Arbitramento de honorário sucumbencial no embargo monitório   Migalhas
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Arbitramento de honorário sucumbencial no embargo monitório – Migalhas

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A hipótese que inspira este comentário já pode ter ocorrido com muitos colegas advogados: em julgamento conjunto da ação monitória (procedente) e dos embargos monitórios (improcedentes), o devedor deve arcar com dois ônus de sucumbência? O ponto central desse debate reside na necessidade de se investigar e se esclarecer a natureza jurídica dos embargos monitórios. Em outras palavras: possuem natureza jurídica de defesa ou de ação autônoma?

A ação monitória, prevista no CPC, tem como objetivo fornecer uma forma célere e eficaz de cobrança quando o autor apresenta prova documental escrita de uma obrigação, sem eficácia de título executivo. O art. 701 do CPC estabelece que, quando o direito do autor for evidente (consagrando uma verdadeira tutela de evidência), o juiz deve expedir um mandado de pagamento, de entrega de coisa, ou de cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Além disso, fornece-se ao réu devedor o prazo de 15 dias para o cumprimento da obrigação e para o pagamento de honorários advocatícios no percentual de 5% sobre o valor da causa, caso haja pagamento espontâneo – aqui, constituindo-se como um “prêmio” ou incentivo econômico, a possibilidade de pagar a metade do piso legal -. Contudo, quando o réu opõe embargos monitórios, a dinâmica processual se altera, pois, ao invés de conferir o fim esperado do procedimento (confirmação da tutela de evidência), inicia-se o processamento do contraditório.

A questão é se, em caso de rejeição desses embargos, há uma condenação suplementar em honorários sucumbenciais, além dos que já serão estabelecidos na procedência da ação monitória

Os autores processualistas se dividem quanto à natureza dos embargos monitórios. Há quem defenda que os embargos possuem natureza de contestação. Para essa vertente, ao serem opostos tempestivamente, os embargos convertem o procedimento monitório em procedimento comum, suspendendo a eficácia da decisão que expediu o mandado monitório. Nesse sentido, o juiz deve, ao final do procedimento, proferir uma sentença de mérito1-2. Portanto, segundo essa visão, os embargos seriam um meio de defesa do réu, e não uma ação autônoma.

Por outra perspectiva, defende-se que os embargos monitórios possuem natureza de ação. Argumenta-se que, por se tratar de uma “ação incidental”, os embargos ao mandado monitório exigem o oferecimento de uma “petição inicial” e seguem o procedimento comum, a despeito do seu processamento, de fato, ocorrer nos autos da ação principal. A cognição é plena e permite a alegação de qualquer matéria de defesa, o que os diferencia dos embargos à execução3. Nessa visão, diferencia-se o papel de defesa e o de contestação, neste procedimento especial, dada a peculiaridade do procedimento monitório, no qual o réu é intimado a pagar a dívida sem um “convite” expresso para contestar4.

Nessa cisão, e no intuito de dizer o que o direito realmente é, o entendimento formado no STJ segue a corrente doutrinária que considera os embargos monitórios como uma forma de defesa e, portanto, sem condenação sucumbencial específica.

A formação desse entendimento remonta ao ano de 2001, quando no julgamento do REsp 222.937-SP, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, destacou-se que os embargos monitórios não têm natureza de ação, mas sim de contestação, permitindo ampla defesa do réu, sem restrições quanto à matéria. O entendimento se mantém até os dias atuais, apesar da vigência de um CPC diferente da época em que formado esse precedente, como exemplifica o julgamento do REsp 1.713.099/SP

Essa interpretação do STJ é essencial para garantir a segurança de afirmar que, no tratamento dos honorários sucumbenciais na hipótese de julgamento improcedente dos embargos monitórios, o advogado do credor ganhará duas vezes, mas só levará para casa a verba de sucumbência da ação monitória que moveu.

Mas qual seria a vontade do legislador, sobretudo do CPC de 2015, ao dedicar um capítulo para a ação monitória? Ele idealizou os embargos monitórios como uma ação autônoma ou como uma defesa do devedor? Há indícios o suficiente para defender os dois lados – talvez seja daí a origem da controvérsia da doutrina. Explica-se.

É requisito imprescindível da ação monitória o direito evidente do credor (art. 701, caput), de modo que o mandado monitório será constituído para que o devedor realize o pagamento, não para contestar, a priori. Por isso mesmo, o §2º do art. 701 estabelece que o mandado monitório é convertido em título executivo judicial se não realizado o pagamento e não apresentados os embargos previstos no art. 702. Este, no nosso entendimento, é o caminho ideal da ação monitória.

Por outro lado, se o devedor opuser embargos monitórios, algumas consequências previstas em lei são relevantes. Ele pode fazê-lo com qualquer matéria passível de defesa no procedimento comum (art. 702, §2º). A eficácia da decisão que reconhece a tutela de evidência é suspensa, até julgamento de primeira instância (art. 702, §4º). Abre-se o contraditório do credor (art. 702, §5º). Possibilita-se a reconvenção, positivando o entendimento da súmula 292 do STJ (art. 702, §6º). Gera interesse recursal para interposição de apelação (art. 702, §9º), denotando que seu julgamento ocorrerá por sentença, ao contrário do que ocorre com a constituição do mandado monitório, que ocorre por meio de decisão interlocutória (art. 701).

Os indícios legislativos não dão segurança. É possível defender que se trata de uma ação, com recortes de defesa, assim como também é plenamente razoável defender que se trata de uma típica contestação, mas com facetas de ação autônoma.

Com base na legislação, doutrina e jurisprudência do STJ, uma coisa é certa: para além do dever-se, o Direito nesta hipótese se apresenta, nos precedentes, de forma segura, no sentido de que esses embargos possuem natureza de contestação. Portanto, em caso de rejeição dos embargos, o advogado do credor não poderá contar com uma condenação suplementar em honorários sucumbenciais específica para eles. A sucumbência deve ser considerada de forma global, abrangendo o resultado final da ação monitória e dos embargos monitórios.

E assim, apesar do risco duplo corrido pelo credor e pelo seu representante jurídico, que ao final subiu em dois pódios, este advogado sairá da Justiça com uma única verba de honorários. O STJ deixa claro que, por mais que pareça haver duas oportunidades de ganho, o crédito honorário é concedido apenas uma vez, de maneira global, refletindo o desfecho da ação monitória como um todo. Ao advogado, resta o consolo de saber que a vitória foi completa, ainda que o prêmio, ao final, seja singular.

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1 CÂMARA, Alexandre Freitas. Manual de direito processual civil. 2. ed., Barueri: Atlas, 2023, p. 1064.

2 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados. Vol. 3, 5. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 298/299.

3 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Volume único, 14. ed., São Paulo: Juspodivm, 2022, p. 1033/1035.

4 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Procedimentos Especiais. Vol. 2, 50. ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 374.

Lucas Lopes de Freitas da Silva

Lucas Lopes de Freitas da Silva

Advogado do Tortoro, Madureira & Ragazzi Advogados Direito da Energia Elétrica, Administrativo, Público, Regulatório e Civil

Tortoro, Madureira e Ragazzi Sociedade de Advogados Tortoro, Madureira e Ragazzi Sociedade de Advogados

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