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Um levantamento realizado pelo Movimento Pessoas à Frente junto ao painel de estatísticas do CNJ e publicado no Anuário do Ministério Público Brasil 2024 apontou uma redução de 42% no volume de processos por improbidade administrativa no Brasil, desde a entrada em vigor da lei 14.230/21 (LIA).
Os resultados obtidos na pesquisa suscitaram um importante debate sobre os efeitos das alterações implementadas na LIA, em 2021.
A reforma surgiu em meio a críticas sobre o uso indiscriminado das ações de improbidade, frequentemente propostas sem a devida distinção entre equívocos administrativos e atos deliberadamente ilícitos.
A principal mudança promovida pela nova legislação foi a exigência de comprovação de dolo para a condenação de agentes públicos, afastando a possibilidade de sanções por mera culpa ou negligência do agente.
A nova redação da LIA estabeleceu, ainda, a necessidade de dolo específico para que o agente público responda pelos atos de improbidade. Ou seja, a lei passou a exigir a intenção inequívoca do agente público em praticar a irregularidade; a sua má-fé, consubstanciada da intenção de lesar.
Outra relevante alteração que, igualmente, contribuiu para restringir a incidência da lei, foi a definição expressa, em seu art. 11, dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública.
A consequência imediata das referidas alterações foi a expressiva queda no ajuizamento de novas ações.
Segundo o CNJ, entre janeiro e outubro de 2024 foram registrados 9.752 novos processos, tendência que projeta um número próximo ao de 2023 (12.846 ações), substancialmente inferior ao patamar de 22 mil processos em 2021, ano da reforma.
Os defensores da mudança sustentam que a exigência de dolo específico trouxe maior segurança jurídica a gestores públicos, mitigando o risco de punições indevidas por atos de mera ineficiência ou erro administrativo.
Sob essa ótica, a nova LIA equilibra a responsabilização de agentes públicos sem desestimular a tomada de decisões necessárias à gestão pública.
Por outro lado, críticos, especialmente membros do Ministério Público, argumentam que a reforma enfraqueceu os mecanismos de combate à corrupção.
Isso porque, se antes os gestores podiam ser responsabilizados por condutas imprudentes que resultassem em prejuízo ao erário, agora, a exigência de prova inequívoca de intenção dolosa dificultou substancialmente a formação de provas e pode inviabilizar sanções, mesmo em casos de decisões administrativas claramente lesivas.
Outro ponto de atenção é a aplicação retroativa da norma mais benéfica, que resultou no arquivamento de diversos processos em curso. A nova exigência de dolo extinguiu ações fundamentadas na legislação anterior, ainda que as condutas envolvessem graves prejuízos ao patrimônio público.
Assim, a flexibilização da LIA alterou substancialmente o panorama jurídico-administrativo do país.
Se, por um lado, a redução no número de ações pode ser vista como um avanço na segurança jurídica, por outro, levanta preocupações sobre os limites do controle da improbidade na Administração Pública.
Ainda é prematuro avaliar integralmente os impactos da reforma, mas a expressiva retração na judicialização do tema pode demandar novos debates legislativos.
O desafio reside em conciliar a proteção do gestor público com a efetividade dos instrumentos de fiscalização, garantindo que a integridade da Administração Pública permaneça inquestionável.
Edgard Hermelino Leite Junior
Sócio do escritório Edgard Leite Advogados Associados.