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1 Introdução
O momento histórico no qual se vive coloca questões importantes que exigem atenção à sua complexidade e abertura para os mais amplos caminhos de reflexão possíveis. Todas as possibilidades já realizadas pela humanidade, especialmente as que alavancaram o progresso científico e tecnológico, não foram capazes de estabelecer a paz e a justiça. Nesse sentido, é sabido que nenhuma teoria conseguirá resolver todos os aspectos dos problemas de ordem ética, política e educacional. Mas a busca por novas maneiras de enfrentar essas questões poderá, ao menos, mostrar novas perspectivas que pareçam mais “razoáveis” para o enfrentamento de algumas questões essenciais da vida social de nossas comunidades humanas (Angoulvent, 2024).
Segundo Hobbes, é necessário que a educação do homem para paz seja iniciada por seus sentimentos (paixões). Ele sustenta que é preciso iniciar esse processo pelo nível no qual todos os homens sejam partícipes, a saber: o nível das paixões. Tome-se aqui o termo paixão como correlato de sentimentos presentes no ser humano tais como amor, ódio, cobiça, medo, esperança.
O principal objetivo deste trabalho de forma sumária e introdutória, demonstrar algumas das relações que o pensador estabelece com a educação e de que maneira esta se relaciona com sua teoria política e com seu momento histórico. A metodologia adotada será uma análise bibliográfica da literatura, com ênfase em livros e artigos mais atuais e relevantes sobre o tema abordado.
Dessa forma, o medo e a esperança são fundamentais, pois todos os seres humanos convivem pessoalmente com tais sentimentos (paixões), dados serem intrínsecos à natureza humana. Somente após esse processo de “sensibilização”, se assim se pode dizer, parte-se para o nível do uso da faculdade da razão, a qual dará a lei geral pela busca da paz (Hobsbawm, 2023).
2 Implicações para o campo da educação
Nesta seção, pretende-se inferir as contribuições de Hobbes (1651) para o campo da educação. No levantamento de obras realizado até o presente momento, não foram encontrados textos em que os autores abordem explicitamente políticas públicas para a educação, ou recomendações para a composição de um sistema ou método educativo. No entanto, como ambos abordam a composição política da sociedade, suas teorias podem auxiliar na compreensão da instituição de normas que regem a constituição e organização da educação. A partir dessa perspectiva, foram realizadas algumas aproximações entre suas teorias e o campo educacional (Limongi, 2022).
Tentando compreender quem é o homem a ser educado, Hobbes (1651) propõe que ele migre de um estado de natureza para um estado civil, ingressando dessa forma no mundo da política. Por meio de sua análise e argumentação, demonstra que as ações voluntárias do homem são determinadas por seus apetites e aversões e, ao renunciar seu poder para o Leviatã, recebe em troca a proteção. No capítulo XIII da obra Leviatã (1651), em que trata da condição natural da humanidade relativamente a sua felicidade e miséria, o autor afirma que todos os homens são dotados de iguais potencialidades, podendo pertencer a eles tudo aquilo que conseguirem conquistar por meio dessas potencialidades. Por outro lado, sendo iguais por natureza, podem se atacar, se desprezar, ou usar da violência para se tornarem senhores um do outro. Considerando o contexto e guerra em que vivia e sua proposta de contrato social em favor do Leviatã, podemos associar ao pensamento hobbesiano um modelo de educação que não visa à soberania e o ganho em cima do próximo, mas voltado para o alcance da harmonia e da paz, mesmo num contexto de ascensão da exploração capitalista (Limongi, 2022).
Cabe destacar que Hobbes (1588-1679) viveu em um cenário que não permitia o aguardo da bondade e, portanto, na visão do autor o homem deve ser guiado mais pela moral do que pela ética. O homem no estado de natureza é real e concreto, enquanto o homem regulado pelo estado artificial também é artificial. Assim, existe uma certa dualidade pois, apesar da instituição de um soberano, também é instituído o individualismo (Hobsbawm, 2023, p. 34).
Como ressalta Angoulvent (2024), haveria uma tensão entre preservar a liberdade vantajosa no estado de natureza e o medo da violência e da guerra que logicamente esse estado produz. Isso leva à renúncia do poder do indivíduo em favor de um soberano. Todavia, mesmo na Inglaterra, essa ideia não tomava forma, já que nem todos se achavam na condição de entregar o seu poder a um soberano que realizaria todo o necessário para manter a sociedade.
Para Hobbes (1651), os homens em estado de natureza se reúnem por conveniência, honra, ou proveito e entram em discórdia devido à competição, à desconfiança e à glória. Limongi (2022, p. 60) afirma que, para o autor, “o medo e a esperança movem a razão e essa sugere que leis e convenções possam guardar a todos em respeito recíproco”. Esse sujeito pode ser conduzido para a paz pelo Leviatã. Assim, há no ser humano interesse em formular leis para a paz, por meio da transferência de seus direitos individuais para o Leviatã, pois o direito à vida traz uma ligação entre o Leviatã e o povo.
Isso não quer dizer que essa educação será por coerção ou repressão, mas que a partir do momento que, por meio da sensibilidade (paixões) as pessoas perceberem que suas ações podem gerar morte e violência contra si próprios e contra outrem, o ímpeto de poder e de ‘progresso’ a qualquer custo será freado (Polin, 2020, p. 13).
Dessa forma, o homem pode mudar suas ações diante de certo desejo e, para isso, precisa ser educado para a paz e para a responsabilidade. Em consequência, a pessoa honrada é compreendida como aquela que mais incorporou o Leviatã numa sociedade civil que se constrói, mesmo na diferença, regulada pelo pacto. Considerando a contrariedade das opiniões e costumes dos homens em geral é, dizem, impossível manter uma amizade civil constante com todos aqueles com os quais os negócios do mundo nos obrigam a conviver, o que quase sempre consiste apenas numa perpétua luta por honras, riquezas e autoridade (Ribeiro, 2019, p. 226).
