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Nesta quarta-feira, 5, o STF retomou a análise da “ADPF das Favelas” em sessão plenária. A ação busca a redução da letalidade policial no Estado do Rio de Janeiro.
Durante a sessão, o relator, ministro Edson Fachin, proferiu seu voto, destacando que, apesar dos avanços, ainda persiste um estado de coisas inconstitucional na política de segurança pública do Rio de Janeiro. S. Exa. apresentou uma série de propostas para fortalecer o monitoramento e a transparência nas operações policiais.
Devido ao adiantado da hora, a sessão foi suspensa e o julgamento será retomado em data ainda não definida.
Caso
Trata-se de ação apresentada em 2019 pelo PSB pleiteando que o Estado do RJ apresente plano de redução de letalidade policial.
À época, o partido questionava a política de segurança pública adotada pelo então governador Wilson Witzel, do Rio de Janeiro.
Segundo a legenda, a política adotada estimula o conflito armado e “expõe os moradores de áreas conflagradas a profundas violações de seus direitos fundamentais”.
Voto do relator
O relator, ministro Edson Fachin, em extenso voto, reconheceu que, apesar dos avanços na redução da letalidade policial no Rio de Janeiro, ainda persiste um “estado de coisas inconstitucional” na política de segurança pública do Estado.
Entendeu que as medidas cautelares determinadas pela Corte e o diálogo estabelecido nos últimos meses têm sido fundamentais para a queda dos índices de violência.
No entanto, considerou que o plano de redução da letalidade policial apresentado pelo Estado atende, mas não de forma plena, às determinações do Supremo, sendo proposta sua homologação parcial.
Sem nexo de causalidade
Ao votar, o ministro negou que decisões do STF tenham contribuído para o aumento da criminalidade no Rio de Janeiro. Segundo o relator, a alegação do Estado de que o Supremo teria fomentado o crime organizado é “grave equívoco” e “inverdade”.
Fachin ressaltou que o Brasil enfrenta um conflito violento entre facções criminosas desde 2016, com sua expansão para outras regiões do país antes mesmo da ADPF.
Fachin nega relação entre decisões do STF e aumento da criminalidade
Ao refutar a tese de que criminosos migraram para o Rio por proteção judicial, Fachin afirmou que o fortalecimento do crime organizado é um desdobramento de uma situação pré-existente.
Classificou a alegação do governo do Rio como “desacompanhada de respaldo fático e histórico” e reforçou que as decisões do STF não proibiram operações policiais, mas apenas impuseram exigências de planejamento, transparência e controle externo.
Veja o momento:
Fachin destacou que, ainda que a eficácia da letalidade policial fosse comprovada na redução da criminalidade, essa alternativa seria “inconstitucional e incompatível com o ordenamento jurídico pátrio e com o direito internacional dos direitos humanos”.
Acrescentou que “dados concretos em paralelo ao debate jurídico constitucional refutam a tese de que a brutalidade do Estado possa produzir resultados efetivos para a segurança pública”.
Ao abordar o papel dos agentes de segurança, o ministro ressaltou o “reconhecimento à dedicação e ao empenho de milhares de policiais civis e militares que em todo o Brasil e no Rio de Janeiro arriscam diariamente sua vida pelo próximo”. No entanto, alertou que a deterioração da segurança pública “não é apenas uma ameaça para todos os cidadãos e cidadãs brasileiras, mas é também para os policiais que dedicam sua vida ao ofício e não raro as perdem em numerosos e inaceitáveis suicídios e também assassinatos”.
O ministro criticou a perpetuação de um estigma histórico em relação às comunidades do Rio de Janeiro, mencionando o que chamou de “mito da marginalidade”.
Para S. Exa., “as favelas foram redefinidas por essa percepção higienista como uma espécie de zona franca do crime, generalizando a milhões de pessoas a imputação da condição de criminoso”.
Assim, reconheceu que “o controle de territórios por organizações criminosas é sim um problema grave e real”, mas advertiu que “a redução de tais espaços, a ideia de complexos territoriais criminosos a serem militarmente combatidos e confinados é uma simplificação que naturaliza um grau inconcebível de violência por parte do Estado”.
Veja o trecho:
Medidas propostas
O ministro propôs a adoção de medidas permanentes para garantir a queda progressiva da letalidade policial. Entre elas, estão:
Acompanhamento da letalidade
- Adequação de normas e procedimentos do Estado do Rio de Janeiro para medir e acompanhar a letalidade policial;
- Inclusão de novos indicadores para registrar casos de uso excessivo ou abusivo da força.
- Publicização detalhada de dados sobre mortes de civis e policiais em operações de segurança, informando: corporação, unidade ou batalhão envolvido, se o agente estava em serviço, se a morte ocorreu em confronto armado.
- O ministério da Justiça e Segurança Pública deve implementar mudanças no Sinesp.
- Todos os entes federados devem inserir dados desagregados sobre mortes decorrentes de intervenções policiais.
