Na era da IA, o que ainda torna os humanos insubstituíveis?   Migalhas
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Na era da IA, o que ainda torna os humanos insubstituíveis? – Migalhas

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Milhares de notícias hoje já nos lembram o quanto a tecnologia está avançada e o espaço que tem conquistado em diversas áreas. Muitas vezes, essas inovações são retratadas como adversárias, capazes de substituir funções humanas e ocupar postos de trabalho. Entretanto, no setor jurídico, por exemplo, a IA – inteligência artificial não vem para tomar o lugar dos advogados, juízes e gestores, mas para atuar de forma colaborativa.

O Brasil tem acompanhado esse movimento de perto. Segundo um levantamento recente, o país está entre os 20 com maior volume de pesquisas científicas em inteligência artificial, registrando 6.304 publicações entre 2019 e 2023. 

Isso demonstra um interesse crescente na interseção entre inovação e Direito, reforçando a necessidade de uma abordagem equilibrada: ao invés de temer a IA, os profissionais do setor devem compreendê-la, dominá-la e integrá-la de forma estratégica ao seu trabalho.

O Brasil na liderança do uso de IA

Segundo uma pesquisa inédita da consultoria global Oliver Wyman, 57% da população do país afirmou já ter usado plataformas inteligentes, um percentual superior ao de nações como Espanha, França, Austrália e até mesmo os Estados Unidos.

Esse dado revela a rápida aceitação da tecnologia no território nacional e também um comportamento curioso: enquanto muitos países ainda analisam os impactos da IA com cautela, por aqui essa inovação já está incorporada ao dia a dia, seja para tarefas simples ou as mais intrincadas.

O estudo, que entrevistou 18 mil pessoas em oito países, mostrou que o Brasil lidera essa tendência, seguido por Espanha (46%), França (43%), Itália (42%) e Austrália e Alemanha (ambas com 37%). O levantamento considerou um recorte diverso da população local, com 3 mil entrevistados entre 18 e 65 anos ou mais, e rendas que variam de R$1 mil a mais de R$20 mil.

Essa ampla faixa etária e socioeconômica demonstra que a adoção desse sistema não se restringe a um grupo específico, mas está se tornando acessível a diferentes camadas da sociedade.

Mas o que explica essa liderança do Brasil no uso da inteligência artificial? Uma das razões pode estar na cultura de adaptação e experimentação do cidadão, que historicamente se mostrou receptivo a modernidades. O país também possui um ecossistema digital em expansão, impulsionado por startups, fintechs e empresas de tecnologia que popularizam soluções disruptivas, tornando-as mais presentes no dia a dia da população.

O futuro da advocacia com inteligência artificial

Nessa crescente adoção dos sistemas inteligentes no Brasil, algumas áreas se destacam pelo seu uso mais intenso. De acordo com informações recentes, impressionantes 83% dos trabalhadores da área de tecnologia já usaram a inovação, e 46% deste grupo afirmam empregá-la tanto na vida pessoal quanto profissional.

Na área de mídia e entretenimento, os números também são expressivos: 81% já usufruem do sistema inteligente, e 42% combinam o seu uso em ambas as esferas da vida. Esses relatórios mostram que, para esses setores, a computação cognitiva não é mais uma inovação distante, mas sim uma realidade incorporada ao dia a dia, moldando rotinas e ampliando possibilidades.

Enquanto isso, a advocacia também tem se beneficiado da IA. Um dos principais avanços é o potencial de avaliar dados em grande escala, como jurisprudências e decisões anteriores. O tempo hábil é um fator determinante que impulsiona a utilização desse sistema, e positivamente coloca os escritórios à frente, permitindo mapear padrões de decisões e visualizar os possíveis desfechos dos processos.

Além disso, a automação de funções, como revisão de contratos, monitoramento de prazos judiciais e organização de documentos, tem transformado a atuação dos advogados. Isso porque eles podem delegar certas atividades operacionais que consomem muito tempo para a inteligência artificial, focando em análise crítica, construção de argumentação e atendimento personalizado aos clientes.

Outro avanço para a indústria é o emprego de chatbots especializados, que conseguem atender aos consumidores desde o primeiro contato, esclarecendo dúvidas sobre prazos, direitos e etapas administrativas. Embora não dispensem totalmente o atendimento, essas ferramentas são capazes de colaborar com o serviço dos juristas, facilitando a triagem de casos e otimizando o tempo nos escritórios.

Até mesmo escritórios menores já estão implementando softwares de gestão jurídica, que combinam IA, automação, CRM e diversas funcionalidades para garantir um fluxo de trabalho mais eficiente, transparente e estratégico. Essas ferramentas eliminam gargalos administrativos e fortalecem a organização interna.

No entanto, é importante lembrar que nenhum recurso digital pode ocupar o lugar da moralidade, o julgamento crítico e a interpretação legal. Ou seja, diante dessas inovações, é indispensável encontrar um equilíbrio entre tecnologia e humanização. A utilização ideal da computação cognitiva deve aprimorar a atuação judicial, e não substituí-la. A decisão final, por exemplo, deve sempre ser de um profissional qualificado. O que se espera é que essa integração traga resultados inovadores, tornando o campo normativo mais eficiente e acessível.

