Projeto de Regulamentação da Convergência digital
Helena Ferreira Nunes*
Em uma fase de globalização da economia mundial, que o setor de telecomunicação figurava como um dos aspectos decisivos e centrais de atuação e adequação do novo mercado, a desestatização do Sistema Telebrás possibilitou a dinamização e atualização dos meios de comunicação no País.
Quase toda infra-estrutura estava atrasada e sucateada. Não havia dinheiro em caixa para investir em novas tecnologias e, assim, possibilitar ao menos, a criação de um ambiente propício para a inserção de mecanismos artificiais que incentivassem a livre concorrência e o desenvolvimento do setor.
Temos um país com dimensões continentais, portanto, as metas de universalização dos serviços como fator de utilidade pública representa e representava vultosos investimentos para implantação de terminais nas regiões mais inóspitas e longínquas do território nacional.
Por essas razões, a reestruturação do sistema foi feita sob uma óptica teórica, não se vislumbrando as conseqüências práticas do novo modelo1.
O objetivo era -flexibilizar o modelo brasileiro de telecomunicações, que, por sua vez, eliminou a exclusividade da concessão para exploração dos serviços públicos (empresas de controle acionário estatal) com a finalidade de introduzir a competição no setor para beneficiar usuários, objetivo da economia mundial globalizada – “sociedade da informação”.
A alteração da redação do artigo 175 da Constituição Federal2 delineou o caráter público da concessão de serviços que o Estado, direta ou indiretamente, poderá delegar a terceiro, dentro dos limites legais estabelecidos, para que nos regimes de concessão ou permissão ocorra a prestação do serviço.
Concessão é a delegação de poderes estatais a uma empresa privada para execução de um serviço essencialmente público. Podemos entendê-la como uma cessão, em que o cedente mantém a sua autoridade e sua responsabilidade sobre o tipo de serviço prestado., Ao mesmo tempo, a iniciativa privada, como cessionária, deve prestar o serviço a ela delegado, com o mesmo padrão de qualidade técnica, préstimos aos usuários e abrangência do serviço, que, em tese, deveria ser prestado pelo Estado como cedente.
A prevalência do interesse público sobre o privado é uma prerrogativa para prestação dos serviços públicos por empresas privadas, ao passo que os direitos patrimoniais dos acionistas das empresas concessionárias não sofram prejuízos com determinada ação. Em simultaneidade, estes interesses não podem prejudicar o bom funcionamento do serviço nem alterar as estruturas da empresa concessionária, interferindo na relação de direito público estabelecida.
O Estado, por outro lado, deverá assegurar o direito e os interesses dos usuários e garantir uma política tarifária adequada com a prestação dos serviços, dentro dos padrões mínimos de qualidade estabelecidos.
Antes da privatização o setor era baseado em metas internas de universalização dos serviços, que variavam de acordo com a disponibilidade técnica e financeira do governo para a implantação das redes de serviços. Em duas décadas houve um aumento estimado de demanda pelos serviços na ordem de mais de 1000%.
Em 2002, com a abertura do mercado, pudemos verificar que o “modelo” criado não funcionou.
Não houve a multiplicidade esperada de empresas concessionárias, as empresas que possuíam outorga para prestar os serviços em regime privado não conseguiram promover a competição desejada ao setor e ainda existem impasses sobre interconexão de redes e compartilhamento de infra-estrutura, resultando em grandes investimentos desnecessários para duplicação de redes.
O foco do “modelo” era o STFC (Serviço Telefônico Fixo Comutado – serviço de voz aberto), mas, em razão de fatores econômicos internos e externos, vimos que as empresas buscaram alternativas rentáveis e viáveis para impulsionar o setor.
Atualmente, as empresas de telecomunicações estão investindo em serviços de voz e dados corporativos.
Para acompanhar essa tendência, a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL – divulgou a Consulta Pública nº 480, em 20 de novembro de 2003, sobre Serviço de Comunicações Digitais3 .
