Compras públicas e novas perspectivas para integridade corporativa   Migalhas
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Compras públicas e novas perspectivas para integridade corporativa – Migalhas

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A edição da nova lei de licitações (lei 14.133/21) trouxe uma série de inovações ao estabelecer a necessidade de estruturas e mecanismos de governança das contratações. Influenciou não apenas o setor público, mas também o setor privado, especialmente pela questão dos programas de integridade para pessoas jurídicas que figuram como licitantes ou contratadas.

Desde a última sexta-feira (7/2), está em vigor o decreto Federal 12.304/24, que detalhou os parâmetros e a avaliação dos programas de integridade nas aquisições de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto (acima de R$ 250.902.323,871), como critério de desempate de propostas no processo licitatório e também para reabilitação de pessoas jurídicas sancionadas por infrações previstas na lei 14.133/21.

Além das contratações no âmbito do governo Federal, o regulamento abrange as aquisições realizadas pela Administração Pública estadual, municipal e distrital com recursos oriundos de transferência voluntária da União.

Importante mencionar que, segundo dados do Sebrae2, as compras públicas movimentam de 10% a 15% do PIB – Produto Interno Bruto brasileiro, o que corresponde a cerca de R$ 500 bilhões por ano. Impacta fortemente a economia nacional, com a geração de emprego, renda e arrecadação de tributos Federais, estaduais e municipais.

Para entender a importância da proteção da integridade das contratações para efetividade das políticas públicas, que muitas vezes se concretizam por meio dos serviços e obras planejadas para atender aos interesses da sociedade, é preciso compreender os riscos envolvidos no relacionamento com terceiros, como fraude, solicitação e pagamento de vantagens indevidas e conflito de interesses, por exemplo.

Conforme um estudo da Stanford Law School3, as ações ou omissões relacionadas a parceiros de negócios são o principal risco de compliance. A pesquisa identificou que cerca de 90% dos casos investigados pelo United States DOJ – Department of Justice e pela SEC – Securities and Exchange Commission envolvem a participação de terceiros em esquemas de suborno.

Logo, além dos controles internos que a Administração Pública deve manter para tratar dos riscos relacionados a desvios de conduta, passa-se a ter agora um incentivo e/ou obrigação legal às pessoas jurídicas que disputam certames, são contratadas ou pretendem voltar a negociar com o setor público após período de impedimento por sanções a elas aplicadas.

Nesse contexto dos programas de integridade é oportuno destacar o paradigma da autorregulação regulada, na qual o Estado transfere às organizações privadas o dever de controlar a conduta de seus colaboradores/parceiros/fornecedores e adotar as medidas necessárias para assegurar um ambiente corporativo permeado pela ética e honestidade.

Trata-se, na definição memorável do criminalista espanhol Adán Nieto Martín4, da “privatização da luta contra corrupção”. Temos, então, de um lado, o Estado com suas estruturas e mecanismos próprios de proteção e promoção à integridade e, do outro, as pessoas jurídicas, que devem seguir as diretrizes estabelecidas pela Administração Pública para programas de integridade, considerando o porte, complexidade e, principalmente, os riscos identificados em cada organização.

Tem sido comum, inclusive, a utilização das expressões “integridade pública” e “integridade privada” ao tratar das nuances entre os respectivos setores. Entretanto, as principais exposições a riscos críticos de integridade, como suborno e conflito interesses, são potencializadas exatamente nas interações entre o público e privado, não havendo como construir medidas efetivas de prevenção, detecção e remediação sem o envolvimento de ambos na construção de uma cultura que promova a ética e a transparência nas relações comerciais.

Avaliação de programas de integridade

A lei Federal 12.846/13, conhecida como lei anticorrupção, é considerada um marco para os programas de integridade no país. Ao introduzir a responsabilização objetiva de pessoas jurídicas que incidem em atos lesivos à Administração Pública, a norma possibilitou a redução de multa na hipótese de existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta.

O compliance anticorrupção tem sido adotado, inclusive, como cláusula obrigatória em acordos de leniência firmados pela CGU – Controladoria Geral da União, órgão também responsável pelo monitoramento de empresas lenientes, especialmente a avaliação dos mecanismos de integridade em implementação ou aperfeiçoamento, conforme acordado.

Agora, no universo das contratações e com critérios específicos, também competirá a CGU analisá-los ou reconhecer a avaliação feita por outro órgão ou entidade Federal, estadual, distrital ou municipal, desde que sigam os parâmetros e metodologia do órgão central de controle interno da União.

Em evolução com as tendências globais, além de prevenir, detectar e sanar desvios, fraudes e irregularidades, as medidas adotadas pelas empresas licitantes ou contratadas devem mitigar os riscos sociais e ambientais decorrentes das atividades da organização, de modo a zelar pela proteção dos direitos humanos e fomentar e manter uma cultura de integridade.

A visão sobre integridade no ambiente das compras públicas segue, portanto, diretrizes em harmonia com a Agenda 2030, que é um plano de ação para o desenvolvimento sustentável, criado em 2015 pela ONU – Organização das Nações Unidas para construção de um mundo mais justo e próspero, tratando de temas como desigualdade, degradação ambiental e corrupção, por exemplo.

A expectativa é que a CGU, com a vasta experiência de mais de 10 anos da lei anticorrupção, possa realizar avaliações que reconheçam boas práticas de governança e integridade e que não tolerem sistemas de compliance de “fachada”. Assim, com padrões elevados, as organizações terão um incentivo ainda maior para que trilhem caminhos corretos e transmitam confiança e credibilidade à sociedade.

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1 Valor atualizado pelo Decreto Federal nº 12.343/2024.

2 Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Compras Públicas: um bom negócio para a sua empresa. Disponível em:< https://www.gov.br/compras/pt-br/fornecedor/midia/compras-pblicas.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2025.

3 STANFORD LOW SCHOOL. Third-Party Intermediaries Disclosed in FCPA-Related Enforcement Actions. Disponível em: . Acesso em: 05 fev. 2025.   

4 NIETO MARTÍN, Adan. La privatización de la lucha contra la corrupción. In: Revista Penal México, n.4, 2013. 

Rodrigo Morais de Amorim

Rodrigo Morais de Amorim

Advogado e Auditor Interno na Controladoria Geral do Estado de Mato Grosso, com experiência em Governança, Riscos e Compliance. Também é instrutor da Escola Nacional de Administração Pública (Enap).

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