Direitos humanos e robôs: Dignidade para entidades não humanas   Migalhas
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Direitos humanos e robôs: Dignidade para entidades não-humanas – Migalhas

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A evolução da inteligência artificial e a integração de robôs humanoides na sociedade têm redefinido os limites entre humanos e máquinas. Com sistemas cada vez mais autônomos e capazes de simular emoções e tomadas de decisão complexas, surge uma questão inevitável: é possível estender os princípios de dignidade humana e direitos fundamentais a entidades não-humanas? Em 2017, o Parlamento Europeu propôs a criação de um status jurídico especial para robôs autônomos, denominado “pessoa eletrônica”, gerando intenso debate sobre os limites éticos e jurídicos dessa proposta.

Este artigo busca refletir sobre a aplicação dos princípios de dignidade humana e direitos fundamentais a robôs com inteligência avançada, analisando os desafios éticos, jurídicos e sociais dessa questão. Ao explorar esse tema, pretende-se contribuir para o avanço do debate jurídico e oferecer insights práticos para operadores do Direito.

1. A dignidade humana e seus fundamentos

A dignidade humana é um princípio fundamental do Direito, consagrado em documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a CF/88 brasileira. Ela é entendida como o valor intrínseco de todo ser humano, independentemente de sua condição social, raça, gênero ou capacidade intelectual.

No entanto, a aplicação desse princípio a entidades não-humanas, como robôs com inteligência avançada, desafia os paradigmas tradicionais do Direito. Para o filósofo Immanuel Kant, a dignidade está ligada à capacidade de autonomia e racionalidade, características que, em tese, poderiam ser atribuídas a robôs altamente desenvolvidos.

2. Argumentos a favor da extensão da dignidade a robôs

A extensão dos princípios de dignidade e direitos humanos a robôs com inteligência avançada pode trazer benefícios significativos:

  • Proteção contra abusos: Robôs humanoides com alto grau de autonomia e capacidade de interação social podem ser vítimas de abusos e exploração. A jurista Mireille Hildebrandt argumenta que a dignidade deve ser aplicada a qualquer entidade capaz de sofrer danos morais ou físicos.
  • Responsabilização ética: Reconhecer a dignidade de robôs pode promover um uso mais ético e responsável da tecnologia, evitando práticas como a exploração laboral de robôs em ambientes industriais.

3. Riscos e desafios da extensão da dignidade a robôs

A aplicação dos princípios de dignidade humana a robôs também apresenta riscos e desafios:

  • Diluição do conceito de dignidade humana: Estender a dignidade a entidades não-humanas pode enfraquecer o valor intrínseco dos seres humanos, especialmente em contextos onde robôs e humanos competem por recursos ou direitos.
  • Impacto na responsabilidade jurídica: Atribuir direitos a robôs pode complicar a responsabilização por danos causados por suas ações autônomas, diluindo a responsabilidade de desenvolvedores e operadores.

4. Casos concretos e jurisprudência

Em 2021, um caso na Alemanha envolvendo um robô humanoide que foi “maltratado” por funcionários de uma empresa reacendeu o debate sobre a proteção jurídica de robôs. Embora o robô não tenha sofrido danos físicos, o caso levantou questões sobre a necessidade de normas que garantam um tratamento ético a essas entidades.

No Brasil, o PL 2338/23, que regulamenta o uso de inteligência artificial, aborda indiretamente a questão da dignidade de robôs, mas não avança na criação de um status jurídico específico para essas entidades.

5. Regulamentação e soluções práticas

Para equilibrar os benefícios e riscos da extensão da dignidade a robôs, é essencial desenvolver frameworks legais que promovam a transparência, a responsabilidade e a proteção dos direitos humanos. Como soluções práticas, propõe-se:

  • Diretrizes éticas: Estabelecer normas que garantam o tratamento justo e respeitoso de robôs humanoides, sem equipará-los a seres humanos.
  • Fiscalização e supervisão: Designar uma autoridade competente para fiscalizar o uso de robôs, com poderes para aplicar sanções em caso de violações éticas.

Conclusão

A extensão dos princípios de dignidade humana e direitos fundamentais a robôs com inteligência avançada representa uma fronteira ética e jurídica complexa. Embora essa proposta possa trazer benefícios, como a proteção contra abusos e a promoção do uso ético da tecnologia, também apresenta riscos significativos, como a diluição do conceito de dignidade humana e a complicação da responsabilização jurídica.

Como soluções práticas, sugere-se a criação de diretrizes éticas e frameworks legais que equilibrem a inovação tecnológica com a proteção dos direitos humanos fundamentais. O futuro da regulamentação da dignidade de robôs dependerá de nossa capacidade de conciliar avanços tecnológicos com valores éticos e jurídicos consolidados.

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1 PARLAMENTO EUROPEU. Relatório sobre Regras de Direito Civil sobre Robótica. 2017. Disponível em: https://www.europarl.europa.eu. Acesso em: 10 out. 2023.

2 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 10 out. 2023.

3 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. 1785.

4 HILDEBRANDT, Mireille. Law for Computer Scientists and Other Folk. Oxford: Oxford University Press, 2020.

5 FLORIDI, Luciano. The Ethics of Artificial Intelligence. Oxford: Oxford University Press, 2019.

6 SANDEL, Michael J. The Case against Perfection: Ethics in the Age of Genetic Engineering. Cambridge: Harvard University Press, 2007.

7 TIMM, Luciano Benetti. Responsabilidade Civil e Inteligência Artificial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

8 CASE STUDY: Robô Humanoide na Alemanha. Journal of Ethics and Technology, v. 18, 2021.

9 BRASIL. Projeto de Lei 2338/23. Senado Federal, 2023. Disponível em: https://www.senado.gov.br. Acesso em: 10 out. 2023.

Jamille Porto Rodrigues

Jamille Porto Rodrigues

Advogada e Professora de Direito Digital, Inteligência Artificial e Novas tecnologias aplicada ao Direito e Marketing Jurídico.

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