Apostas na Justiça: Veja casos de loterias que chegaram ao STJ e STF   Migalhas
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Apostas na Justiça: Veja casos de loterias que chegaram ao STJ e STF – Migalhas

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O famoso general romano Júlio César, em 49 a.C., ao cruzar o rio Rubicão com seu exército e desafiar o Senado, marcou a história com a frase “alea jacta est”. Hoje, a expressão é um símbolo perfeito para quem se arrisca no mundo das apostas, especialmente na modalidade mais popular e legalizada do Brasil: a loteria.

Fazer “uma fézinha” na loteria é um hábito enraizado na cultura brasileira, que segue firme mesmo diante da ascensão das bets recentemente legalizadas. Afinal, o fervor do apostador de loteria não esmorece tão fácil, e o sonho de mudar de vida com um bilhete premiado permanece vivo.

Mas, em muitos casos, a sorte que enche o coração de esperança pode dar lugar à frustração de uma batalha judicial. O prêmio, tão esperado, acaba ficando cada vez mais distante.

Na última semana, por exemplo, noticiamos a disputa de um motorista de kombi de Pernambuco, que reivindica na Justiça metade dos R$ 103 milhões da Mega Sena, prêmio conquistado por sua ex-noiva em 2020.

Na época, o casal estava noivo e vivia junto, o que originou a disputa sobre a divisão do montante. Em dezembro de 2023, a Justiça determinou o bloqueio de parte do prêmio até que o caso seja resolvido. Por enquanto, o impasse continua.

Nesta segunda-feira, outro caso chamou a atenção no noticiário: uma funcionária de lotérica confessou ter furtado um bilhete premiado de R$ 34 mil. 

Com o tema em evidência, questões sobre prêmios de loteria têm gerado jurisprudência tanto no STJ quanto no STF.

Enquanto algumas decisões já foram tomadas, outras ainda aguardam análise, mostrando que, assim como nos jogos de azar, o futuro dessas histórias segue imprevisível.

Trabalho, trabalho, sorte à parte  

Em 2012, a 3ª turma do STJ decidiu pela divisão de R$ 27 milhões da Mega Sena entre um empresário e seu ex-empregado. O trabalhador afirmou ter contribuído com R$ 1,50 e escolhido os números da aposta vencedora, mas o empresário sacou o valor sem o repartir.  

O relator, ministro Massami Uyeda, atualmente aposentado, reconheceu que o bilhete de loteria é um título ao portador, mas que a titularidade do prêmio pode ser questionada judicialmente.

Assim, manteve a decisão que dividiu o prêmio igualmente entre as partes.

Em prêmio de marido e mulher…

A 4ª turma do STJ decidiu que o prêmio de loteria de R$ 28,7 milhões conquistado por uma viúva enquanto seu marido ainda estava vivo, deve ser incluído na partilha da herança como patrimônio comum do casal. A decisão se aplica mesmo que o casamento tenha ocorrido sob o regime de separação obrigatória de bens.

O entendimento reformou decisões das instâncias inferiores e atendeu ao recurso dos filhos do falecido, que pleiteavam participação no valor.

Segundo o relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, prêmios de loteria são considerados bens adquiridos por fato eventual e integram o patrimônio comum do casal, independentemente de contribuição individual, conforme o art. 271, II, do CC de 1916, e o art. 1.660, II, do CC de 2002.

O casal havia convivido em união estável por 20 anos sob o regime de comunhão parcial de bens, formalizando o casamento em 2002, sob separação obrigatória devido à idade do marido, como prevê o art. 258, parágrafo único, II, do CC de 1916.

O ministro destacou que a formalização do casamento após longa união estável não deveria tornar o regime patrimonial mais restritivo, já que o casal não expressou desejo de alterar as regras vigentes.

Ele também criticou a obrigatoriedade da separação de bens para idosos, norma criada para evitar casamentos por interesse financeiro, mas que limita a autonomia privada. O STF já decidiu que essa regra pode ser afastada por acordo entre as partes.

O processo tramitou em segredo de Justiça.

