Comodato e arrendamento rural: Distinções e implicações tributárias   Migalhas
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Comodato e arrendamento rural: Distinções e implicações tributárias – Migalhas

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Conceitos fundamentais e enquadramento legal

A cessão do uso de imóveis rurais pode ocorrer sob diversos formatos, sendo o arrendamento rural e o comodato figuras usuais no ordenamento jurídico brasileiro. Enquanto o arrendamento rural se caracteriza como um contrato agrário disciplinado por legislação específica, o comodato possui natureza eminentemente civil, sendo regulado pelo CC.

A distinção entre essas modalidades contratuais não é meramente teórica, pois possui impactos diretos sobre a tributação, a regulamentação e as obrigações das partes envolvidas.

  • Comodato rural: Contrato gratuito e unilateral, no qual o proprietário (comodante) cede temporariamente o uso de um imóvel rural ao comodatário, sem qualquer contrapartida financeira. Está disciplinado nos arts. 579 a 585 do CC brasileiro.
  • Arrendamento rural: Contrato bilateral e oneroso, regido pelo Estatuto da Terra (lei 4.504/1964) e pelo decreto 59.566/1966, onde o proprietário (arrendador) cede o uso e gozo do imóvel rural ao arrendatário mediante pagamento de uma contraprestação.

As principais diferenças entre os dois contratos se dão na presença ou ausência de pagamento pelo uso da terra, bem como na obrigação do proprietário de respeitar o direito de preferência do arrendatário na renovação e aquisição do imóvel.

Implicações tributárias e riscos de requalificação pela Receita Federal

A decisão proferida no acórdão 2202-003.761 do CARF reforça a necessidade de correta classificação dos contratos de comodato e arrendamento rural, especialmente sob a ótica tributária. O colegiado determinou que:

“Tratando-se de cessão a título gratuito, constitui rendimento tributável o equivalente a dez por cento do valor venal do imóvel, exceto quando ocupado pelo cônjuge ou por parentes de primeiro grau. No caso de imóvel rural, o valor tributável é equivalente a dez por cento do valor venal ou o valor constante da Declaração do Imposto Territorial Rural – ITR.”

Este entendimento significa que, ainda que o comodato seja gratuito, a Receita Federal presume um rendimento tributável equivalente a 10% do VTN – Valor da Terra Nua informado no ITR. Esse percentual deve ser considerado pelo comodante como receita tributável para fins de imposto de renda.

Isso ocorre porque, conforme estabelece o art. 6º, caput, da lei 7.713/1988, a isenção do imposto de renda sobre imóveis cedidos a título gratuito é restrita àqueles cedidos para uso exclusivo do cônjuge ou de parentes de primeiro grau. Dessa forma, a Receita Federal reconhece a isenção apenas nessas circunstâncias específicas, o que implica que a cessão gratuita de bens a outras pessoas, incluindo a terceiros e pessoas jurídicas, não se enquadra nas condições de isenção previstas pela legislação tributária, sujeitando a operação à tributação pelo imposto de renda.

Além disso, a decisão também enfatiza que rendimentos oriundos de arrendamento rural devem ser declarados como tal, e não como resultado da exploração rural:

“Ainda que a arrendante também seja produtora rural, não é possível oferecer à tributação como resultado da exploração rural os valores recebidos a título de pagamento de arrendamento a terceiros.”

Ou seja, o CARF reforça a impossibilidade de mascarar contratos de arrendamento como exploração rural direta, pois isso pode configurar omissão de rendimentos e resultar em penalidades fiscais.

Riscos de descaracterização do comodato em arrendamento rural

A Receita Federal pode desconsiderar um contrato de comodato e requalificá-lo como arrendamento rural caso identifique elementos que caracterizem uma relação onerosa. O acórdão 2202-003.761 aponta que a fiscalização tributária pode adotar este entendimento quando há:

  • Exigência de contrapartida financeira ou material: Se o comodatário realiza pagamentos diretos ou indiretos, entrega produtos agrícolas ou presta serviços ao comodante, isso configura arrendamento.
  • Participação do proprietário nos resultados econômicos da exploração: Caso o proprietário obtenha qualquer benefício econômico direto ou indireto pela cessão do imóvel, a relação pode ser interpretada como arrendamento.
  • Divergência entre contrato e realidade fática: Mesmo que o contrato esteja formalizado como comodato, o que prevalece é a realidade dos fatos. Se houver comprovação de elementos típicos de um arrendamento rural, a Receita Federal pode reclassificar a relação jurídica.

A decisão do CARF ainda destaca que a fiscalização pode lançar omissão de rendimentos quando há indícios de simulação:

“A contribuinte prestou declarações falsas ao informar que explorava atividade rural no imóvel, quando, na realidade, este estava arrendado para terceiros desde o ano 2000. Ao deixar de declarar esse rendimento adequadamente, informando como se explorasse o imóvel, e não o arrendasse, esquivou-se de ser fiscalizada anteriormente.”

Esse entendimento reforça que a fiscalização não apenas analisa o contrato em si, mas a realidade dos fatos e os indícios concretos da relação econômica entre as partes.

Caso um contrato de comodato seja descaracterizado como arrendamento rural, as implicações podem ser diversas, como por exemplo o proprietário poderá ser tributado retroativamente sobre os valores recebidos, incluindo acréscimos de juros e multas, além da aplicação de multa fiscal pela omissão de rendimentos, que pode resultar em autuações e multas que variam entre 75% e 150% sobre o imposto devido.

Recomendações para evitar a descaracterização do comodato

Para minimizar os riscos fiscais e garantir a validade do contrato de comodato, é essencial que as partes observem a correta formalização do contrato, com cláusulas claras que especifiquem a gratuidade da cessão e vedem expressamente qualquer forma de compensação financeira ou

A correta distinção entre comodato e arrendamento rural é essencial para evitar autuações fiscais e garantir segurança jurídica nas operações envolvendo imóveis rurais. Decisões recorrentes do CARF reforçam a necessidade de declaração correta dos rendimentos, comprovação da gratuidade do comodato e conformidade tributária das operações rurais.

Para produtores e empresários do setor do agronegócio, a adoção de contratos bem estruturados e o acompanhamento por especialistas jurídicos são medidas essenciais para mitigar riscos e garantir que a relação contratual esteja devidamente protegida perante o fisco.

Caroline Valéria Adorno de Macêdo

Caroline Valéria Adorno de Macêdo

Advogada e Consultora Jurídica. Atua com direito societário, planejamento sucessório e patrimonial.

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