TST se consolida corte de precedentes: Análise da resolução 224/24   Migalhas
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TST se consolida corte de precedentes: Análise da resolução 224/24 – Migalhas

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No contexto de modernização do Poder Judiciário brasileiro, o TST adota medidas para consolidar sua atuação como corte de precedentes. A edição da resolução 224/24, que entrará em vigor em 24/2/25, representa um marco nesse processo. O texto altera a IN 40/16, estabelecendo mudanças significativas no processamento dos recursos de revista no âmbito trabalhista, especialmente em casos fundamentados em precedentes qualificados, como IRR – Incidentes de Recursos Repetitivos, IRDR – Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas e IAC – Incidentes de Assunção de Competência1.

A principal inovação da resolução é a substituição do agravo de instrumento pelo agravo interno em situações em que a decisão recorrida esteja respaldada em precedentes obrigatórios. Essa medida reflete uma tendência de harmonização das normas do processo trabalhista às disposições do CPC/15, promovendo maior eficiência processual e segurança jurídica2. Ademais, a resolução disciplina a interposição simultânea de recursos em casos de capítulos distintos no recurso de revista, garantindo racionalidade ao sistema recursal.

A implementação das novas regras foi prorrogada para 90 dias após a sua publicação (anteriormente seria 30 dias), atendendo a solicitações dos TRTs e considerando a necessidade de ajustes no sistema de PJe – Processo Judicial Eletrônico3. Tal extensão evidencia o compromisso do TST em assegurar uma transição eficiente e a compatibilidade dos novos procedimentos com a infraestrutura tecnológica disponível.

Ao longo deste artigo, serão analisadas as principais inovações introduzidas pela resolução 224/24, incluindo a substituição do agravo de instrumento pelo agravo interno e a possibilidade de interposição simultânea de recursos em capítulos distintos do recurso de revista. Também será discutido o impacto dessas mudanças, com destaque para a (esperada) redução do volume processual no TST, a promoção da eficiência e a uniformidade jurisprudencial. Por fim, será avaliada a relevância da fundamentação exauriente e o papel dos precedentes obrigatórios na consolidação do TST como guardião da segurança jurídica e da previsibilidade no sistema processual trabalhista brasileiro.

A resolução 224/24

A resolução 224/24 promove mudanças importantes no sistema recursal da Justiça do Trabalho, ajustando-o a parâmetros já consolidados pelo CPC de 2015. Dentre as alterações trazidas, destaca-se a redefinição das hipóteses de cabimento do agravo interno e do agravo de instrumento em casos de inadmissibilidade de recursos de revista fundamentados em precedentes qualificados4.

Uma das mudanças mais relevantes é a substituição do agravo de instrumento pelo agravo interno nos casos em que o recurso de revista tenha sido inadmitido com base em decisões consolidadas em precedentes obrigatórios, como os resultantes de IRDR – Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas, IRR – Incidentes de Recursos Repetitivos e IAC – Incidentes de Assunção de Competência5. Essa alteração busca racionalizar o trâmite processual, evitando a interposição de agravos de instrumento em situações já pacificadas, promovendo maior eficiência e uniformidade jurisprudencial. O que se quer é que a discussão, em tais hipótese, fique sob a égide dos Tribunais Regionais, evitando-se a subida do feito ao TST.

Outra inovação está relacionada à possibilidade de interposição simultânea de recursos nos casos em que o recurso de revista contenha capítulos distintos. Nessa situação, quando uma parte do recurso tratar de matéria pacificada em precedentes e outra não, o advogado poderá interpor agravo interno e agravo de instrumento de forma concomitante. O agravo de instrumento, no entanto, será processado somente após o julgamento do agravo interno pelo TRT6. Tal medida reforça a lógica de priorização do julgamento das matérias com respaldo em precedentes, alinhando-se ao princípio da celeridade processual7.

A resolução também avança na exigência de fundamentação exauriente nas decisões judiciais. O art. 489, §1º, do CPC estabelece que as decisões judiciais devem enfrentar de forma detalhada todos os argumentos relevantes apresentados pelas partes, justificando a aplicação ou afastamento de precedentes vinculantes8. Cláudio Brandão observa que essa regra não constitui novidade, mas representa um aperfeiçoamento necessário para garantir a legitimidade e a racionalidade das decisões no processo do trabalho.

