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Nos termos do art. 15, II, § 2º da lei 8.213/91, o segurado “desempregado” terá o período de praça prorrogado por mais doze meses, além daqueles 12 meses contidos no inciso II do referido artigo. Nesses termos, são os dispositivos legais:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
[.]
II – até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
[.]
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social. (grifou-se)
Deste termo contido no §2º do art. 15 da lei 8.213/91 há algum tempo se aventava uma dúvida: essa situação de “desemprego” é extensível, por analogia, ao segurado contribuinte individual que está sem trabalho?
Houve quem dissesse que sim e quem dissesse que não.
Para a corrente mais restritiva, apesar de se reconhecer que o critério literal da interpretação de uma norma não fosse o mais adequado, ele deveria ser o primeiro a ser utilizado na cadeia interpretativa, uma vez que não seria possível desvendar o verdadeiro conteúdo do texto legal sem conhecer, primeiro, o significado real das palavras e expressões nele contidas.
Para aquela linha de pensamento, dever-se-ia ignorar os critérios de interpretação sistemático e/ou o teleológico, uma vez que seria o típico caso de violação frontal e direta ao significado semântico inequívoco do termo “desempregado”.
Ora, mas a interpretação teleológica pode cobrar do intérprete, inclusive, a “interpretação conforme a Constituição” e, em muitos casos, a interpretação literal pura e simples pode mitigar essa necessária análise constitucional do texto legal.
No que se refere ao contribuinte individual e ao segurado empregado, inclusive, a nós nos parece que sempre foi necessário questionar, na interpretação das normas legais e infralegais, qual o “fator discrimen” razoável para se diferenciar um tipo do segurado do outro em termos da proteção securitária social.
Se um posicionamento restritivo advém de uma leitura literal da norma, é preciso questionar se na referida restrição existe algum ponto de discriminação que permite um tratamento diferenciado para que se supere o primado constitucional da isonomia, que garante o tratamento igualitário a todos que estão em situação de igualdade.
E por que, então, o segurado empregado, que tem direito a seguro-desemprego e a verbas rescisórias teria direito a uma prolongação do “período de graça” e o segurado individual, em situação análoga a do desemprego (desocupação) não teria o mesmo direito?
O que o legislador visou, no caso em estudo, foi a proteção social daquele que se encontra “desocupado”, sendo infeliz, contudo, na redação do texto legal, o qual gerou margem ao posicionamento mais restritivo na aplicação da norma.
Há quem diga que a máxima “o intérprete não pode restringir onde o legislador não restringiu” deve ser aplicada, mediante paralelismo, para dizer que “onde o legislador restringiu não pode o intérprete estender”. A despeito das críticas que se possa fazer ao voluntarismo judicial casuístico, o caso em estudo não comporta esse tipo de imputação.
É claro que a intepretação da lei previdenciária deve sempre buscar o sentido que o Constituinte Originário deu para as matérias de natureza social. Nunca é demais lembrar os objetivos trazidos no art. 3º da CF/88, especialmente os que constam no inciso III e IV, abaixo transcritos:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
(…)
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Também não é demais relembrar o primado da igualdade contido no caput do art. 5º da CF/88:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição
O jurista Celso Antônio Bandeira de Melo, em sua obra “Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade” (1999, p. 41/42) ensinou que alguns elementos são essenciais para que haja uma discriminação legal e que atenda ao primado da isonomia. Os mais importantes, a nosso sentir, à correlação entre o sistema constitucional e o fundamento de desequiparação são os seguintes:
a) que exista, em abstrato, uma correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles, estabelecida pela norma jurídica;
b) que, in concreto, o vínculo de correlação suprarreferido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa – ao lume do texto constitucional – para o bem público.
Não se poderia, pois, à luz da abalizada doutrina constitucional mencionada, estabelecer um fator de discriminação razoável que pudesse sustentar a desigualação entre o segurado empregado e o segurado contribuinte individual quanto à prorrogação do período de graça, quando ambos estivessem “desocupados”, sendo o primeiro desempregado e o segundo, simplesmente “sem trabalho”.
