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Uma lei Federal de 2016 (13.327/16), de iniciativa do Executivo, alterou a remuneração de servidores públicos e levou a União a abrir mão de arrecadar R$ 11 bilhões em recursos que eram públicos para pagar um bônus mensal para advogados e procuradores Federais desde 2017, a título de honorários. O dado foi calculado e revelado pela Uol.
Prédio da AGU.(Imagem: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)
O dinheiro do bônus sai de um fundo chamado CCHA – Conselho Curador dos Honorários Advocatícios, que foi criado pela lei. A entidade é vinculada à AGU, mas se define como privada. É o CCHA o responsável pelo rateio do bônus – o que é feito sem transparência.
A entidade tem duas fontes de arrecadação: a primeira, e principal, é uma taxa de até 20% paga por quem quitou débitos de dívida ativa entre 2017 e 2024 (encargos legais).
Por mais de 50 anos, esses valores iam para os cofres públicos. Mas, com a nova lei, a maior parte passou a ser transferida para o CCHA. Neste período, o valor somado foi de R$ 11 bilhões.
A segunda parte da arrecadação vem de honorários advocatícios pagos a quem perdeu ação contra órgãos da União. Antes, advogados Federais não recebiam honorários. Por isso, o valor não foi incluído no cálculo de quanto a União deixou de arrecadar. São mais R$ 3,4 bilhões.
Segundo a Uol, somando tudo, o CCHA recebeu R$ 14,4 bilhões da União, desde 2017.
Bônus pago a advogados públicos é retirado de fundo CCHA. (Imagem: Arte Migalhas)
Ainda de acordo com a Uol, graças ao pagamento, 96% dos advogados e procuradores da AGU na ativa ganharam o equivalente ao teto salarial do funcionalismo público, ou um pouco mais, em setembro de 2024 -R$ 44 mil naquele ano. É o último mês com dados disponíveis.
Em 2016, antes de a lei entrar em vigor, essa porcentagem era de apenas 1%.
A AGU defende que o pagamento do bônus é um reflexo da eficiência dos seus membros. “O impacto econômico gerado pelo trabalho da AGU passou de R$ 496 bilhões, em 2019, para R$ 1,1 trilhão, em 2024.”
Já o CCHA diz que os pagamentos “provêm de recursos privados”, porque pagos por pessoas e empresas, “sem impacto aos cofres públicos”.
Pagamento constitucional
Em 2018, a PGR ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade no STF contra a lei que criou o bônus.
Raquel Dodge, então procuradora-Geral, avaliou que os recursos “integram o conjunto de receitas da União”. Transferi-los para o CCHA era, portanto, uma “renúncia tácita de receita” por parte da União.
Mas o STF entendeu que o pagamento era constitucional. Na época, não foram levantados os valores que a União havia deixado de arrecadar.
A AGU argumenta que tem direito às taxas da dívida porque um de seus braços (a PGFN) é responsável pela cobrança.
Além disso, para a AGU, as taxas da dívida são “honorários, em razão da cobrança judicial”. Porém, não é sempre que a cobrança vai para a Justiça. Antes, são tomadas medidas administrativas, como protesto em cartório e comunicação ao Serasa e ao SCPC.
Ano a ano, os repasses de taxas da dívida para o CCHA estão crescendo. Entre 2023 e 2024, saltaram de R$ 1,8 bilhão para R$ 3,2 bilhões – alta de 56%.
Já a arrecadação de honorários está estável. Passou de R$ 634 milhões para R$ 655 milhões, no mesmo período.
CCHA acumula caixa bilionário
Dos R$ 14,4 bilhões recebidos pelo CCHA, cerca de R$ 10 bilhões foram efetivamente pagos em bônus entre 2017 e 2024.
Assim, há uma diferença de cerca de R$ 4 bilhões entre o valor recebido pelo CCHA e o distribuído em bônus.
Não se sabe o destino do dinheiro.
Questionada, a AGU, em nota, informou que parte dos recursos da entidade fica em uma conta de reserva utilizada para eventuais imprevistos ou queda de arrecadação. “Recentemente, por exemplo, o CCHA fez acordo com os aposentados, que movem diversas ações contra o fundo”, diz o órgão.
Até órgãos de controle, como TCU e CGU, têm dificuldade de acessar informações sobre a gestão do dinheiro do bônus.
Em 2024, o CCHA chegou até a ingressar com mandado de segurança no STF para não se sujeitar ao controle externo do TCU – o que foi rejeitado.
As informações disponíveis indicam que grande parte da diferença de R$ 4 bilhões esteja sendo mantida em caixa, enquanto o CCHA busca respaldo jurídico para distribuir valores maiores de bônus.
Teto de pagamento
Desde 2020, o CCHA passou a ter um teto para fazer os pagamentos. Ao julgar ADIn da PGR, o STF determinou que salário e bônus deveriam ser somados e, juntos, não poderiam ultrapassar o teto.
Mas, ainda conforme publicado pela Uol, desde 2022 a entidade já criou quatro subtipos de bônus que ultrapassam um pouco o teto – uma espécie de “penduricalho” do bônus, que não foi previsto na lei.
O que fazem os advogados da União
Advogados e procuradores da AGU atuam na defesa dos interesses dos órgãos Federais no âmbito jurídico. Esses profissionais trabalham em diversas instâncias, desde a Presidência da República até universidades e o Banco Central.
O quadro da AGU inclui cerca de 12 mil pessoas, entre ativos e aposentados, responsáveis por assessorar em ações judiciais e cobranças de dívidas, além de outros serviços.
Na ação de 2018, a PGR argumentou que advogados públicos não deveriam ter direito a honorários pois já são remunerados pelos serviços prestados.
Apesar das críticas, a AGU mantém 100% dos honorários arrecadados em ações vitoriosas destinados ao CCHA. Por outro lado, quando a União é derrotada, os honorários pagos não são retirados do caixa do CCHA, sendo totalmente custeados por recursos públicos.
Críticos do bônus dizem que outras categorias, como juízes e membros do MP, não têm o mesmo benefício.
Mas, recentemente, uma lei aprovada no final de 2024 estabeleceu um fundo semelhante de honorários para a Defensoria Pública da União, indicando uma possível expansão desse modelo para outras categorias do serviço público.