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Conflitos entre sócios são inevitáveis no dia a dia de uma empresa. Eles podem surgir por diversos motivos: divergências sobre decisões estratégicas, insatisfação com a distribuição de lucros, dificuldades na entrada ou saída de sócios, ou ainda problemas de administração. Embora desafiadores, esses desentendimentos não precisam ser resolvidos no Judiciário, que é um caminho muitas vezes lento, caro e desgastante. Com boas práticas de prevenção e o uso de alternativas extrajudiciais, você pode lidar com essas situações de forma mais eficiente e preservar a saúde do seu negócio.
O primeiro passo para evitar conflitos é investir na construção de um contrato social bem elaborado. O contrato social é a base legal da sua sociedade e define todas as regras que orientam as operações da empresa. Ele deve ser detalhado, prevendo questões como distribuição de lucros, quóruns de deliberação, administração da sociedade, apuração de haveres e regras para entrada ou saída de sócios. Por exemplo, o contrato pode estabelecer que algumas decisões, como a admissão de novos sócios ou a venda de quotas, exijam aprovação unânime, enquanto outras, como a alteração de objetivos estratégicos, podem ser decididas por maioria simples. Ao prever cláusulas que abordam os potenciais pontos de conflito, o contrato social ajuda a prevenir desentendimentos antes mesmo que eles surjam.
Quando um sócio decide sair da sociedade, pode haver uma série de desdobramentos que geram tensão. Nesses casos, o direito de retirada, previsto no CC, é uma ferramenta essencial para equilibrar os interesses de quem sai e de quem permanece na empresa. Um sócio pode se retirar de uma sociedade de prazo indeterminado mediante notificação prévia de 60 dias. Se a sociedade tiver prazo determinado, ele precisará comprovar justa causa para a retirada. Após sua saída, o sócio retirante tem direito a receber a parte que lhe cabe, o que é calculado por meio de um processo chamado apuração de haveres. Essa apuração deve considerar o valor real da empresa (valuation), e o pagamento precisa ser feito com base no que o contrato social prevê, evitando assim desequilíbrios financeiros para o negócio.
Outro ponto crucial para a harmonia da sociedade é a forma como as decisões são tomadas. O direito ao voto permite que cada sócio participe das deliberações sobre o futuro da empresa. A regra geral é que as decisões são tomadas pela maioria do capital social, mas o contrato social pode estabelecer quóruns diferentes para questões específicas. É importante que os sócios usem seu voto de forma responsável e ética, sempre buscando o melhor interesse da sociedade. A lei brasileira também estabelece que um sócio não pode votar em situações de conflito de interesse, como decisões que tragam benefícios pessoais em detrimento da empresa. Além disso, mudanças recentes na legislação permitiram a criação de ações ou quotas com voto plural, que dão a alguns sócios maior peso nas deliberações. Essa medida pode ser útil para manter o controle da empresa em mãos estratégicas, mas deve ser aplicada com cuidado para evitar desigualdades excessivas.
Se o problema for relacionado à administração da sociedade, o contrato social e a legislação oferecem soluções claras. A administração deve ser exercida exclusivamente por pessoas naturais e pode ou não incluir os próprios sócios. Se o administrador cometer atos lesivos à sociedade, ele pode ser destituído, e os prejuízos causados serão de sua responsabilidade. A transparência na gestão é essencial para evitar desconfianças e conflitos. Isso inclui a obrigação de os administradores apresentarem balanços anuais e demonstrações financeiras detalhadas, conforme previsto no CC.
A distribuição de lucros também é uma questão sensível que pode gerar desavenças. A lei estabelece que os sócios só têm direito a lucros que foram efetivamente apurados no balanço e que estejam disponíveis. A realização de distribuições fictícias ou irregulares, além de ilegal, pode levar a responsabilidades solidárias entre os administradores e os sócios que as receberam. Por isso, o contrato social deve detalhar como será feita a distribuição de lucros, incluindo a periodicidade e as condições necessárias para sua realização.
Em casos de comportamentos inadequados ou falta grave por parte de um sócio, pode ser necessário recorrer à exclusão de sócios. Conforme o art. 1.030 do CC, um sócio pode ser excluído judicialmente se descumprir obrigações contratuais ou agir de forma incompatível com os objetivos da sociedade. Em casos mais graves, como falência de um sócio ou execução de suas quotas por credores, a exclusão pode ocorrer automaticamente, sem necessidade de decisão judicial.
Quando as tensões aumentam e os sócios não conseguem chegar a um consenso, métodos de resolução extrajudicial, como mediação e arbitragem, podem ser a melhor saída. A mediação é um processo colaborativo, conduzido por um mediador neutro, que ajuda os sócios a dialogarem e encontrarem uma solução que beneficie todas as partes. Já a arbitragem, regulamentada pela lei 9.307/96, permite que as partes submetam o conflito a um árbitro ou câmara arbitral, cuja decisão tem força de sentença judicial. Ambas as opções são mais rápidas e sigilosas do que um processo judicial, preservando tanto os interesses da empresa quanto a relação entre os sócios.
Por fim, práticas de governança corporativa podem prevenir muitos conflitos antes que eles surjam. A criação de conselhos ou comitês, a realização de reuniões periódicas para discutir o desempenho da empresa e a implementação de sistemas de auditoria são exemplos de medidas que promovem transparência e confiança entre os sócios.
Conflitos entre sócios podem ser inevitáveis, mas, com planejamento, um contrato social bem elaborado e o uso de métodos alternativos de resolução de disputas, é possível resolver esses problemas de forma inteligente e eficaz. Investir na prevenção e na resolução amigável dos conflitos não apenas protege o negócio, mas também preserva o relacionamento entre os sócios, garantindo um futuro mais seguro e sustentável para a empresa.
Kelly Viana
Advogada e CEO do KASV Advocacia Empresarial, escritório comprometido em desenvolver estratégias jurídicas inovadoras e seguras para potencializar o crescimento de negócios e reduzir riscos legais.