Caso Voepass: Uma análise sobre a responsabilização solidária da Latam   Migalhas
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Caso Voepass: Uma análise sobre a responsabilização solidária da Latam – Migalhas

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O acidente com o ATR 72-500 da companhia aérea VoePass, na cidade de Vinhedo/SP, ocorrido em meados de 2024, tem sido, desde então, motivo de grande comoção e interesse pelo público brasileiro, em especial ao se considerar que é o primeiro episódio envolvendo aeronaves comerciais brasileiras em mais de dezessete anos, desde o choque entre o Airbus A320 da TAM e o prédio da TAM Express, nas proximidades do Aeroporto de Congonhas, em 2007.

O longo transcurso de tempo entre os voos TAM-3054 e VoePass-2283 demonstra a necessidade de os Tribunais Pátrios se atualizarem quanto à possível responsabilização de companhias aéreas por danos causados à vida de seus passageiros e, desta vez, com uma importante controvérsia a ser sanada.

Isto porque, desde o início da prática internacional do Codeshare Agreement, cujas origens remontam à década de 1990, este é o primeiro acidente em que passageiros vieram a óbito desde a efetiva implementação do modelo no Brasil, sendo um exemplo claro e notório de sua incidência.

O acordo de Codeshare, como mencionado, remonta a uma pactuação entre a Qantas Airways, da Austrália, e a American Airlines, dos Estados Unidos, para a operação conjunta de voos entre os dois países nos idos de 1990, garantindo a ambas as companhias aéreas maior flexibilidade em seus voos, e possibilitando que uma operasse aeronaves em nome da outra, em uma parceira de lucratividade mútua.

Assim como Qantas e American, Latam Airlines e VoePass Linhas Aéreas possuem acordos de Codeshare em vigor, em que uma vende passagens em nome da outra, em especial para dar vazão à capilaridade que as aeronaves operadas pela segunda podem conceder à primeira.

Com efeito, aquele passageiro que adquiriu passagens para se deslocar do CAC – Aeroporto de Cascavel para o GRU – Aeroporto de Guarulhos em 9 de agosto de 2024, o poderia ter feito tanto pelo sítio eletrônico da Latam, quanto pelo da VoePass, independentemente da companhia aérea que efetivamente operasse a aeronave.

No mesmo dia em que ocorrido o acidente, em evidente anseio de prevenir responsabilidades perante terceiros, a Latam Airlines publicou nota ressaltando que “não existe contrato de prestação de serviços ou de assistência técnica entre as empresas” e que “a empresa operadora do voo é quem responde por toda a gestão técnica e operacional, incluindo o atendimento aos passageiros nos aeroportos, o próprio voo e as suas eventuais contingências.”

Contudo, em que pese o teor de tais esclarecimentos, resta importante dúvida: a Latam Airlines pode ser responsabilizada solidariamente pelo ocorrido, ainda que não tenha operado a aeronave?

A resposta a tal indagação pode ser dividida em dois rumos fundamentais: a legislação aeronáutica e a legislação consumerista.

Em matéria de direito aeronáutico, o Codeshare protagonizado pela Latam junto à VoePass é regulamentado pela ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil, que não exige autorização prévia para tanto, mas apenas a formalização do acordo junto ao SIROS (Registro de Serviços Aéreos), de acordo com recentes resoluções publicadas pela autarquia – 440 de 2017 e n.º 692 de 2022.

Estando a parceria entre as duas companhias aéreas devidamente registrada – como admitido publicamente pela Latam – a controvérsia encontra respaldo no artigo 259 do Código Brasileiro de Aeronáutica, que trata da responsabilidade por danos causados a passageiros.

De acordo com o dispositivo em questão, “quando o transporte aéreo for contratado com um transportador e executado por outro, o passageiro ou sucessores poderão demandar tanto o transportador contratual como o transportador de fato, respondendo ambos solidariamente.”

No caso concreto, portanto, se familiares de vítimas comprovarem que as passagens foram adquiridas por intermédio da Latam, na qualidade de transportador contratual, a solidariedade para com a VoePass é inequívoca, sendo o posicionamento publicizado pela Latam letra-morta.

Em matéria consumerista, que sabidamente se aplica a diversos danos causados a passageiros – como o extravio de bagagens e o atraso de voos – há respostas que rumam à mesma exata conclusão, consoante o entendimento atualizado da jurisprudência pátria.

Inserindo-se em acordo de cooperação mútua através do Codeshare, com o intuito de ampliar seus serviços e presença de mercado, a atividade da Latam permite enquadrá-la na cadeia de fornecedores que respondem, solidária e objetivamente, pelos danos causados às vítimas por seu parceiro comercial, neste caso, a VoePass, consoante os artigos 3º e 7º do CDC.

Trata-se de consequência direta da atividade da Latam, portanto, a sua responsabilização perante as vítimas no caso concreto, visto que a parceria comercial em vigor não é isenta de riscos.

Em suma, há amplo respaldo legal e jurisprudencial para que familiares do VoePass-2283 busquem, também, indenização perante a Latam, no que promete ser o primeiro caso da aviação brasileira em que, pelas vias do Codeshare, as vítimas possam ser amparadas por uma sistemática de dupla reparação.

Ottavio Augusto Cilento Morsello

Ottavio Augusto Cilento Morsello

Advogado e sócio do escritório Huck Otranto Camargo Advogados. Mestrando e Bacharel pela Universidade de São Paulo. Licenciado em direito pela Université Jean-Moulin Lyon III. Intercâmbio acadêmico pela Università degli Studi di Roma Tor Vergata.

HUCK, OTRANTO E CAMARGO ADVOGADOS ASSOCIADOS HUCK, OTRANTO E CAMARGO ADVOGADOS ASSOCIADOS

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