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1. Introdução
No contexto processual civil brasileiro, a discussão acerca da prescrição e dos seus efeitos na dinâmica dos processos judiciais permanece central para a tutela dos direitos das partes. Em especial, a ação de produção antecipada de provas tem se revelado um instrumento de extrema importância para a preservação dos interesses do jurisdicionado, uma vez que, ao ser ajuizada, interrompe o curso da prescrição civil, fazendo com que o prazo prescricional somente volte a correr a partir do encerramento do processo principal.
Essa temática ganha especial relevância nos debates doutrinários e jurisprudenciais, sobretudo à luz do art. 202, I, do CC, cuja redação e aplicação têm sido objeto de análise minuciosa por parte dos tribunais superiores, como o STJ.
2. O conceito e a importância da prescrição cível no ordenamento jurídico
A prescrição cível pode ser compreendida como um instituto jurídico que impõe limites temporais à pretensão do titular do direito de exigir judicialmente a reparação ou a satisfação de um direito violado. Sua função precípua é dar segurança jurídica, impedindo a eternização de litígios e garantindo a estabilidade das relações sociais e contratuais. Dessa forma, a prescrição atua como um mecanismo que equilibra a necessidade de proteção dos direitos individuais com o princípio da razoabilidade, evitando que a demora ou a inércia do titular prejudique negativamente a parte contrária.
No âmbito processual, essa limitação temporal torna-se imprescindível para o ordenamento da atividade jurisdicional, pois visa reduzir a insegurança e a indefinição que podem advir do prolongamento indefinido de demandas judiciais. Assim, o legislador brasileiro estruturou os prazos prescricionais de forma a incentivar a celeridade processual e, simultaneamente, a evitar que o Estado seja desafiado por demandas de caráter anacrônico.
A prescrição reveste-se de natureza jurídica complexa, uma vez que se trata de uma condição que afeta o direito de ação. Ela pode ser analisada tanto do ponto de vista subjetivo, no que diz respeito ao titular do direito, quanto do ponto de vista do instituto do processo, na medida em que impõe um termo final ao debate judicial. Nesse sentido, a prescrição não extingue o direito material propriamente dito, mas sim a possibilidade de exercê-lo pela via judicial.
A compreensão dessa natureza dual – preventiva e extintiva do direito de ação -, essencial para a interpretação dos dispositivos legais, fundamenta a análise dos mecanismos de interrupção discorridos no art. 202 do CC.
3. O ajuizamento da ação de produção antecipada de provas e o seu efeito interrupção
O art. 202, inciso I do CC assim dispõe:
“Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á: I – por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual”
Uma vez verificada a situação que enseja a interrupção da prescrição, o prazo para a decadência ou extinção do direito recomeça a partir do ato que ocasionou a interrupção, não havendo a aplicação de retroatividade para os prazos já transcorridos.
É imprescindível notar, todavia, que a interrupção não implica necessariamente o término imediato da contagem prescricional, mas sim a suspensão do prazo até que ocorra o encerramento do processo judicial gerado. Esse entendimento é fundamental para a orientação jurisprudencial recente, sobretudo no que tange à ação de produção antecipada de provas.
A ação de produção antecipada de provas constitui um mecanismo processual pelo qual a parte, antes de ajuizar a demanda principal, busca produzir provas necessárias para a comprovação dos fatos que ensejam o direito reivindicado. Tal medida, geralmente adotada em situações de urgência ou quando há risco de perecimento da prova, assume relevância no cenário processual civil.
Conforme ilustrado pela decisão do STJ, “aplica-se a interrupção do prazo prescricional, nos termos do art. 202, I, do CC, ainda que a judicialização da relação jurídica tenha sido provocada pelo devedor” (REsp 1.522.093/MS, relator ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, 3ª turma, julgado em 17/11/15, DJe de 26/11/15).
Essa interpretação reafirma que a simples propositura de medida judicial, no contexto de produção antecipada de provas, interrompe o curso prescritivo, mesmo que a ação não seja a demanda principal que se pretende ajuizar posteriormente.
Em situações análogas, o AgInt no REsp 1.704.045/SP, sob a relatoria do ministro Raul Araújo, também ressaltou que “na espécie, o ajuizamento da ação de produção antecipada de provas, pelo devedor, interrompeu a prescrição, nos termos do art. 202, I, do Código Civil”. Essa decisão demonstra que a função interruptiva da medida judicial se estende, com efeitos práticos, à preservação do direito de ação, impedindo que a inércia ou eventual demora na propositura da demanda principal acarrete a perda do direito.
3.1 A interrupção do prazo prescricional e a suspensão até o último ato do processo
Um aspecto relevante para se considerar é o entendimento segundo o qual “quando a interrupção da prescrição se der em virtude de demanda judicial, o novo prazo só correrá da data do último ato do processo, que é aquele pelo qual o processo se finda” (AgInt no AREsp 2.112.776/SP, relator ministro Humberto Martins, 3ª turma, julgado em 30/10/23, DJe de 3/11/23). Essa orientação tem profundo impacto na prática processual, uma vez que o recálculo do prazo prescricional depende não do ajuizamento inicial da ação, mas sim da conclusão efetiva do procedimento, o que pode ocorrer somente com a extinção do processo.
Tal entendimento assegura que, enquanto o processo findar o seu objeto, não haverá a reativação imediata do prazo prescricional. Ao suspender a contagem prescricional até o último ato processual, o Judiciário protege o titular do direito, permitindo que todas as etapas processuais sejam consumadas sem que este venha a sofrer prejuízo com o envelhecimento da pretensão.