Indo além, o normativo reforça o papel do TST como guardião do sistema de precedentes, consolidando a obrigatoriedade da aplicação uniforme de teses jurídicas firmadas em IRR, IRDR e IAC. Esse movimento acompanha uma tendência doutrinária destacada por Marinoni, que ressalta a importância dos precedentes como instrumentos de segurança jurídica e previsibilidade no ordenamento jurídico brasileiro9.

O texto, portanto, não apenas aprimora o sistema recursal, mas também eleva o grau de comprometimento do processo do trabalho com a uniformidade e a estabilidade jurisprudencial, elementos essenciais para a confiança no Poder Judiciário.

Impactos

A resolução 224/24 traz impactos significativos para o sistema recursal trabalhista e suscita reflexões no campo doutrinário. Sua implementação deve transformar a dinâmica dos processos no TST, tanto na redução da litigiosidade quanto na qualificação das decisões judiciais.

Do ponto de vista prático, o relatório geral da Justiça do Trabalho de 2023 evidencia que os AIRR – agravos de instrumento em recurso de revista representaram cerca de 60% dos processos novos no TST até novembro daquele ano10. A substituição do AIRR pelo agravo interno, em casos fundamentados em precedentes obrigatórios, tende a reduzir expressivamente o volume de recursos analisados, otimizando o tempo de tramitação e permitindo maior concentração de esforços em demandas complexas e não pacificadas11.

Adicionalmente, o reforço da fundamentação exauriente nas decisões judiciais é um elemento central da resolução. O art. 489, §1º, do CPC, aplicado ao processo do trabalho, exige que os magistrados expliquem detalhadamente as razões pelas quais um precedente é aplicável ou inaplicável ao caso concreto12. Essa exigência eleva o nível técnico das decisões, ao mesmo tempo em que promove maior segurança jurídica, uma vez que decisões genéricas ou superficiais poderão ser consideradas nulas.

No campo doutrinário, Cláudio Brandão aponta que a aplicação da fundamentação analítica no processo do trabalho fortalece o contraditório efetivo e evita decisões “surpresas”, alinhando-se aos princípios constitucionais de motivação e transparência13. Essa perspectiva é compartilhada por Marinoni, que ressalta a função dos precedentes como instrumentos indispensáveis para a previsibilidade das decisões judiciais e para o respeito às legítimas expectativas dos jurisdicionados14.

Por outro lado, Wenner Melo, em outro trabalho, destaca que a adoção do sistema de precedentes no Brasil enfrenta desafios culturais e institucionais. Ele argumenta que, diferentemente do common law, onde os precedentes possuem caráter persuasivo, o sistema brasileiro tende a impor sua obrigatoriedade de forma normativa, sem considerar as peculiaridades do civil law e as resistências do voluntarismo judicial15. Essa abordagem pode comprometer a eficácia do sistema, caso os magistrados e advogados não se adaptem ao modelo de precedentes obrigatórios.

Outro impacto relevante está na prática forense. A interposição simultânea de agravo interno e agravo de instrumento em capítulos distintos do recurso de revista exigirá dos advogados maior atenção à estrutura e ao conteúdo de suas peças, especialmente quanto à vinculação com precedentes obrigatórios. Essa mudança também deverá incentivar uma advocacia mais técnica e estrategicamente alinhada à jurisprudência consolidada16, lembrando que, na forma da resolução.

Em síntese, a resolução 224/24 configura um avanço institucional ao consolidar o TST como corte de precedentes, promovendo eficiência e uniformidade no sistema recursal. No entanto, sua efetividade dependerá da adaptação cultural e técnica de todos os atores processuais envolvidos.

Considerações finais

A resolução 224/24 reforça o papel do TST como corte de precedentes no sistema jurídico brasileiro. Ao adaptar o processo do trabalho às disposições do CPC/15, busca-se eficiência, uniformidade nas decisões e previsibilidade na aplicação do direito.

As mudanças introduzidas, como a substituição do agravo de instrumento pelo agravo interno em decisões fundamentadas em precedentes obrigatórios, demonstram o compromisso do TST em racionalizar o fluxo processual e priorizar a análise de matérias relevantes. Esse movimento não apenas reduz a litigiosidade, como também incentiva uma maior observância aos precedentes, reforçando o princípio da segurança jurídica.