Acertou, mas faltou jogar

Em 2010, 40 moradores de Novo Hamburgo/RS participaram de um bolão na lotérica Esquina da Sorte e acertaram os números da Mega Sena, mas descobriram que o jogo não havia sido registrado na CEF, resultando na perda do prêmio de R$ 53 milhões. Cada participante pagou R$ 11 pela cota, que lhes renderia cerca de R$ 1,33 milhão, e recorreram à Justiça.

Na esfera penal, o TRF da 4ª região absolveu o dono da lotérica e condenou a funcionária por estelionato, atribuindo a ela o desvio dos valores.

No âmbito cível, 14 apostadores processaram a lotérica e a CEF, pedindo R$ 2,66 milhões em indenizações, mas o mesmo TRF manteve o entendimento de que o bolão não é reconhecido pela Caixa e que a responsabilidade da CEF não se aplicava a atos ilícitos da lotérica fora da delegação.

O caso chegou ao STJ, onde a ministra Assusete Magalhães, atualmente aposentada, negou inicialmente o recurso especial, alegando falta de enfrentamento de questões fundamentais e a necessidade de reexame de provas.

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Porém, em 2017, após agravo interno, a 2ª turma do STJ reconheceu a relevância do debate sobre a aplicação do CDC e a responsabilidade da CEF, pautando o julgamento para 2022, que foi adiado e permanece sem data definida.

Concurso 171, literalmente

Em 2023, o STF confirmou decisão que afastou a responsabilidade da CEF em caso envolvendo aposta não registrada por uma casa lotérica credenciada.

O episódio remonta a 1999, quando um casal afirmou ter participado de um bolão da Mega Sena, referente ao concurso 171, no qual os números escolhidos foram sorteados, resultando em um prêmio de R$ 675.356,57.

No entanto, a casa lotérica responsável não efetivou a aposta, impedindo que o valor fosse resgatado.

O casal alegou que a Caixa deveria ser responsabilizada objetivamente pelo ato da lotérica, argumentando com base no art. 37, § 6º, da CF, que prevê a responsabilização de pessoas jurídicas de direito público pelos danos causados por seus agentes.

O tribunal de origem entendeu pela inexistência “de nexo de causalidade entre a conduta da funcionária da casa lotérica, que deixou de efetuar a aposta, e a instituição bancária”.

Segundo o acórdão, o dever de fiscalização da Caixa foi continuamente exercido, não havendo elementos para caracterizar culpa. Assim, a responsabilidade pelo evento foi atribuída exclusivamente à casa lotérica.

Ainda segundo o tribunal, os danos materiais e morais foram reconhecidos e atribuídos à lotérica, que foi condenada a indenizar os autores em R$ 25 mil por danos morais e pelo valor correspondente a meia cota da aposta.

O entendimento considerou que “a real expectativa pelo recebimento de um prêmio que nunca chegou a se consumar, por negligência do funcionário de casa lotérica, é algo juridicamente palpável”.

No STF, ao analisar o recurso, a ministra Rosa Weber destacou que para se revisar o entendimento do tribunal de origem seria necessário reexaminar os fatos do caso, o que é vedado pela súmula 279 do STF. “As razões do agravo não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada”, concluiu a ministra ao negar o provimento do recurso.

Regulamentação

No Brasil, as casas lotéricas são regulamentadas pelo governo Federal e funcionam como extensões do sistema bancário e centros de apostas.

A CF de 1988 definiu regras claras sobre a exploração de loterias no país. O art. 22, XX, estabelece que compete exclusivamente à União legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios, incluindo a regulamentação de loterias.

O decreto-lei 204/1967 reforça essa regulamentação ao centralizar a exploração das loterias na União. Ele também permite que estados operem loterias em seus territórios, desde que respeitem condições específicas. Além disso, atribui à CEF a responsabilidade direta pela exploração das loterias Federais.

A CEF estabelece normas e supervisiona o funcionamento desses estabelecimentos, regulando aspectos como os critérios de concessão de permissões para operar uma lotérica, os tipos de serviços oferecidos e as práticas de segurança.

As lotéricas têm um contrato de permissão, o que significa que, embora operem como empresas privadas, estão sujeitas a normas públicas que garantem a qualidade do serviço e a proteção ao consumidor.

A concessão dessas permissões é realizada por meio de licitações, com base em critérios de viabilidade econômica, localização e demanda da população.

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