CompartilharComentarSiga-nos no A A
Nos últimos tempos, os noticiários têm relatado casos de influenciadores digitais presos, suspeitos de lavagem de dinheiro, denunciados ou sob investigação. Na última década, houve uma popularização massiva das redes sociais e da internet. O Brasil é o terceiro país do mundo em número de usuários de redes sociais e o primeiro da América Latina, com aproximadamente 131,5 milhões de pessoas conectadas. Os brasileiros são a população mais conectada do mundo, passando, em média, 9 horas e 13 minutos por dia na internet, sendo 3 horas e 37 minutos dedicadas exclusivamente às redes sociais.
A título de exemplo, as redes sociais mais utilizadas no Brasil são: WhatsApp, com 147 milhões de usuários; YouTube, com 144 milhões; Instagram, com 134 milhões; Facebook, com 111,3 milhões; e TikTok, com 98,59 milhões, seguidas por X (antigo Twitter), LinkedIn, Snapchat e outras plataformas1.
Diante da expressiva presença digital e do novo paradigma de exposição, observa-se uma transição dos tradicionais comerciais de televisão e rádio AM/FM para as redes sociais. Os antigos atores e personagens agora se reinventam como influenciadores digitais, utilizando plataformas online, como redes sociais, blogs e canais de vídeo, para construir uma audiência engajada e influenciar opiniões e comportamentos.
Os influenciadores se destacam pela capacidade de criar conteúdo que ressoa com seu público, estabelecendo conexões genuínas. Entre eles, podem estar ex-participantes de reality shows, cantores de diversos gêneros musicais, gamers, entre outros, cada um atuando em seu nicho específico. Um exemplo disso é a plataforma musical Spotify, onde playlists com milhões de ouvintes reúnem tanto artistas populares quanto novos talentos emergentes, consolidando os influenciadores como um novo elo entre produto e consumidor
Com a crescente digitalização da sociedade, a conexão entre pessoas e produtos tornou-se mais ágil e abrangente, permitindo o surgimento de novos cenários de consumo e entretenimento. Antes restritas a modalidades tradicionais, como futebol, boxe e MMA, as apostas esportivas evoluíram com a integração de esportes e games, dando origem a plataformas de bets esportivas e a jogos online, como o popular jogo do tigrinho.
Nesse contexto, influenciadores digitais com grande alcance passaram a desempenhar um papel central na divulgação de produtos e serviços, indo além do setor de apostas para promover cosméticos, bebidas e conteúdos digitais. Sua influência direta sobre o público consumidor muitas vezes resulta em ganhos expressivos, especialmente por meio de comissões atreladas ao volume de vendas gerado por suas recomendações.
Com a ascensão dos influenciadores digitais, tornou-se cada vez mais comum ver nas redes sociais a ostentação de veículos de luxo, viagens internacionais e imóveis em condomínios exclusivos. Esses bens, muitas vezes adquiridos por meio dos altos rendimentos gerados na profissão, refletem a consolidação do marketing de influência como um modelo de negócios lucrativo.
A atuação dos influenciadores pode ser vista como uma evolução dos antigos comerciais televisivos, nos quais atores e celebridades promoviam produtos. Hoje, essa dinâmica se reinventou no ambiente digital, onde criadores de conteúdo se tornaram os principais intermediários entre marcas e consumidores.
Dezenas de influenciadores tiveram suas residências alvo de operações policiais. No entanto, antes de qualquer juízo sobre o mérito processual de cada caso, é importante destacar que muitas dessas investigações envolvem sorteios vinculados a títulos de capitalização, nos quais são oferecidos prêmios em dinheiro e veículos. Esses títulos são regulamentados e registrados na SUSEP2.
Além disso, as apostas esportivas (bets) passaram a contar com regulamentação Federal, e todas as campanhas publicitárias devem seguir as diretrizes estabelecidas pelo CONAR, garantindo conformidade com as normas de publicidade.
É importante destacar que as apostas foram legalizadas em 20183, e as apostas de quota fixa passaram a ser regulamentadas em 2023 pela lei 14.790/234. Com o objetivo de garantir segurança jurídica aos apostadores e coibir práticas ilícitas, o governo implementou, em 20245, mais de dez portarias do Ministério da Fazenda para regular o setor.
As normas estabelecem exigências como a identificação dos jogadores por meio de documentos e reconhecimento facial, além do cadastramento de contas bancárias para transações. Além disso, as casas de apostas só podem operar por meio de instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central.
A lavagem de dinheiro é o processo de dissimulação da origem ilícita de bens e valores, tornando-os aparentemente lícitos. Isso ocorre por meio de uma série de operações que mascaram a procedência dos recursos, permitindo sua reinserção na economia formal sem levantar suspeitas6.
Esse crime é estruturado em três fases: colocação, ocultação e integração7. Além disso, trata-se de um delito acessório, ou seja, pressupõe a existência de um crime antecedente que tenha gerado os recursos ilícitos a serem lavados.