Contudo, os desafios para a implementação das novas regras não devem ser subestimados. Do ponto de vista prático, a transição para o novo modelo exigirá adaptações operacionais nos sistemas de tramitação processual, como o PJe, e uma mudança cultural por parte dos magistrados e advogados. Wenner Melo, em “Quando o precedente convence”, destaca que o êxito do sistema de precedentes no Brasil depende de sua aceitação como uma ferramenta de persuasão e não (apenas) de sua imposição normativa. Essa reflexão é especialmente relevante em um sistema jurídico de tradição civil law, tal qual o brasileiro.

Adicionalmente, a exigência de fundamentação exauriente nas decisões judiciais, prevista no art. 489, §1º, do CPC, amplia a responsabilidade dos magistrados na elaboração de decisões claras, detalhadas e tecnicamente justificadas. Como observado, esse aperfeiçoamento promove o contraditório efetivo e reduz a ocorrência de decisões genéricas ou “surpresa”, fortalecendo a legitimidade do processo decisório.

Por fim, os impactos positivos da Resolução 224/2024 refletem uma evolução institucional do TST e da Justiça do Trabalho como um todo. A consolidação do TST como guardião da estabilidade jurisprudencial, papel de uma Corte Superior, fortalece a confiança no Poder Judiciário e contribui para o aprimoramento do sistema de justiça trabalhista no Brasil.

___________

1 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Resolução nº 224, de 25 de novembro de 2024. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Brasília, DF, 27 nov. 2024.

2 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Notícias do TST: Regras que alteram procedimentos sobre admissibilidade de recurso de revista entram em vigor em fevereiro. Brasília, DF, 14 jan. 2025. Disponível em: https://tst.jus.br. Acesso em: 14 jan. 2025.

4 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Ato TST.GP nº 8, de 9 de janeiro de 2025. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Brasília, DF, 14 jan. 2025. Disponível em: https://tst.jus.br. Acesso em: 14 jan. 2025.

5 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Resolução nº 224, de 25 de novembro de 2024. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Brasília, DF, 27 nov. 2024.

6 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Notícias do TST: Regras que alteram procedimentos sobre admissibilidade de recurso de revista entram em vigor em fevereiro. Brasília, DF, 14 jan. 2025. Disponível em: https://tst.jus.br. Acesso em: 14 jan. 2025.

8 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Ato TST.GP nº 8, de 9 de janeiro de 2025. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Brasília, DF, 14 jan. 2025. Disponível em: https://tst.jus.br. Acesso em: 14 jan. 2025.

9 BRASIL. Código de Processo Civil (2015). Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 14 jan. 2025.

10 BRANDÃO, Cláudio. Fundamentação exauriente ou analítica: aplicação ao processo do trabalho. In: PRITSCH, Cesar Zucatti et al. Precedentes no Processo do Trabalho: Teoria Geral e Aspectos Controvertidos. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

11 MARINONI, Luiz. Precedentes obrigatórios. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2022. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/precedentes-obrigatorios-ed-2022/1672935887. Acesso em: 14 set. 2024.

12 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Relatório Geral da Justiça do Trabalho 2023. Brasília: Secretaria de Pesquisa Judiciária e Ciência de Dados, 2023. Disponível em: https://tst.jus.br. Acesso em: 15 jan. 2025.

13 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Resolução nº 224, de 25 de novembro de 2024. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Brasília, DF, 27 nov. 2024.

14 BRASIL. Código de Processo Civil (2015). Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 14 jan. 2025.

15 BRANDÃO, Cláudio. Fundamentação exauriente ou analítica: aplicação ao processo do trabalho. In: PRITSCH, Cesar Zucatti et al. Precedentes no Processo do Trabalho: Teoria Geral e Aspectos Controvertidos. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

16 MARINONI, Luiz. Precedentes obrigatórios. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2022. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/precedentes-obrigatorios-ed-2022/1672935887. Acesso em: 14 set. 2024

17 MELO, Wenner. Quando o precedente convence. Londrina: Editora Toth, 2024. No prelo.

18 PRITSCH, Cesar Zucatti et al. Precedentes no Processo do Trabalho: Teoria Geral e Aspectos Controvertidos. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

Wenner Melo

Wenner Melo

Advogado. Publicista. Mestrando em Direito. Ex-Procurador-Geral do Município. Graduadoem Comércio Exterior. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional (ABDPC)

Sigifroi Moreno

Sigifroi Moreno

Advogado. Especialista em Direito Processual pela UFSC. Presidente da OAB-PI 2010/2012. Conselheiro Federal da OAB 2013/2015 e 2025/2027.

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