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Todos que assistiram o documentário sobre a Nike e seu contrato de sucesso com o Michael Jordan (Air: A História Por Trás do Logo), puderam perceber a visão, até então revolucionária, da mãe do astro: a de que produtos precisam ter uma “cara humanizada” uma “alma” (sic), para que possam ser objeto de maior valor. Isso, essa senhora (Deloris Jordan) percebeu já nos idos de 1980/90.
Agora, em pleno 2025, a ideia é completamente aceita e fruto de diversos estudos de marketing, psicologia comportamental e sociologia, naquilo que se pode chamar de “experiência do consumidor”1, “percepção de valor” ou “sociedade do consumo”2.
Inclusive, em tempos de sociedade de superexposição e da indústria do imaginário, essa é uma ideia central em marketing de produtos e serviços, como aponta:
O fato corriqueiro de que empregamos a palavra “imagem” como sinônimo de “reputação” dá bem a medida do nosso tempo. No linguajar dos escritórios de relações públicas e das agências de comunicação, de marketing ou de publicidade que atuam no ramo conhecido como “branding” (confecção e gestão de marcas comerciais ou institucionais), o substantivo “imagem” não quer dizer apenas “figura”, “fotografia”, “tela”, “escultura”, “aquarela”, “pintura”, “vídeo”, “filme”, “desenho”, “ilustração”, ou qualquer outra expressão visual: quer dizer principalmente “reputação”. De uma companhia bem avaliada pelo público, fala-se quem ela tem uma “imagem positiva”, mais ou menos como alguém “bem-visto” na comunidade é alguém que goza de prestígio na mesma comunidade3.
Porém, como eu disse no primeiro artigo que tratei desse assunto (acesse aqui), o direito vem sempre à reboque da sociedade, e esse é o ponto nevrálgico para tratarmos da figura (recém criada) do influenciador digital.
Afinal, percebendo esse movimento na forma de consumo, e agora tendo à sua disposição os mercados nichados (filter bubbles) – possíveis a partir do big-data e dos algoritmos4 -, as companhias têm visto que o marketing digital com indivíduos de semblantes e rotinas mais comuns dialogam melhor com a alteridade do público às celebridades, muitas vezes de distantes da realidade do público consumidor.
Todavia, essa modificação das mídias gerou uma celeuma, pois temos atualmente influenciadores digitais que, sob a batuta de compartilharem suas vidas e seu dia a dia, são verdadeiro centros de marketing e negócios, pois a partir deles – ou de suas imagens – se fazem negócios em escala de milhões.
Para o direito, todavia, estes (influenciadores) ainda são considerados como meras pessoas físicas, sem característica de “empresa”, a par de, muitas vezes, contratos e postagens realizadas a partir do perfil destes sequer pesarem pelos indivíduos titulares da conta, ficando terceirizados a prestadores de serviços e/ou funcionários, servindo aquela imagem como verdadeiro canal de marketing de estrutura empresarial.
Nesse sentido, a mídia recentemente tem divulgado alguns contratos destes influenciadores que chegam a milhares, ou até milhões, de reais5. Alguém tem alguma dúvida que há uma equipe por trás de um contrato desse jaez? Seria muita ingenuidade pensar(mos) em amadorismo com estes números.
Desse modo, o que percebemos é que o direito deve ver a realidade como ela é e, portanto, discutir um regime jurídico adequado a este novo modelo de negócio (influenciador digital), sob pena de se ver, sempre e sempre, mais do mesmo: um direito penal na zaga, chegando atrasado, com violência e, por vezes, em quem sequer está com a bola, pois às vezes o poder decisório passa muito longe do holofote.
Esse é o intuito da discussão, trazer um mínimo de segurança jurídica em uma atividade de contorno nitidamente empresarial e que evolve, ainda, a liberdade de expressão.
A questão é complexa e (por) isso deixamos para o próximo artigo…
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1 MURPHY, Lincoln; MEHTA, Nick; STEINMAN, Dan. Customer Success: como as empresas inovadoras descobriram que a melhor forma de aumentar a receita é garantir o sucesso dos clientes. Minas Gerais: Autentica Business. 2017.
2 BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
3 BUCCI, Eugênio. A superindutstria do imaginário: como o capital transformou o olhar em trabalho e se apropriou de tudo que é visível. Minas Gerais: Autêntica, 2021, p. 327.
4 FONTENELLE NETO, José Edilson da Cunha. Proteção de dados pessoais: uma leitura para além do direito à privacidade. Santa Catarina: EMais, 2020; e DOMINGOS, Pedro. A revolução do algoritmo mestre: Como a aprendizagem automática está mudando o mundo. Lisboa: Letras & Diálogos, 2017.
5 https://forbes.com.br/forbes-tech/2023/02/quanto-ganham-os-influenciadores-brasileiros/
José E. da C. Fontenelle Neto
Mestre em Ciência. Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, mestre em Direito da União Europeia pela Universidade do Minho – UMINHO/PT, especialista pós-graduado em direito penal e criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política. Criminal ICPC/UNINTER. Graduado em Direito pela Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. Professor de Direito Penal e de Direito Processual Penal na Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, subseção de Joinville. Presidente da Comissão de Assistência, Defesa e Prerrogativas da Subseção Judiciária de Joinville – Santa Catarina. Advogado.