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No último dia 5/7/24 foi publicado o acórdão da ADIn 7.194 que trata do tema da simplificação das publicações das sociedades anônimas, que será comentada no presente artigo.
As sociedades anônimas sempre foram obrigadas a realizar publicações de certos atos. Sérgio Campinho explica que “o regime de publicidade legal concebido, aplicável tanto às companhias abertas quanto às fechadas, revela meio de comunicação de fatos e atos societários. Uma vez regularmente publicados, geram presunção absoluta de ciência aos acionistas e ao público em geral. Uma vez regularmente publicados, geram presunção absoluta de ciência aos acionistas e ao público em geral. Consiste em uma ficção jurídica da presunção do conhecimento dos fatos e atos objetos do edital de publicação, não se admitindo, por conseguinte, conseguinte, a ninguém alegar desconhecimento ou ignorância”1. Nesse sentido, não há como negar a importância das publicações.
Contudo, não se pode ignorar a existência de inovações no que diz respeito aos meios de comunicação. Até em razão disso, a Medida Provisória 892/19, posteriormente convertida na lei 13.818/2019 alterou o art. 289 da lei 6.404/76, para consignar que:
“Art. 289. As publicações ordenadas por esta lei obedecerão às seguintes condições:
A exposição de motivos da referida medida provisória consignou, na exposição de motivos que “Essa alteração reduz custo para as empresas, porque desobriga a publicação atualmente exigida em diários oficiais e jornais de grande circulação. A necessidade de publicação em jornais exigida pelo art. 289 da lei 6.404/76 representa um custo de observância imposto às companhias que não mais se justifica nos dias de hoje, dado o avanço tecnológico ocorrido desde a publicação da lei. Na verdade, a obrigação contida na lei para que todas companhias publiquem seus atos societários em jornais representa uma barreira de entrada ao mercado de capitais e, adicionalmente, a maior adoção do tipo S/A por empresas de menor porte, dado o elevado custo dessas publicações”.
Em face dessa alteração legislativa, foi ajuizada a ADI 7.194/DF pelo partido político PCdoB ao pugnar pela contrariedade do art. 1º da lei 13.818/19 que alterou o art. 289 da lei 6.404/76 (lei das sociedades anônimas), o que diz respeito à publicidade dos atos assembleares e sua necessidade de publicação em jornais de grande circulação, alegando contrariedade aos arts. 5º, incisos IX, XIV e XXXVI, e 220 da Constituição Federal, referindo-se ao direito de acesso à informação, ao princípio do segurança jurídica e à primazia do interesse público.
Nas razões do seu pedido, o PCdoB aduz que por meio da leitura da alteração promovida, seria possível constatar que as sociedades anônimas se tornaram desobrigadas de realizar a publicação de seus atos e demonstrações financeiras no diário oficial, fixando-se a necessidade de utilização apenas de jornais, na sua versão impressa e virtual.
Diante de outro fato anterior, houve a proposição da ADI 6.215/DF, pelo partido Rede Sustentabilidade, que pugnava pela contrariedade da Medida Provisória 892 que também restringia as publicações aos sites da Comissão de Valores Mobiliários e da entidade administradora do mercado em que os valores da sociedade estiverem admitidos à negociação.
No entanto, a Rede argumenta que a lei 13.818/19, sancionada há menos de quatro meses, prevê que apenas a partir de janeiro de 2022 as empresas devem publicar balanços resumidos em veículos impressos e integralmente em versões digitais dos jornais. Portanto, não há urgência constitucional para justificar a edição de uma MP sobre o tema. Além disso, o partido lembra que o presidente teria dito em entrevistas que a norma seria uma represália aos veículos de imprensa, apontando desvio de finalidade e abuso de poder, afirmando que medidas provisórias devem atender ao interesse público, não a sentimentos de favoritismo ou retaliação.
Entretanto, houve a decadência da MP em questão, logo, tiveram seus efeitos obstados por meio do trânsito em julgado de decisão monocrática proferida pelo ex ministro Marco Aurélio reconhecendo a ausência de conversão em lei.
No bojo da ADI 7.194, é alegado que a natureza da função social da empresa é um fator determinante para o setor econômico, logo, seria imbricada a transparência devida a sociedades detentoras de grandes empreendimentos de companhias abertas e seu impacto latente na economia nacional. Dessa forma, a publicação obrigatória das atas, juntamente com os balancetes, seria indispensável para o controle social das atividades de investidores.
Dessa forma, com base nos princípios do direito à informação, da segurança jurídica e da primazia do interesse público, conclui-se que as sociedades anônimas devem assegurar a publicidade de seus atos de maneira qualificada, confiável e segura. Sendo estes os preceitos normativos violados no mérito da ADI 7.194. O que também encontraria respaldo na exposição de motivos 196, de 24/6/76, do Ministério da Fazenda: “não obstante as normas de proteção ao minoritário se revestirem de caráter cogente (comportamento e responsabilidade dos administradores, informações ao público, direitos intangíveis dos acionistas e outras)”.
