que o árbitro informe previamente e durante o processo o número de arbitragens em que atua, bem como qualquer situação que possa levantar dúvidas sobre sua imparcialidade ou independência.

Outra inovação é a vedação de que integrantes da secretaria ou diretoria executiva de câmaras arbitrais atuem como árbitros ou representantes em procedimentos administrados por essas instituições, prevenindo potenciais conflitos de interesse.

O projeto também reforça a transparência no sistema arbitral, determinando que a composição do tribunal e o valor envolvido na controvérsia sejam divulgados no site da instituição, bem como a publicação integral da sentença arbitral ao final do processo, com exceções confidenciais solicitadas pelas partes.

Em relação às demandas anulatórias de sentenças arbitrais, estabelece que elas respeitem o princípio da publicidade e sejam propostas no prazo de 90 dias.

Atualmente, o texto aguarda parecer do relator na CCJC – Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados.

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