Não haveria qualquer correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes (o fato de um ser um contribuinte obrigatório empregado e o outro contribuinte obrigatório que não tem relação de emprego, mas que contribui obrigatoriamente ao sistema previdenciário da mesma forma) e a distinção de regime de tratamento jurídico em função deles.
Doutra forma, não se consegue explicar qualquer “valiosa razão” que justifique o tratamento jurídico diferenciado nesse caso.
Daí que nos filiamos a segunda corrente, felizmente vencedora, no julgamento do Tema 239 da TNU, que fixou a seguinte tese:
A prorrogação da qualidade de segurado por desemprego involuntário, nos moldes do §2º do art. 15 da Lei 8.213/91, se estende ao segurado contribuinte individual se comprovada a cessação da atividade econômica por ele exercida por causa involuntária, além da ausência de atividade posterior. (grifou-se)
O juiz Federal relator, doutor Atanair Nasser Ribeiro Lopes, que proferiu o voto vencedor foi cirúrgico ao dizer, no PEDILEF 0504272-91.2018.4.05.8400/RN, em apoio ao que ora defendemos como melhor argumento, o seguinte:
(…) O que se percebe é justamente a exigência de que a prova demonstre que a situação de desemprego não tenha sido causada voluntariamente pelo segurado, o que, adaptado à condição do contribuinte individual, exige a devida demonstração por ele de que a cessação de sua atividade econômica anteriormente desenvolvida foi cessada por condição alheia à sua vontade, ou seja, por causa involuntária.
(…)
Diante de todo esse contexto, faz-se imprescindível que se apure o motivo que levou à cessação da atividade econômica, empresarial ou profissional, exercida anteriormente pelo contribuinte individual, tal como se verifica se o empregado pediu demissão ou deu causa à rescisão do vínculo, justificando-se a prorrogação do §2º do art. 15 da Lei 8.213/91 apenas na hipótese de comprovação de que a atividade anterior foi cessada de forma involuntária pelo contribuinte individual.” ( grifou-se)
Em igual sentido, foi o voto-vista proferido pela eminente juíza Federal Neusa Aureliano da Silva, cujo trecho que mais importa à presente análise é o seguinte:
- (…) 7. A legislação previdenciária não fornece um conceito de desemprego, deixando ao intérprete a tarefa de significar a expressão contida no art. 15, § 2º da Lei 8.213/91.
- 8. O fato é que “o conceito de desemprego é fruto de um longo processo de construção, com muitos embates e consequências. Longe de ser um fenômeno claro, determinado e neutro, que as estatísticas poderiam definir e medir, seu conceito variou nos países, regiões e principalmente com o pensamento econômico hegemônico” (OSHIRO, Felício. MARQUES, Rosa Maria. O conceito de desemprego e sua medição no século XX. In Textos & Contextos (Porto Alegre), v. 15, n. 2, p. 305).
- 9. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) classifica a população economicamente ativa em dois grupos: população ocupada e população desocupada. No primeiro, incluem-se os empregados, os que trabalham por conta própria, os empregadores e os não remunerados. Já os desocupados são as pessoas que “não tinham trabalho, num determinado período de referência, mas estavam dispostas a trabalhar, e que, para isso, tomaram alguma providência efetiva (consultando pessoas, jornais, etc.)” (ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme/pmemet2.shtm)
- 10. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), responsável pela Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), classifica o desemprego em três modalidades, assim sintetizadas: (a) desemprego aberto – pessoas que procuraram trabalho de modo efetivo nos últimos 30 dias; (b) desemprego oculto por trabalho precário: pessoas que, para sobreviver, exerceram algum trabalho de auto-ocupação, de forma descontínua e irregular; e (c) desemprego oculto por desalento: pessoas que não possuem trabalho e não o buscaram nos últimos 30 dias (www.dieese.org.br/metodologia/metodologiaPed.html).
