Repercussão geral no STF: Conceito, aplicação e impactos no Judiciário   Migalhas
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Repercussão geral no STF: Conceito, aplicação e impactos no Judiciário – Migalhas

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A repercussão geral é um dos mais importantes filtros recursais do STF, criado para racionalizar o julgamento de recursos extraordinários e evitar que a Corte seja sobrecarregada com demandas repetitivas ou de interesse restrito.

O instituto foi introduzido pela EC 45/04, que promoveu a reforma do Judiciário, e regulamentado pela lei 11.418/06. Em 2006, a emenda regimental 19 do Supremo alterou o seu RISTF – Regimento Interno disciplinando o instituto no âmbito do STF.

A matéria é disciplinada, ainda, pelos arts. 1.035 a 1.041 do CPC (lei 13.105/15).

A repercussão geral é um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, que garante que apenas questões constitucionais relevantes, com impacto social, político, econômico ou jurídico significativo, sejam analisadas pela Corte (art. 322, parágrafo único, RISTF e 1.035, §1ª, CPC).

A repercussão geral é, portanto, uma forma de evitar que o STF funcione como uma instância revisora de casos individuais sem relevância maior para a coletividade.

Além da referida relevância, a doutrina aponta como requisito da repercussão geral a transcendência, isto é, a questão debatida deve extrapolar a esfera individual das partes, podendo impactar um grupo maior de pessoas.

Definir o que se entende por relevância econômica, política, social ou jurídica de uma determinada questão não é uma tarefa fácil, afinal, estamos diante de conceitos jurídicos vagos e imprecisos.

Contudo, a doutrina nos fornece importantes elementos para que seja possível compreender o sentido contido nessas expressões1. 

Com efeito, para que um recurso extraordinário tenha repercussão geral reconhecida é necessário, por exemplo, que:

  • A questão debatida no recurso tenha relevância para a sociedade: O recorrente deve demonstrar que a matéria extrapola os interesses das partes envolvidas e possui impacto amplo.
  • Haja potencial efeito multiplicador: A matéria sobre a qual versa o recurso deve dizer respeito a questões recorrentes em diversos processos judiciais e que, portanto, possam gerar decisões contraditórias entre tribunais.
  • A decisão atacada tenha reflexos jurídicos: Haverá repercussão geral quando a decisão atacada contrariar matéria já decidida pelo STF, por exemplo, sua jurisprudência dominante ou matéria sumulada.
  • O tema tenha importância constitucional: O recurso deve tratar de uma controvérsia de interpretação da CF/88.
  • A repercussão geral do caso deve ser demonstrada no momento da interposição do recurso extraordinário (art. 1.035, §2º, CPC) e, mesmo nos casos em que ela não seja devidamente apresentada pela parte recorrente, o tribunal poderá reconhecê-la quando entender cabível o julgamento do recurso.

    A deliberação acerca da existência ou não da repercussão geral ocorrerá de forma eletrônica, em votação pelo plenário virtual do STF. O relator submete a questão aos demais ministros, que terão 6 dias úteis para se manifestar a respeito (arts. 323 e 324, RISTF).

    A inadmissibilidade do recurso extraordinário apenas se dá pelo reconhecimento de dois terços dos membros da Corte, no sentido de que não há, no caso concreto, repercussão geral. Isso significa que, caso não seja atingido o número suficiente para a rejeição da repercussão geral, ela será considerada presente (art. 102, §3º, CF).

    Com o reconhecimento da repercussão geral, o STF julga o mérito da questão e fixa um precedente vinculante para os tribunais e juízes de todo o país, ou seja, as instâncias inferiores devem aplicar a decisão do STF em casos idênticos, conferindo segurança jurídica e evitando a judicialização excessiva de temas já decididos.

    Benefícios da repercussão geral:

    São várias as benesses proporcionadas pelo instituto da repercussão geral ao sistema Judiciário brasileiro. Por exemplo: (i) a redução da sobrecarga do STF, que passa a poder se concentrar em temas de grande impacto social; (ii) maior segurança jurídica, ocasionada pela uniformidade na interpretação da CF; (iii) economia processual, oriunda da redução de processos repetitivos e uniformização de jurisprudência, o que melhora a eficiência do sistema judiciário como um todo.

    Exemplos de temas com repercussão geral reconhecida:

    Para ilustrar o que foi dito, destacamos alguns temas com repercussão geral reconhecida pelo STF:

    Tema 261 – Cobrança de taxa de ocupação do solo e do espaço aéreo por poste de transmissão de energia elétrica.

    Tema 793 – Responsabilidade solidária dos entes federados pelo dever de prestar assistência à saúde.

    Tema 1.140 – Abrangência da imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, a, da CF/88) quando presente a prestação de serviço público essencial por sociedade de economia mista, ainda que mediante cobrança de tarifa dos usuários.

    Tema 1.323 – Exigência de delegação estatal para exploração de loterias por agentes privados, sem prévia licitação.

    Tema 1.199 – Definição de eventual irretroatividade das disposições da lei 14.230/21, em especial, em relação: (i) necessidade de presença do elemento subjetivo – dolo – para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no art. 10 da LIA; e (ii) a aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente.

    Conclusão:

    O reconhecimento da repercussão geral e a consequente vinculação da decisão impactam diretamente empresas, órgãos públicos, cidadãos e toda a sociedade, uma vez que evitam a multiplicação de litígios e conferem maior previsibilidade ao direito.

    Em síntese, a repercussão geral representa um importante avanço na sistemática recursal brasileira, tornando o STF uma Corte de precedentes, voltada para questões constitucionais de grande relevância.

    Com esse mecanismo, garante-se a eficiência da prestação jurisdicional, a racionalização do acesso ao Supremo e a padronização das decisões judiciais, contribuindo para a estabilidade do ordenamento jurídico.

    ____________

    1 GOMES JUNIOR, Luiz Manoel. A Repercussão Geral da Questão Constitucional no Recurso Extraordinário – EC 45. In: NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (Coordenadores). Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis e Assuntos Afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. Págs. 284 a 286.

    Edgard Hermelino Leite Junior

    Edgard Hermelino Leite Junior

    Sócio do escritório Edgard Leite Advogados Associados.

    Edgard Leite Advogados Associados Edgard Leite Advogados Associados

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