Nelson Rodrigues e a liberdade de expressão   Migalhas
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Nelson Rodrigues e a liberdade de expressão – Migalhas

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O maior cronista de costumes do Brasil se dizia reacionário por reagir a tudo o que não presta.

Apoiou abertamente o regime de 64, mas nunca pregou contra a liberdade de expressão.

“A liberdade é mais importante que o pão,” disse ele.

Conheceu, por Nelsinho, seu filho, as consequências de divergir do governo. Por isso, quando Caetano foi preso, saiu em sua defesa. Não poderia admitir que alguém fosse preso porque cantava.

Difícil saber como Nelson Rodrigues descreveria a liberdade de expressão na atualidade – até porque, para ele, toda coerência era, no mínimo, suspeita -, mas algumas de suas célebres frases talvez digam algo.

Nelson dizia que os idiotas tomariam conta do mundo – muito antes de Umberto Eco dizer que “a internet deu voz a uma legião de imbecis” -, “não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos.”

Para ele, o maior acontecimento do século (passado) foi “a ascensão espantosa e fulminante do idiota.”

“Criou-se uma situação realmente trágica: – ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina,” escreveu Nelson.

Nelson apresentou os vieses cognitivos impulsionados pelas paixões: “podem me dizer que os fatos provam o contrário, que eu vos respondo: pior para os fatos.”

Amar, para ele, era “dar razão a quem não tem,” até porque “qualquer um de nós já amou, já odiou errado.”

Já a paixão política, para Nelson, era a “única paixão sem grandeza.”

Disse ele: “como são parecidos os radicais da esquerda e da direita. Dirá alguém que as intenções são dessemelhantes. Não. Mil vezes não. Um canalha é exatamente igual a outro canalha.”

A propósito, é de Nelson a seguinte frase: “no Brasil, quem não é canalha na véspera, é canalha no dia seguinte.”

Sem estrangeirismos para se referir à mentira, Nelson pediu: “mintam, mintam por misericórdia. A vida sem ela seria um tédio.”

Nelson desconfiava dos veementes: “o sujeito que esbraveja está a um milímetro do erro e da obtusidade.”

Além disso, acreditava que a vaia era mais nobre que a apoteose, porque os admiradores corrompem.

Comparando a sociedade rodrigueana com sociedade da internet, aquilo que se via pelo buraco da fechadura, hoje se enxerga com lupa, mas a essência é a mesma.

Divergência, estultice, insatisfação, crítica – inclusive aos integrantes dos poderes constitucionais -, mentira, idiotice, sarcasmo, opinião, erro, incoerência, veemência, descrédito e falsa percepção da realidade, são condições, estados, manifestações ou expressões, individuais ou coletivas, da sociedade – rodrigueana ou da internet. Devem ser controlados pela própria sociedade, que não pode ser tutelada como se fosse incapaz, reservando-se à via judicial apenas as ilicitudes.

Nelson talvez comparasse a liberdade de expressão de hoje ao gravatinha, personagem fantasma criado por ele para proteger o Fluminense. Houve um tempo em que o gravatinha andava sumido, mas quando alguém o via num jogo, de terno e gravata borboleta, era sinal de vitória.

Numa democracia constitucional, marcada pelo pluralismo de ideias, não se admite tomar a regra pela exceção, para controlar o que se fala ou quem fala, pois, como disse Nelson, “toda unanimidade é burra.”

Rodrigo da Cunha Lima Freire

Rodrigo da Cunha Lima Freire

Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP, Professor de Direito Processual Civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Advogado e Parecerista. youtube e Instagram @ProfRodrigoDaCunha

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