Uso da força e armas de fogo
- O Estado do RJ deve seguir integralmente a lei 13.060/14 e normas internacionais sobre uso da força e de armas de fogo.
- As forças de segurança devem avaliar a legalidade das ações.
- O MP e o Judiciário são responsáveis pela fiscalização e análise das justificativas apresentadas.
Saúde mental de policiais
- O Estado do RJ deve criar um programa de atendimento psicológico e social para policiais.
- O atendimento deve ser obrigatório para profissionais envolvidos em incidentes críticos e deve integrar a reavaliação periódica prevista na Constituição Estadual.
Letalidade anormal
- O Estado tem 180 dias para definir critérios para aferir letalidade anormal.
- As regras devem considerar tipo de policiamento e área de atuação.
- Deve haver afastamento preventivo para agentes envolvidos em mais de uma ocorrência com morte em um ano.
- O afastamento deve ser individualizado e distinto de medidas disciplinares.
Uso de helicópteros em operações
- O uso deve ocorrer apenas quando estritamente necessário.
- A necessidade deve ser justificada em relatório ao término da operação.
- O Executivo deve justificar, caso a caso, o uso de helicópteros e tiros embarcados.
Busca domiciliar
- Com mandado judicial: permitidas apenas durante o dia e proibido ingresso forçado à noite.
- Sem mandado judicial: deve haver provas concretas de flagrante delito.
- Denúncias anônimas não podem ser a única justificativa.
- Ação deve ser registrada em auto circunstanciado.
- Documento deve ser enviado ao juiz para controle posterior.
- Deve ocorrer somente para os fins autorizados.
- Denúncias anônimas isoladas não justificam ingresso forçado.
Naturalização do absurdo
Durante o julgamento, ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso criticaram a “naturalização do absurdo” na aceitação do domínio territorial por milícias e facções criminosas no Brasil.
Gilmar alertou para a gravidade da ocupação de áreas por grupos criminosos e a incapacidade do Estado em combatê-los, defendendo maior supervisão da PF e do MPF, além do uso de órgãos como o Coaf e a Receita Federal para desarticulá-los.
Barroso endossou a preocupação, ressaltando as violações de direitos humanos nesses territórios e o impacto sobre famílias pobres, coagidas pelo crime. O presidente da Corte afirmou que a sociedade precisa enfrentar o problema e buscar soluções efetivas.
Com a força máxima
Já ministro Alexandre de Moraes defendeu o uso de “força máxima” pelas polícias em operações contra milícias e o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Criticou a visão de uso progressivo da força, afirmando que os policiais devem entrar com o armamento mais pesado disponível para garantir sua própria segurança.
Tramitação
Em junho de 2020, o relator, ministro Edson Fachin, determinou a suspensão de operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro, durante a pandemia, salvo em casos absolutamente excepcionais, que deveriam ser devidamente justificadas por escrito pela autoridade competente e comunicadas ao MP/RJ.
A decisão monocrática de Fachin foi confirmada pelo plenário do STF em agosto de 2020.
Em dezembro de 2021, o plenário começou a julgar embargos contra a referida decisão. Ministro Edson Fachin e Alexandre de Moraes propuseram medidas para reduzir a letalidade policial. A diferença dos votos se deu na extensão das medidas – Alexandre de Moraes não referendou algumas propostas do relator.
Em fevereiro 2022, os ministros confirmaram diversas medidas propostas por Edson Fachin, tais como (i) plano feito pelo Estado do RJ, em 90 dias, para a redução da letalidade policial; (ii) criação do Observatório Judicial sobre Polícia Cidadã e (iii) prioridade nas investigações de incidentes que tenham como vítimas crianças e adolescentes.
Em dezembro daquele ano, Fachin determinou que o Estado do RJ apresentasse cronograma para instalação de câmeras em fardas e viaturas dos batalhões especiais das polícias (Bope e Core) e nas unidades policiais das áreas com maior índice de letalidade policial.
Em maio de 2023, os embargos foram para plenário virtual. Naquela ocasião, Fachin proferiu voto em 11 determinações. Dentre elas:
- Elaboração de plano visando à redução da letalidade policial;
- Fiscalização da legalidade do uso da força sejam feitos à luz dos princípios básicos sobre a utilização da força e de armas de fogo;
- Diligência, no caso de cumprimento de mandado judicial, deve ser realizada somente durante o dia, vedando-se, assim, o ingresso forçado a domicílios à noite.
- A investigação das alegações de descumprimento da decisão do STF, no sentido de se limitar a realização de operações policiais, deve ser feita pelo MPF e não pelo MP do Estado.
À época, o debate foi interrompido por pedido de vista de Moraes.
Vale lembrar que, no interregno, ocorreu a operação policial na Favela do Jacarezinho, que resultou em 28 mortes.
Em 2024, Fachin, visitou o MP/RJ para analisar a atuação do órgão em políticas públicas de segurança e discutir o cumprimento das decisões da ADPF.
- Processo: ADPF 635