- 11. Como se infere das diversas metodologias estatísticas atuais, desempregado é o indivíduo em situação involuntária de não trabalho, mesmo que não esteja em busca de um emprego (em sentido estrito). Desse modo, se o segurado está em busca de um trabalho em qualquer das modalidades do art. 11 da Lei 8.213/91, deve ser considerado desempregado.
- 12. Desse modo, como já decidiu, em ação civil pública, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, “o disposto no art. 15, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.213/91, que determina a ampliação do período de graça, aplica-se ao segurado contribuinte individual, uma vez comprovado afastamento involuntário do mercado do trabalho por quaisquer meios permitidos em Direito…” (TRF4 – apelação cível 009219-91.2010.404.7100/RS).
- 13. Por outro lado, como a lei não restringe a extensão do período de graça aos casos de desemprego aberto, o benefício deve ser garantido também nos casos de desemprego oculto por trabalho precário ou por desalent.
- 14. A tese de que a prorrogação do período de graça alcança o contribuinte individual já foi afirmada por este TNU, no julgamento do pedido de uniformização 5000459-19.2016.4.04.7109/RS, na sessão de 21/02/2019 (grifou-se)
Percebam que, ao contrário do que entende a corrente restritiva, a visão sistemática da norma previdenciária, mesmo que o “sistema” avaliado esteja restrito à própria lei 8.213/91, nos permite dizer, seguramente, não há uma intenção do legislador em restringir o acesso ao direito.
Os parágrafos do art. 15 da lei 8.213/91 estão em sucessão topológica com seus incisos e, especificamente, o § 2º em estudo, remete ao prazo do inciso II. Daí que a leitura do aludido inciso deixa claro que o legislador quis dizer e se referir, em gênero, ao segurado que deixa de exercer atividade remunerada, seja ele empregado ou contribuinte individual. Vale a pena transcrever o mencionado dispositivo:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
(…)
II – até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração; (grifou-se)
Considerações finais
A tese fixada pela TNU no julgamento do seu Tema 239, vai ao encontro do que parte da doutrina mais progressista1 do Direito Previdenciário e a jurisprudência do TRF4 já defende há bastante tempo e não podia ser mais coerente quando disse: “A prorrogação da qualidade de segurado por desemprego involuntário, nos moldes do §2º do art. 15 da Lei 8.213/91, se estende ao segurado contribuinte individual se comprovada a cessação da atividade econômica por ele exercida por causa involuntária, além da ausência de atividade posterior”.
Nós, os autores, que somos defensores da máxima proteção social, sempre buscamos a interpretação da legislação ordinária conforme as regras e princípios da Constituição Cidadã de 1988.
Apesar do tema ter se pacificado no âmbito da TNU, não se encontraram precedentes do STJ e do STF nessa linha e acreditamos que a matéria ainda pode ser rediscutida no âmbito dos Tribunais Superiores.
Por agora, entretanto, a segurança para os advogados previdenciaristas advém da pacificação do Tema na TNU que pode, sim, ser utilizado até mesmo nos processos que correm fora do âmbito dos juizados especiais Federais. Sim, os Tribunais Regionais Federais costumam, em muitos casos, acompanhar e mencionar como fundamento de decidir os julgamentos da TNU.
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1 Uma alusão a corrente ideológica nascida do Iluminismo, na qual se defendia que o Estado deve promover meios que gerem a igualdade dos indivíduos, das minorias sociais e garantir, com isso, a verdadeira daqueles.
Mello, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, São Paulo, Malheiros, 2003.
Alan da Costa Macedo
Mestre em Direito Público, Especialista em D. Constitucional, Previdenciario, Processual e Penal. Servidor da Justiça Federal, Of. de Gabinete na 1ª Turma do TRF1. Coordenador Científico do IPEDIS.
Fernanda Carvalho Campos e Macedo
Advogada fundadora do CC&M Advogados; Presidente do IPEDIS; Especialista em D. Público, do Trabalho e Previdenciário; Prof. em cursos de Pós Graduação.