Equilíbrio entre IA e segurança jurídica no Direito   Migalhas
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Equilíbrio entre IA e segurança jurídica no Direito – Migalhas

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Escritórios e empresas, sejam grandes ou pequenos, estão cada vez mais entusiasmados com a perspectiva de utilizar a inteligência artificial em suas operações. Uma pesquisa da Thomson Reuters indica que 72% dos escritórios globais já adotam IA para análise documental, evidenciando uma aceitação crescente dessa tecnologia no setor jurídico.

Outro dado relevante vem da McKinsey, uma das principais consultorias globais em gestão e estratégia. Seu estudo aponta um crescimento de 40% nos investimentos em legaltech em 2023, demonstrando que a inovação no campo legal está avançando rapidamente.

No entanto, será que todos eles realmente compreendem os desafios e riscos envolvidos, especialmente no que diz respeito à segurança e privacidade de dados? Afinal, a implementação da computação cognitiva exige mais do que somente entusiasmo. Questões éticas e regulatórias precisam ser tratadas com seriedade, garantindo que o uso da IA na advocacia seja não apenas eficiente, mas também responsável e confiável.

Como a inteligência artificial está sendo regulamentada?

É notável o avanço da inteligência artificial no mundo. Mas, enquanto empresas correm para implementá-la e legaltechs recebem investimentos recordes, uma questão vem à tona: quem está regulando essa revolução?

A União Europeia saiu na frente com o AI Act, a primeira grande legislação global para normatizar o uso da IA. O objetivo? Criar um equilíbrio entre inovação e segurança. A norma classifica os sistemas inteligentes por nível de ameaça e impõe regras rigorosas para aqueles considerados de alto risco, como os utilizados em resoluções judiciais, recrutamento e concessão de crédito. Organizações que não cumprirem as exigências podem enfrentar multas de até 7% do faturamento global, um impacto financeiro significativo.

Já no Brasil, a normatização ainda está em construção, mas o PL 2338/23 propõe diretrizes específicas para o emprego da computação cognitiva no país. O texto segue uma linha semelhante à europeia, trazendo normas para alguns modelos mais vulneráveis, especialmente aqueles que influenciam diretamente a vida das pessoas em áreas sensíveis – incluindo saúde, segurança pública e o âmbito judicial.

Como equilibrar ética e eficiência no uso da IA?

A inteligência artificial tem mostrado seu valor na advocacia, oferecendo diversas funcionalidades que elevam a serviço por meio de soluções inovadoras e automação de processos. No entanto, com isso surge um questionamento essencial: como equilibrar ética e eficiência?

Quais são os benefícios da inteligência artificial na advocacia?

De fato, a inteligência artificial traz inúmeros benefícios para a prática do Direito, entre eles a capacidade de transformar dados em informações estratégicas, agilizando processos que antes exigiam longas horas de trabalho manual.

Um dos efeitos dessa transformação é a redução drástica do tempo gasto com tarefas burocráticas. Isso ocorre porque softwares jurídicos assumem atividades como a triagem de documentos, a revisão de contratos e até a elaboração de pareceres preliminares. Com menos tempo desperdiçado em funções repetitivas, os profissionais do Direito ganham mais espaço para o pensamento crítico e a argumentação.

Além disso, a precisão na análise de jurisprudência tornou-se uma das maiores vantagens da IA. Enquanto um advogado precisaria revisar centenas de casos para identificar padrões e tendências, um algoritmo consegue realizar essa avaliação em minutos, reduzindo erros humanos e fornecendo mais contexto para as decisões. 

Como resultado, melhora-se a qualidade das defesas legais e também a defesa do cliente, que passa a contar com um embasamento ainda mais sólido para sua reivindicação.

Outro ponto que tem sido amplamente reconhecido como vantagem é a democratização do acesso à justiça. As ferramentas auxiliam cidadãos que, de outra forma, não teriam condições financeiras para contratar juristas especializados.

Atualmente, sistemas automatizados já conseguem responder dúvidas normativas, preencher petições simples e guiar usuários por processos administrativos, certificando que mais pessoas possam reivindicar suas prerrogativas sem a necessidade de um alto investimento. Essa acessibilidade tem um impacto positivo na redução da desigualdade no acesso ao Judiciário.

Quais são os desafios éticos do uso da IA no Direito?

O outro lado da inteligência artificial é a preocupação com seus limites éticos. Questões como responsabilidade, falta de transparência e o viés algorítmico são pontos críticos, especialmente quando falhas nos sistemas afetam diretamente a vida de pessoas reais.

