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No Brasil, as chefias do Estado e do governo são exercidas pela mesma pessoa: o presidente, eleito pelo voto direto. Nos países parlamentaristas, podem existir diversas configurações: (a) monarquia parlamentarista, em que o monarca ocupa a chefia do Estado e o primeiro-ministro ocupa a chefia de governo; e (b) outros países em que o presidente ocupa a chefia do Estado, como na França e na Alemanha, e outro a chefia de governo. Os países europeus adotam, em sua maioria, essas duas configurações.
Em dois momentos já vivenciamos o parlamentarismo: de 1847 a 1889, como monarquia parlamentarista, e de 8 de setembro de 1961 a 24 de janeiro de 1964, uma república parlamentarista. Mas, na maior parte de nossa história pós-Independência, seguimos a tradição norte-americana, com um só representante eleito para um período de quatro anos, com a possibilidade de reeleição. Nos Estados Unidos, nenhum presidente pode ter mais de dois mandatos, sejam eles consecutivos ou intercalados. Tal limitação não temos aqui, e Lula está em seu terceiro mandato.
Poderíamos seguir o modelo europeu? Claro que sim. Mas, só mudar o sistema não garante resultados políticos melhores. Apesar disso, alguns consideram que parte de nossos problemas políticos seriam resolvidos, em especial, a relação entre o Poder Executivo e o Congresso.
No Brasil, já foi realizado plebiscito para decidir sobre o parlamentarismo, a monarquia e o presidencialismo. Em 1993, os brasileiros escolheram o presidencialismo. É preciso esclarecer que a forma democrática, o voto direto, secreto e periódico e o federalismo são cláusulas pétreas, mas não o sistema de governo.
O que pode explicar esse retorno ao velho debate? Ao longo dos anos, o Congresso Nacional se apropriou de sua importância. A negociação entre o presidente e os parlamentares gerou o presidencialismo de coalizão: não há como o governo administrar o país sem o Congresso Nacional, e precisa de uma base ampla de aliados para viabilizar a governabilidade. Mas, por vezes, essa relação assume formas permissivas e deletérias, que culminaram no mensalão. Em seguida, o mensalão se institucionalizou com as Emendas ao orçamento.
Sem muito controle sobre a aplicação dos recursos das Emendas ao orçamento, desde 2024, o embate entre o governo, o Congresso Nacional e o Judiciário ganhou novos e intrigantes capítulos. Inicialmente, os parlamentares derrubaram o veto presidencial para tornar obrigatória a execução das Emendas dentro do ano orçamentário. Em seguida, o Judiciário suspendeu as Emendas até que se adotem medidas efetivas de controle sobre sua aplicação, com transparência. Sob a batuta do ministro Flávio Dino, temos: a ADPF 854 (Orçamento Secreto), a ADIn 7.688 (Emendas Pix), a ADIn 7.695 (Emendas Pix) e a ADIn 7.697 (Emendas Impositivas).
Se o poder do Congresso Nacional se tornou tão grande a ponto de viabilizar o impeachment de Dilma, após ser inocentada pela Justiça, os parlamentares estão cada vez mais condicionados a mudar a forma de governo. Paralelo a esse debate, e sob intensa pressão social e da mídia, os parlamentares ressuscitaram propostas sobre as imunidades parlamentares, um tanto fragilizadas pela ação da Justiça, como liminares e buscas pessoais em gabinetes.
A negociação política entre parlamentares e o Poder Executivo não somente é fundamental como legítima. Se não houvesse essa interface, seríamos uma ditadura. Mas uma coisa é negociação, outra é a imposição de decisões, a usurpação de poder e a interferência do Congresso nas políticas públicas.
A PEC 2/25 pretende dar nova redação ao art. 80 da Constituição Federal, I, cabendo ao presidente da República indicar e nomear o primeiro-ministro. Logo adiante, a PEC propõe sua apresentação ao Congresso Nacional e, mais adiante, esclarece as atribuições do primeiro-ministro nos atos de chefia de governo, juntamente com o Conselho de Ministros.
Mudar o sistema ou corrigi-lo é adequado, importante e legítimo, mas serão essas as razões pelas quais o parlamentarismo ou o denominado semipresidencialismo está sendo cotado e alardeado? Parece-me que não. Acredito que seja mais um meio de pressão sobre o governo para liberar as Emendas parlamentares e o controle e a interferência nas políticas públicas.
Também não acredito que o projeto vá prosperar. A Europa está às voltas com a destituição de primeiros-ministros, crises de confiança, retorno da extrema direita etc.
O parlamentarismo é um excelente modelo que contrabalanceia a divisão de atividades políticas de Estado e de governo, até porque governar é desgastante. Mas sinto que a ameaça de se pautar essa mudança no comando político da nação também representa um choque entre forças e projetos políticos, não necessariamente o aprimoramento das instituições.
Não restam dúvidas que o parlamentarismo é considerado pela maioria dos teóricos a melhor forma de equilibrar os eixos de poder, mas nenhuma forma é boa se não houver amadurecimento da comunidade política. Sem cidadania ativa não há democracia.
A essa construção e acomodação, os deputados propositores chamaram de semipresidencialismo. Não existe essa figura política no mundo, pelo menos não com tal nomenclatura. Porém, o maior interessado – o povo – ainda não foi consultado.
Rosa Freitas
Doutora em Direito pelo PPGD/UFPE, professora universitária, Servidora pública, Escritório Rosa Freitas Advocacia em Direito público, palestrante e autora do livro Direito Eleitoral para Vereador.