Ou seja, por dispensar a publicação dos atos societários obrigatórios em órgãos oficiais, as normas tidas nos arts. 5°, incisos IX, XIV e XXXIII e 220 violariam o direito à informação. o que geraria a obrigatoriedade de publicar informações de sociedades anônimas apenas em órgãos de imprensa não oficial pode resultar na perda desses dados se os veículos decidirem restaurar seus arquivos digitais. Quanto às vias físicas, a circulação dessas informações dependerá das decisões comerciais sobre a área territorial de distribuição dos exemplares.
Diante do princípio da segurança jurídica e da primazia do interesse público, a publicação tanto em vias oficiais quanto em jornais de grande circulação garante o acesso seguro à informação, assegurando transparência e segurança jurídica. Sem a obrigatoriedade de publicação em diários oficiais, haverá riscos para a segurança jurídica, resultando em prejuízos para as sociedades e dificultando o acesso dos acionistas e investidores às informações necessárias.
A publicação em órgãos oficiais, juntamente com veículos de grande circulação, atende ao interesse público e resguarda a segurança jurídica. A Administração Pública também usa órgãos oficiais para tornar seus atos públicos e válidos, conforme o princípio da publicidade previsto no art. 37 da Constituição e no art. 1º da lei de introdução às normas do direito brasileiro. Essas previsões destacam a importância dos órgãos oficiais de publicação, que possuem fé pública e confiabilidade. Não se pretende deslegitimar a acessibilidade dos grandes veículos de informação, mas sim reforçar a necessidade de manter a publicação via órgãos oficiais, conforme o art. 289 da LSA, para assegurar a segurança jurídica e a estabilização das relações sociais.
A referida ação foi distribuída para a relatoria do ministro Dias Toffoli em 27/6/22 e, após 3 dias, o relator adotou o rito abreviado previsto no art. 12 da lei 9.868/99, a fim de que a decisão seja tomada em caráter definitivo, o que dispensa prévia análise de liminar ao possibilitar julgamento no Plenário diretamente no mérito.
Assim, por unanimidade, o Plenário decidiu acolher o voto do ministro relator Dias Toffoli com base na inexistência de forma única de publicidade dos atos societários, uma ve que não necessariamente deveriam ser realizados em imprensa oficial, dando forças ao Legislativo por possuírem um “espaço de conformação” para definir os meios de publicidade adequados.
Assim, não há o apontamento de obstáculos ao acesso de informações pela regra normativa impugnada, uma vez que páginas da internet e jornais de grande circulação já cumprem o propósito, com eficácia, na divulgação das informações às pessoas interessadas, o que também se coaduna com a obrigatoriedade de divulgação em mídia impressa, abrangendo mais ainda a população com pouco costume e acesso aos meios digitais.
Por fim, cumpre apontar que o artigo atacado simplifica e reduz o custo de publicação dos atos assembleares sem mitigar o acesso público às questões societárias pertinentes, logo, não haveria riscos à credibilidade e confiabilidade destes jornais, já que ainda há a exigência de que as informações sejam consistentes com os documentos originais certificados digitalmente por meio da ICP-Brasil. Além disso, conforme exigido pela norma, as publicações eletrônicas do Diário Oficial da União atendem aos requisitos da ICP-Brasil, de acordo com o decreto 9.215/17.
A alteração trazida pela lei 13.818/19, que impõe a certificação digital para a publicação de informações societárias, não contraria os princípios evocados na ADI 7.194/DF. Pelo contrário, essa medida reforça a transparência e a segurança jurídica, garantindo a verossimilhança das informações e impedindo fraudes. A certificação digital alinha-se com as melhores práticas internacionais de governança corporativa, promovendo um ambiente de negócios mais seguro e atraente para investidores. Além disso, facilita o acesso a dados precisos e atualizados por parte do público e das autoridades reguladoras, fortalecendo a confiança nas operações comerciais e contribuindo para um ambiente econômico mais eficiente e confiável.
A legislação federal brasileira prevê diversas normas, como essa, para assegurar a integridade e a transparência das atividades das sociedades anônimas, fundamentais para a economia do país. As sociedades anônimas desempenham um papel crucial no mercado brasileiro, pois poucas delas são capazes de movimentar significativamente o PIB e influenciar tanto a macroeconomia quanto à microeconomia.
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1 COELHO, Fábio Ulhoa; FRAZÃO, Ana; MENEZES, Mauricio Moreira; CAMPINHO, Sérgio. l. Lei das Sociedades Anônimas Comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 2.206.
Marlon Tomazette
Advogado no escritório Tomazette, Franca e Cobucci Advogados.
Tomazette, Franca & Cobucci – Advogados Associados
Yago Rocha de Almeida
Acadêmico do Centro Universitário de Brasília.