O delito de lavagem de dinheiro, por pressupor um crime antecedente, pode levar à responsabilização de agentes neutros, como operadores financeiros, contadores, advogados, empresários de jogadores de futebol e corretores de imóveis, quando participam de transações financeiras dentro de suas atividades profissionais. No entanto, no caso dos influenciadores digitais e de outras profissões, essa imputação nem sempre se configura, pois, a caracterização do crime exige a presença do dolo.
O dolo8, elemento subjetivo do tipo penal, implica tanto a intenção de ocultar a origem ilícita dos bens quanto o conhecimento de sua procedência criminosa. Ou seja, a pessoa precisa ter plena ciência de que está encobrindo recursos provenientes de atividades ilegais9.
Dessa forma, a simples negligência ou imprudência não são suficientes para caracterizar o crime de lavagem de dinheiro. É necessário comprovar que o agente atuou deliberadamente para disfarçar a origem ilícita dos valores10, tornando-os aparentes como legítimos no sistema financeiro.
Um influenciador que é legalmente e formalmente contratado para divulgar um produto registrado, regulamentado por lei ou aprovado pela SUSEP, e que segue as normas de publicidade vigentes, está exercendo uma atribuição profissional legítima.
Nesse contexto, o influenciador atua como um agente neutro, pois todos os seus atos profissionais estão amparados por normas e contratos. Assim, desde que cumpra sua função dentro dos parâmetros legais e éticos, sua conduta é considerada atípica do ponto de vista penal, uma vez que se enquadra em uma atividade socialmente adequada11.
Portanto, para que se configure o crime de lavagem de dinheiro, é essencial comprovar que o agente agiu conscientemente com o propósito de ocultar a origem ilícita dos valores. No caso dos influenciadores digitais, quando exercem suas atividades dentro da legalidade e em conformidade com as normas regulatórias, sua conduta deve ser considerada neutra e atípica, não caracterizando o crime.
Além disso, para que haja responsabilização penal, é imprescindível a presença do dolo, ou seja, a intenção deliberada de dissimular a procedência criminosa dos recursos. Negligência ou imprudência, por si só, não são suficientes para a tipificação do delito.
________________
1 https://www.mlabs.com.br/blog/redes-sociais-mais-usadas – consultado em 03/03/2025 – 10:19
2 https://www2.susep.gov.br/safe/scripts/bnweb/bnmapi.exe?router=upload/25810 – – consultado em 03/03/2025 – 10:19
3 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13756.htm
4 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14790.htm
5 https://www.gov.br/fazenda/pt-br/composicao/orgaos/secretaria-de-premios-e-apostas/legislacao/apostas
6 BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613/98, com as alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, pág. 25.
7 Lei n. 9613/98 – Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
8 (…) . I A absolvição sumária, fundada na inexistência de justa causa para o exercício da ação penal, ante a constatação de que o fato narrado evidentemente não constitui crime (art. 397, III, CPP), requer juízo de atipicidade da conduta em relação aos crimes objeto da persecução penal, no caso, associação criminosa e lavagem de dinheiro. O primeiro, exige, entre outros requisitos, o elemento subjetivo do tipo, consistente no ânimo de associação de caráter estável e permanente. (STJ: HC 217.000/BA). Por sua vez, o segundo também exige a demonstração do dolo de ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (Vide STJ: voto condutor da APn 922/DF). ((TRF-1 – ACR: 10301379820194013400, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CÂNDIDO RIBEIRO, Data de Julgamento: 30/07/2021, 4ª Turma, Data de Publicação: PJe 30/07/2021 PAG PJe 30/07/2021)
9 Direito Penal Econômico: parte geral e leis especiais/ Luciano Anderson de Souza, Maria Pinhão Coelho Araujo, coordenadores, — 2. Ed. Ver. Atual. E ampl. São Paulo: Thamson Reuters Brasil, 2022, pág. 801.
10 Advocacia criminal na contemporaneidade: homenagem ao advogado Osvaldo de Jesus Serrão/ Luiz Flávio Borges D’urso, Elias Mattar Assad, Sheyner Yasbek Asfora, organizadores, Barueri/SP, Tira de letra editora, ano 2022, pág. 254.
11 LEAL, Augusto Antônio Fontanive. A teoria da imputação objetiva, fundamentos e aplicação. 1ª Ed. Caxias do Sul: Editora da Universidade de Caxias do Sul, 2016, “”um comportamento que, considerado dentro ou fora da causação de um delito, não é dotado de ofensividade, mesmo estando aparentemente presente em uma atividade não permitida pelo direito”.
Antonio Belarmino Junior
Doutorando pela Universidade de Salamanca, Mestre em Direito Penal e Ciências Criminais- Sevilha, Pós Graduado em Ciências Criminais – FDRP/USP, ex-Presidente da ABRACRIM SP, Professor e autor.