Como evitar injustiças na automação jurídica

Contar com a inteligência artificial para auxiliar em julgamentos complexos pode ser um grande suporte para o advogado, mas também representa um desafio. Se, por um lado, a IA promete otimizar fluxos e ampliar o acesso à justiça, por outro, levanta questões éticas fundamentais: quem responde pelos erros dos algoritmos? Como evitar vieses? Como garantir transparência e responsabilidade?

Isso porque a grande questão está tanto na programação dessas tecnologias quanto na forma como são incorporadas ao processo decisório. Afinal, algoritmos não possuem consciência, intuição ou moralidade – eles apenas replicam padrões com base nos dados que recebem. Ou seja, se forem treinados com informações enviesadas, podem perpetuar desigualdades, reforçar discriminações e até comprometer prerrogativas fundamentais.

Por isso, o emprego da computação cognitiva deve estar pautado em diretrizes que garantam a supervisão especializada, estabelecendo limites claros para que ela atue como ferramenta de apoio, e não como substituta da experiência e do olhar humano. Para que uma determinação baseada em IA seja confiável, deve-se compreender os critérios utilizados pelo sistema, garantindo que juristas, juízes e cidadãos possam questionar e revisar seus resultados.

Além disso, qualquer decisão automatizada deve passar por uma revisão criteriosa. Apenas um profissional com conhecimento legal pode interpretar corretamente o contexto e explicar os resultados. Apesar de sua capacidade analítica, os sistemas inteligentes não estão isentos de erros, e cabe à cognição humana verificar possíveis falhas para evitar prejuízos decorrentes do seu uso.

O que a tecnologia não pode substituir no Direito?

No Brasil, a regulação do uso da tecnologia no meio digital já conta com bases estruturadas no marco civil da internet, que estabelece princípios como liberdade de expressão, proteção da privacidade e responsabilidade na prestação de serviços online. No entanto, a ascensão da IA impõe desafios que vão além da regulação da internet, exigindo um olhar atento para ética, transparência e governança dos algoritmos.

Se por um lado a computação cognitiva pode agilizar a pesquisa de jurisprudência, automatizar a criação de documentos e até prever desfechos judiciais, por outro, há questões que nenhum modelo digital pode replicar, como empatia, julgamento moral, criatividade na argumentação e personalização de estratégias para casos complexos. Afinal, o Direito não é apenas um sistema baseado em regras rígidas, mas um campo onde a compreensão, o contexto e a sensibilidade são determinantes para a aplicação da justiça.

Isso significa que os advogados não são somente usuários do digital, mas os principais mediadores entre o avanço e a integridade dos princípios jurídicos. Um dos maiores riscos é o viés algorítmico, pois esses sistemas são treinados a partir de registros históricos e podem reproduzir padrões discriminatórios se não forem devidamente regulados. 

Nesse sentido, cabe aos juristas interpretar criticamente as escolhas sistematizadas e garantir que não comprometam bases fundamentais da justiça, assegurando equidade e imparcialidade.

Além disso, mesmo que essas ferramentas possam acelerar a análise de documentos e otimizar procedimentos, nenhuma delas pode substituir a empatia e a capacidade de adaptação dos advogados às particularidades de cada caso e cliente. A humanização no atendimento ainda é indispensável para construir confiança e oferecer soluções normativas mais eficazes. 

Outro ponto de atenção, é que o setor legal lida com dados altamente sensíveis, tornando indispensável que a automação esteja alinhada a normas de privacidade e proteção da informação. Garantir que essas tecnologias sejam utilizadas de maneira justa e segura não é apenas uma exigência regulatória, mas um compromisso com a confidencialidade e a honestidade dos processos.

A inteligência artificial como extensão das capacidades humanas

A inteligência artificial não é uma entidade completamente alheia a nós – afinal, fomos nós que a desenvolvemos para refletir nossas próprias capacidades. As redes neurais, por exemplo, foram projetadas com base na estrutura do cérebro.

No entanto, há uma ironia nesse processo: as mesmas habilidades cognitivas e a criatividade que permitiram a criação da computação cognitiva agora são justamente as áreas em que as máquinas estão começando a nos superar. E, como indicam os resultados desta pesquisa, essa realidade pode nos levar a valorizar ainda mais outras qualidades que vão além da análise lógica.

Se, por um lado, a tecnologia pode verificar dados em uma velocidade inimaginável e detectar padrões complexos, por outro, ela ainda não possui atributos essencialmente sociais, como a empatia, o julgamento moral e a intuição.

Dessa forma, fica claro que a inteligência artificial não deve ser vista como uma adversária, mas sim como uma aliada para potencializar e facilitar diversas funções, especialmente no setor jurídico. O futuro do Direito não está na substituição dos profissionais pela automação, mas sim na integração inteligente entre IA e habilidades humanas insubstituíveis.

Eduardo Koetz

Eduardo Koetz

Eduardo Koetz é advogado, sócio-fundador da Koetz Advocacia e CEO do software jurídico ADVBOX . Especialista em tecnologia e gestão, ele também se destaca como palestrante em eventos jurídicos.

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