A tecnologia digital transforma todas as informações de vídeo e áudio em bits (abreviação do dígito binário).
A melhoria do desempenho do sistema digital decorre principalmente da gigantesca possibilidade de compressão dos dados, como também, da maior capacidade de transportes dos sinais na transmissão.
Os fluxos de dados podem ser veiculados em um mesmo canal com outros programas independentes., Isso é possível porque um fluxo de dados ocupa uma baixa taxa de bits.
A configuração dos serviços é um dos aspectos críticos na definição do modelo de transmissão digital. A delimitação e os parâmetros da configuração do serviço resultarão diretamente na atratividade do serviço para o público em geral.
A internet hoje é um conjunto de mais de 40 mil redes do mundo inteiro. Ela é uma ferramenta singular, que ao mesmo tempo permite o uso de uma mídia emergente e de uma linguagem em constituição, representando, contudo, um “veículo” com uma enorme capacidade de troca de informações multiculturais e transtecnológicas.
Ela é uma rede de comunicação disponível no planeta, possibilita a convergência tecnológica e consegue reunir as várias categorias de multimídia: som, imagem, movimento, vídeo e texto., Nela encontramos características de mídias ausentes em outros veículos de massa.
Esse novo serviço certamente colaborará para o desenvolvimento da telemática, que é a junção de telecomunicações e informática.
A questão da interatividade é um dos pontos mais fortes da internet. Nela o usuário consegue interferir no conteúdo através de uma participação efetiva na escolha do ver, ler e ouvir.
Teóricos e ativistas da comunicação observam atentos o estabelecimento da inédita instauração de um paradigma de comunicação através de um padrão tecnológico, incorporado a um modo de produção.
Ao compartilhar de um mesmo suporte para receber e produzir informação, a massa não só fragmenta, como se torna potencialmente produtiva, seja em relação aos bens de serviço como bens de consumo.
A massa passa a interagir e se reconfigura com a rede. Sendo assim, estamos diante de uma possível releitura crítica dos meios de comunicação, que deve ter por base o entendimento da Internet, as possibilidades que ela oferece e a interatividade de seus usuários.
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1″(…) Nos últimos 20 anos, enquanto a população brasileira aumentou 50% e o PIB cresceu 90%, a planta instalada de terminais telefônicos do Sistema TELEBRÁS cresceu mais de 500%, (…) Nesse mesmo período, todavia, o tráfego telefônico aumentou em proporção significativamente maior – mais de 1200% no serviço local e mais de 1800% no serviço interurbano, o que demonstra que a demanda por serviços cresceu bem mais do que a capacidade de seu atendimento. (…) Estima-se entretanto que ela varie entre 18 e 25 milhões de potenciais usuários, dependendo do método utilizado e considerando a substituição doa autofinanciamento (…) ” Transcrições de trechos da EM nº 231/MC.
2Art. 175. Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II – os direitos dos usuários;
III – política tarifária;
IV – a obrigação de manter serviço adequado.
3″Art. 4º
Serviço de Comunicações Digitais – SCD é o serviço de telecomunicações de interesse coletivo destinado ao uso do público em geral, que por meio de transporte de sinais digitais permite o acesso às redes digitais de informações destinadas ao acesso público, inclusive da Internet.
§ 1º. O SCD deve incluir:
I. provimento de conexão em banda larga nas interligações dos equipamentos terminais com os provedores de acesso a redes digitais de informação e à Internet;
II. provimento de acesso a redes digitais de informações e à Internet;
III. administração e operação dos sistemas e dos serviços disponibilizados.
§ 2º. O SCD pode incluir, ainda
I. provimento de equipamentos terminais para operação do serviço e respectivos softwares que o viabilizem;
II. outros tipos de conexão, nos termos da regulamentação.”
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* Advogada do escritório Manhães Moreira Advogados Associados
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Atualizado em: 2/2/2004 07:20