Embora a redação literal do art. 202, I, do CC trate da interrupção do prazo prescricional, interpretações recentes dos tribunais superiores têm enfatizado a necessidade de se levar em conta que o novo prazo somente começará a correr a partir do último ato do processo. Essa interpretação atua como uma extensão do próprio dispositivo legal, ao reconhecer o caráter protetivo do instituto da interrupção, o qual não pode prejudicar o jurisdicionado caso a demanda judicial se prolongue por tempo excessivo.
A prática estatal, quando embasada nessa interpretação, permite que a produção antecipada de prova, em sua essência, seja apreciada não apenas como uma medida preparatória, mas como um verdadeiro protesto interruptivo, capaz de assegurar a eficácia do direito material. Essa perspectiva é também corroborada pela análise do TJ/SP, que em decisão recente destacou:
“tratando-se de produção antecipada de prova, era – como o é – inegável o interesse da autora para o ajuizamento da demanda principal, equivalendo essa evidenciada intenção a um indiscutível protesto interruptivo, nos termos do referido artigo 202 do Código Civil” (TJSP; Agravo de Instrumento 2083136-89.2022.8.26.0000; relator(a): Daniela Menegatti Milano; Órgão Julgador: 19ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 32ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/8/22; Data de Registro: 19/8/22).
Dessa forma, o regramento contido no art. 202 do CC, associado aos ensinamentos jurisprudenciais, fortalece a ideia de que o direito de ação pode ser preservado, mesmo em situações onde a demanda principal enfrenta eventuais entraves processuais. A produção antecipada de provas, ao provocar a interrupção da prescrição, atua como um escudo contra a inexigibilidade da pretensão, garantindo que o titular permaneça protegido até que o mérito seja definitivamente apreciado.
4. Aspectos processuais e práticos da ação de produção antecipada de provas
A produção antecipada de provas é um instituto processual que permite à parte interessada colher elementos probatórios antes do ajuizamento da ação principal ou no início do seu curso, quando se vislumbra o risco de perda ou deterioração das provas, ou ainda, para possibilitar outra solução do litígio, na esteira das hipóteses do art. 381 do CPC:
“Art. 381. A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que:
I – haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação;
II – a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito;
III – o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.”
Sob essa ótica, a demanda para a produção antecipada de provas surge como um procedimento autônomo, mas que guarda estreita conexão com a futura ação principal. O seu ajuizamento não só viabiliza a preservação dos elementos de prova, como também demonstra a intenção inequívoca do requerente de buscar, em momento posterior, o deslinde do mérito. Essa intenção processual tem relevância direta na aplicação do art. 202 do CC, pois o protesto manifestado por meio do procedimento interruptivo fortalece a proteção do direito, evitando a decadência da pretensão.
Ressalta-se ainda que o procedimento de produção antecipada de provas não demanda a delimitação imediata de todos os elementos do litígio, mas possibilita a coleta dos elementos necessários para que, futuramente, o mérito da demanda seja apreciado de forma célere e justa.
A interrupção do prazo prescricional na forma do art. 202 do CC, decorrente do ajuizamento da produção antecipada de provas, apresenta importantes reflexos práticos no andamento do processo. Primeiramente, a suspensão do prazo até que se efetive o último ato processual implica que o direito de ação não será prejudicado pelo decurso do tempo durante as fases processuais, garantindo que o litígio seja apreciado de forma completa e sem perda temporal.
Essa interpretação, consolidada pela jurisprudência do STJ e os Tribunais de Justiça, reforça a proteção do jurisdicionado contra os efeitos deletérios da prescrição. Dessa forma, o procedimento não apenas assegura a integridade do meio probatório, mas também contribui para a segurança jurídica, uma vez que o prazo prescricional só será reiniciado com a conclusão do processo – ou seja, com o pronunciamento final do juízo.
Esse efeito prático tem sido essencial para a preservação dos direitos, sobretudo em demandas complexas, onde a produção antecipada de provas é imperativa para a instrução do caso. O entendimento de que “o novo prazo só correrá da data do último ato do processo” (AgInt no AREsp 2.112.776/SP) reforça a consistência do sistema jurídico, garantindo que as partes não sejam surpreendidas por uma reativação intempestiva da contagem prescricional.
5. Conclusão
Em síntese, a análise da ação de produção antecipada de provas e seus efeitos na interrupção da prescrição civil destaca a importância do instituto previsto no art. 202, I, do CC para a preservação do direito de ação.
As decisões dos tribunais superiores, como o REsp 1.522.093/MS, o AgInt no REsp 1.704.045/SP e o AgInt no AREsp 2.112.776/SP, corroboram a tese de que o ajuizamento dessa medida processual interrompe o prazo prescricional, fazendo com que o mesmo só volte a correr a partir do último ato do processo.
A produção antecipada de provas transcende a mera coleta de elementos para instruir uma eventual demanda principal, configurando-se como um instrumento protetivo dos direitos fundamentais dos jurisdicionados. Ao interromper a contagem prescricional, esse procedimento assegura que a demora inerente ao curso de um processo judicial não venha a prejudicar o titular do direito, promovendo, assim, maior segurança jurídica e efetividade na prestação jurisdicional.
Destaca-se, ainda, que o entendimento de que quando a interrupção de prescrição se der em virtude de demanda judicial, o novo prazo só correrá da data do último ato do processo representa um avanço significativo na proteção dos direitos, alinhando o ordenamento jurídico com os princípios da razoabilidade e da proteção à confiança legítima dos jurisdicionados, fundamentado no art. 202 do CC.
Otavio Ribeiro Coelho
Advogado em São Paulo/SP. Mestre em Processo Civil pela PUC/SP. Especialista em Processo Civil pela USP. Especialista em Direito Civil pela PUC/MG. Bacharel em Direito pelo Mackenzie/SP.