Em outro sentido, Angoulvent (2024) propõe que quando o soberano é representante do gênero humano, o Estado personaliza as vontades que acometem os indivíduos. Essas pessoas perante a lei tornam-se uma massa homogênea e abstrata, que não dá margem para a existência de diferentes formas de agrupamentos que podem se organizar numa sociedade civil e que, para o autor, vão além da empresa e da associação. Desta forma, a desigualdade é resultado do estranhamento entre as pessoas, ocasionada pelo Estado.
Assim, diferentes segmentos como grupos de vizinhos e redes de auxílio mútuo deveriam poder ser reconhecidos como sujeitos produtores de direito e autônomos em relação à ausência de lei do Estado (Polin, 2020). Essa revolução das representações políticas poderia diminuir a relação dispendiosa entre o público e o estatal. Além disso, poderia: “Favorecer a multiplicação destes autosserviços coletivos, ou serviços públicos pontuais e iniciativa local (Angoulvent, 2024, p. 84).”
A crítica do autor Monteiro (2023) se insere no sistema em que a satisfação das necessidades das pessoas mantém-se na bipolaridade entre o mercado e o Estado. Para ele, é dessa rigidez que surge o custo social exponencial da crise do Estado-providência. Por ser contra aquilo que chama de “individualismo radical”, conclui que reduzir a procura pelo Estado e produzir sociabilização são ações correlacionadas e defende o desenvolvimento de polos de solidariedade.
Tratando ainda do que se refere à educação, para além do que foi elaborado por Ribeiro (2019) faz uma análise das formas de relação do Estado com a educação que dialogam com as abordagens do autor. Em sua proposta, a concepção da educação no século XX está intrinsecamente ligada com a economia e o mundo do trabalho de duas formas. Na primeira, há a preocupação com estrutura ocupacional e a democratização social, correspondentes ao regime de acumulação fordista e do modelo de bem-estar social. Na segunda, há a compreensão de que o Estado tem como objetivo a criação de oportunidades de emprego e a retomada do crescimento econômico. Assim, a função da educação, regulada por esse Estado, é a de garantir a competitividade dos indivíduos que o compõem diante de um mercado mundializado e em constante crescimento.
A globalização, ou globalizações, como retoma Polin (2020, p.39), tornam-se presentes por meio de regimes de competitividade e de acumulação de capital, gerindo a partir dessa lógica novas formas de intervenção nas políticas sociais, entre elas, as de educação.
No terreno da educação (e das políticas sociais em geral) estas mudanças, que conformam uma agenda globalmente estruturada, traduzem-se quer por uma redefinição dos serviços educativos (e de bem-estar) e do papel do Estado na sua governação, quer pela emergência de novas configurações da participação da educação na regulação social.
É importante destacar que, para Ribeiro (2019), a lógica da redistribuição social e a busca da retomada do crescimento econômico não são estratégias suficientes para superação da crise no Estado-providência. Nesse sentido, há evidências sobre relações recíprocas entre renda e acesso a bens e serviços sociais. Assim, é constatado que a educação afeta a renda, e a renda afeta a educação, assim como políticas de transferências monetárias do Estado em educação afetam a desigualdade econômica. É perceptível que a efetivação de políticas públicas para diminuição da desigualdade se dá na medida em que mais parcelas da população têm acesso a uma educação de qualidade, e não apenas uma pequena camada com maior poder aquisitivo.
Diante desse cenário, compreendemos que Monteiro (2023, p.223) busca trazer uma redefinição através de um novo sentido do contrato social, de forma que o fortalecimento da solidariedade, por meio das pessoas, possa estabelecer um compromisso democrático ao contrato. Essa visão reconhece nas pessoas o potencial para viverem juntas em relações de igualdade. Os indivíduos não são compreendidos como meros consumidores, ou apenas força de trabalho, mas como seres solidários de apoio mútuo. Desta forma, a educação não poderia se limitar apenas ao preparo das pessoas para exercerem uma profissão no mundo do trabalho. A educação deveria dialogar pela diminuição das desigualdades, com essa rede de solidariedade em constante transformação:
A contradição entre riqueza e a cidadania não está apenas na desigualdade, mas nas formas de vida que tornam uma pessoa estrangeira a outra. Ou seja, o problema entre níveis muito diferentes de riqueza vai além do nível de vida entre duas pessoas. O grande perigo é quando se deixa de pertencer à mesma Humanidade. A ideia democrática não é formar simplesmente um regime, mas também uma sociedade em que podemos produzir um mundo comum.
A educação como um campo de estudo, reflexão e prática, passa por inconstâncias e incertezas. Devido a isso, buscamos nos aproximar de possíveis contribuições de Hobbes para sua compreensão. Analisando as propostas dos autores, entende-se que a educação hobbesiana forma uma sociedade que renuncia à guerra em razão do bem e da segurança de todos. A educação das paixões permitiria que os indivíduos vivessem em amizade, de maneira não conflituosa com aqueles tidos como diferentes. Nesse cenário, o objetivo para o indivíduo seria a incorporação do Leviatã e a aceitação de seu contrato pelo bem comum (Limongi, 2022).
Confira a íntegra do artigo.
Ricardo Nascimento Fernandes
Militar da Reserva, Professor Doutorando em Filosofia do Direito, Advogado Especialista em Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito da Pessoa com Deficiência e Concurso Público, Escritor e Palestrante.