A IA aprende com dados do passado, e, se eles refletem desigualdades históricas, há um risco real de que a tecnologia reforce práticas injustas ao invés de corrigi-las. Ferramentas que auxiliam na análise de concessão de crédito, na seleção de candidatos para vagas de emprego ou até mesmo na determinação de penas judiciais já demonstraram ter preconceitos embutidos.

Na área legal, essa realidade se torna ainda mais sensível, pois julgamentos baseados exclusivamente em padrões estatísticos podem comprometer prerrogativas fundamentais e perpetuar injustiças em vez de assegurar equidade.

Outro grande desafio é a transparência, ou melhor, a falta dela. Muitos sistemas inteligentes funcionam de maneira opaca e pouco compreensível, a ponto de nem mesmo seus desenvolvedores conseguirem explicar com clareza como e por que um algoritmo chegou a determinada conclusão. 

No Direito, onde a fundamentação das sentenças é indispensável, essa opacidade se torna um problema. Se um advogado não entende os critérios que levaram a um parecer jurídico gerado por IA, ele pode confiar plenamente nessa tecnologia?

Além disso, há a questão da accountability, ou seja, da responsabilidade sobre eventuais erros. Ainda é uma incógnita se um julgamento equivocado seria culpa de quem utilizou a ferramenta ou da empresa desenvolvedora. Esse problema se agrava pelo fato de ainda não haver uma legislação que ofereça respostas claras para esses questionamentos. 

Como tornar o uso da IA mais seguro no setor jurídico?

Conforme a inteligência artificial ganha mais espaço na advocacia, cresce a necessidade de estabelecer um equilíbrio entre desempenho e ética. Afinal, de que adianta otimizar processos e acelerar análises se, no caminho, comprometermos princípios fundamentais da justiça?

O primeiro passo para esse controle é reconhecer que essa tecnologia deve ser uma aliada, e não uma substituta do julgamento humano. Ela pode de fato agilizar diversos processos, mas a conclusão final deve sempre passar pelo crivo de um profissional do Direito, que entende nuances e especificidades que um algoritmo, por mais avançado que seja, não consegue interpretar com total precisão.

Além disso, a clareza nos procedimentos de veredito da IA precisa ser um requisito obrigatório. Ou seja, escritórios e empresas que utilizam soluções baseadas em inteligência artificial devem ter clareza sobre como e por que determinada recomendação foi feita. Isso significa optar por ferramentas que permitam auditoria e interpretação, evitando o perigo de confiar cegamente em um sistema “misterioso” em que ninguém compreende os critérios que levaram a uma conclusão.

Para mitigar o risco de que a computação cognitiva perpetue desigualdades históricas, é importante que os bancos de dados utilizados no treinamento dos modelos sejam constantemente revisados, certificando que não reforcem padrões discriminatórios.

Além disso, a supervisão humana deve estar presente em todas as etapas críticas da análise, garantindo que o uso da tecnologia contribua para maior equidade no acesso à justiça, e não para a exclusão de grupos vulneráveis.

Como garantir o uso responsável da inteligência artificial no setor jurídico?

A inovação só faz sentido quando vem acompanhada de responsabilidade. Por isso, o uso de softwares que sejam confiáveis podem fazer a diferença na aplicação da inteligência artificial no setor jurídico.

Mais do que nunca, bancas e especialistas do Direito precisam avaliar cuidadosamente as soluções que utilizam, validando que estejam alinhadas às diretrizes que estão sendo debatidas globalmente.

A transparência nas etapas decisórias, o compromisso sobre erros algorítmicos e a eliminação de vieses são dificuldades que não devem ser ignoradas. A computação cognitiva tem o potencial de democratizar o acesso à justiça, otimizar fluxos de trabalho e fortalecer argumentações legais, mas somente se for utilizada de forma consciente e criteriosa.

O equilíbrio entre eficiência e ética será um dos grandes desafios dos próximos anos. Escritórios e profissionais que souberem integrar a tecnologia sem abrir mão da honestidade e da segurança não estarão apenas se modernizando, mas também construindo um Direito mais acessível, justo e funcional.

Eduardo Koetz

Eduardo Koetz

Eduardo Koetz é advogado, sócio-fundador da Koetz Advocacia e CEO do software jurídico ADVBOX . Especialista em tecnologia e gestão, ele também se destaca como palestrante em eventos jurídicos.

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