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Desde a aprovação da EC 132/23, que alterou profundamente o sistema tributário nacional, principalmente no que tange à tributação incidente sobre as operações de consumo, não se fala em outro assunto.
Isto porque, embora o objetivo principal tenha sido a simplificação, que, inclusive, foi alçada a princípio constitucional tributário, inserido no art. 145, §3º, juntamente com a transparência, justiça tributária, cooperação e defesa do meio ambiente, a substituição dos atuais tributos incidentes sobre o consumo, quais sejam, ICMS, ISS, COFINS, PIS e IPI, por três novos tributos, IBS, CBS e Imposto Seletivo, com a manutenção apenas do IPI incidente nas operações ocorridas na Zona Franca de Manaus, além das alterações já promovidas nas normas constitucionais, demanda um grande esforço legislativo para a regulamentação e um enorme trabalho, tanto do poder público como do setor privado para a implementação das novas práticas.
Em 16 de janeiro de 2025, foi editada a LC 224, que institui o IBS – Imposto sobre Bens e Serviços, a CBS – Contribuição Social sobre Bens e Serviços e o IS – Imposto Seletivo, e cria o Comitê Gestor do IBS, mas ainda falta a regulamentação do Comitê Gestor do IBS, que consta do segundo projeto de lei complementar (PLP 108/24), que aguarda aprovação
Conforme previsto nos artigos 156-A e 195, V da Constituição Federal, dispositivos introduzidos pela Reforma Tributária – EC 132/23 e que foram regulados pela LC 224/25, o Imposto sobre Bens e Serviços – IBS e a Contribuição sobre Bens e Serviços incidirão sobre todas as operações onerosas realizadas com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços, incluindo aquelas realizadas com ativo não circulante ou no exercício de atividade econômica não habitual e as importações, estando imunes apenas as exportações.
Diante de tantas mudanças, o que não faltam são questões a serem enfrentadas e uma das que chama a atenção é o princípio da não cumulatividade e como ele está disciplinado na LC 224/25.
O princípio já se encontrava disposto na Constituição Federal, no art. 155, §2º, I, como norteador da cobrança do ICMS, determinando a compensação do que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas operações anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.
No art. 23 da LC 87/96, que trata da cobrança do ICMS, o direito ao crédito, para efeito de compensação com débito do imposto, “está condicionado à idoneidade da documentação e, se for o caso, à escrituração nos prazos e condições estabelecidos na legislação”.
Desta forma, para o contribuinte do ICMS se apropriar do crédito relativo ao tributo incidente na operação anterior basta verificar a idoneidade da empresa fornecedora.
No que tange aos novos tributos – IBS e CBS, o princípio da não- cumulatividade está previsto no art. 156-A, §1º, VIII, que estabelece o direito à compensação “do imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem material ou imaterial, inclusive direito, ou de serviço, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal especificadas em lei complementar e as hipóteses previstas nesta Constituição”.
Diante disso, tem sido sustentado que, diferentemente do que ocorre com o ICMS, para o IBS e a CBS aplica-se a não cumulatividade ampla com a restrição apenas do creditamento dos tributos pagos na aquisição de bens de uso ou consumo pessoal.
Entretanto, na Lei Complementar 224/25, no seu art. 47, o direito à apropriação dos créditos do IBS e da CBS somente surge após a extinção dos respectivos débitos por meio de qualquer das modalidades previstas no artigo 27, quais sejam:
I – compensação com créditos de IBS e de CBS apropriados pelo contribuinte;
II – pagamento pelo contribuinte;
III – recolhimento na liquidação financeira da operação (split payment);
IV – recolhimento pelo adquirente;
V – pagamento por aquele a quem a Lei Complementar atribui responsabilidade.
Assim, caso os débitos de IBS e da CBS incidentes na operação anterior não sejam “pagos” o adquirente não terá direito aos respectivos créditos, não sendo suficiente, como é para o ICMS, a verificação da idoneidade do documento fiscal eletrônico emitido pelo fornecedor.
Nos termos do art. 48 da LC 224/25, a exigência da extinção dos débitos para o surgimento do direito à apropriação dos créditos será relevada apenas se não houverem sido implementadas as modalidades de extinção abaixo relacionadas:
I – recolhimento na liquidação financeira da operação, através do chamado split payment;
II – recolhimento pelo adquirente.
Nessa hipótese, a apropriação dos créditos ficará condicionada ao destaque dos valores corretos do IBS e da CBS no documento fiscal eletrônico relativo à aquisição.
Segundo os envolvidos na elaboração das normas complementares e desenvolvimento dos sistemas necessários à operacionalização do novo regime de tributação, tudo funcionará de forma simples e facilitada, tendo em vista que, conforme previsto no art. 58 da LC 224/25:
- o Comitê Gestor do IBS e a Receita Federal do Brasil atuarão de forma conjunta, para implementar soluções integradas para a administração do IBS e da CBS;
- todas as informações necessárias à apuração e ao pagamento do IBS e da CBS estarão disponíveis em plataforma eletrônica unificada, que será implementada e terá gestão compartilhada entre o Comitê Gestor do IBS e a Receita Federal do Brasil;
- será disponibilizado canal de atendimento ao contribuinte para resolução de problemas operacionais relacionados à apuração e pagamento do IBS e da CBS.
Entretanto, a suposta facilidade que o contribuinte terá em obter as informações necessárias à apuração e ao pagamento do IBS e da CBS não atenuam o fato de, em flagrante afronta ao princípio da não cumulatividade, estar lhe sendo transferido o controle da arrecadação do IBS e da CBS, uma vez que, a menos que seja feita a liquidação financeira através do split payment, caso o fornecedor não pague o IBS e a CBS incidentes na operação, o adquirente terá que fazer o recolhimento, sob pena de não poder se creditar.
Portanto, iniciada a cobrança do IBS e da CBS, caberá ao contribuinte a nova função de checar na plataforma da Receita Federal do Brasil e do Comitê Gestor do IBS se os créditos decorrentes das aquisições realizadas no período de apuração estão liberados ou não para apropriação e compensação.
Débora Regina Alves do Amaral
Advogada do escritório Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados.