Entidades beneficentes (CEBAS Saúde) e a recuperação de crédito de IPI   Migalhas
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Entidades beneficentes (CEBAS Saúde) e a recuperação de crédito de IPI – Migalhas

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As entidades sem fins lucrativos desempenham um papel fundamental na promoção de causas sociais, saúde, educação, cultura e filantropia. No Brasil, essas instituições estão inseridas em um complexo arcabouço legal que as distingue em duas categorias principais: isentas ou imunes.

A imunidade é um direito constitucional que impede a tributação em determinadas situações, enquanto a isenção é um benefício legal que pode ser concedido ou revogado por meio de legislação ordinária.

Dentro desse universo, algumas entidades imunes podem ser reconhecidas como CEBAS – Entidades Beneficentes de Assistência Social, um título concedido pela RFB após um processo rigoroso de certificação, conforme os requisitos estabelecidos pela LC 187/21.

Para as instituições do setor de saúde, essa certificação é particularmente relevante, pois possibilita a prestação de serviços gratuitos em benefício do SUS, além de oferecer uma série de benefícios tributários.

2. O Contexto das Entidades Imunes no Setor da Saúde

A obtenção da CEBAS – Certificação de Entidade Beneficente de Assistência Social é crucial para que instituições do setor da saúde possam usufruir da imunidade tributária sobre contribuições sociais e assistenciais. De acordo com a LC 187/21, é imprescindível que a entidade seja uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, operante há pelo menos 12 meses.

A certificação CEBAS, além de ser um pré-requisito para a imunidade, também permite a isenção da Contribuição Patronal Previdenciária sobre a Folha de Pagamento (FOPAG) e a imunidade da CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, entre outros tributos. Assim, para organizações que atuam na área da saúde, a CEBAS representa não apenas um reconhecimento de sua relevância social, mas também uma ferramenta vital para garantir a sustentabilidade financeira de suas operações.

3. Benefícios Tributários das Entidades Certificadas

A CF/88/88 e a legislação tributária brasileira asseguram uma série de vantagens para as entidades certificadas com o CEBAS. A imunidade tributária, conforme estabelecido no art. 150, VI, c, da Constituição, abrange o patrimônio, a renda e o consumo das entidades que atendem aos requisitos legais. Isso inclui a isenção de impostos como IPTU, IPVA, IRPJ, ISS, ICMS e IPI, desde que esses tributos incidam sobre atividades essenciais à entidade.

No entanto, a imunidade é restrita às operações diretamente ligadas às finalidades sociais das entidades. Isso significa que as instituições devem garantir que as isenções sejam aplicadas estritamente em suas atividades essenciais, como serviços de saúde e assistência social.

4. A LC  187/21 e seus Requisitos

A LC 187/21 estabelece os critérios que as entidades beneficentes de assistência social devem cumprir para usufruir da imunidade tributária. Entre os requisitos, destacam-se a proibição de remunerar dirigentes e conselheiros com recursos da instituição, a aplicação integral dos recursos na manutenção dos objetivos institucionais e a manutenção de uma escrituração contábil regular.

Esses requisitos, além de serem reforçados pelo CTN – CTN, são fundamentais para que as entidades possam se beneficiar da imunidade não apenas sobre contribuições sociais, mas também sobre impostos como o IPTU, IPVA, IRPJ, ISS, ICMS e IPI. Assim, o cumprimento rigoroso dessas obrigações é essencial para a manutenção da imunidade tributária.

5. A Questão da Imunidade do PIS

A contribuição para o PIS – Programa de Integração Social merece destaque no contexto das entidades imunes. A MP 2.158/01 estipula uma alíquota de 1% sobre a folha de salários para o PIS, aplicável às instituições de educação e assistência social. No entanto, o art. 195, §7º, da CF/88 garante a imunidade dessas entidades ao recolhimento do PIS, desde que atendam aos requisitos legais.

Em 2021, o STF, ao julgar o Tema 432 de repercussão geral, consolidou o entendimento de que a imunidade tributária prevista no art. 195, §7º, da Constituição abrange a contribuição para o PIS, reafirmando o direito das entidades imunes de não recolherem essa contribuição.

6. Contribuinte de Fato e de Direito: Impacto na Imunidade

A distinção entre contribuinte de fato e contribuinte de direito é crucial para compreender os impactos da tributação sobre as entidades imunes. O contribuinte de direito é o responsável legal pelo pagamento do tributo, enquanto o contribuinte de fato é aquele que arca com o ônus econômico do tributo, repassado geralmente no preço final de bens e serviços.

Em tributos indiretos, como o ICMS e o IPI, essa distinção é evidente, pois o consumidor final, mesmo que imune, acaba suportando o custo do tributo embutido no preço dos produtos. Assim, embora as entidades imunes não sejam contribuintes de direito, os tributos indiretos impactam sua capacidade financeira e, por conseguinte, sua atuação em suas finalidades sociais.

7. O Debate Jurídico Sobre o IPI nas Aquisições por Entidades Imunes

O cerne da questão deste artigo reside no debate sobre a imunidade ao IPI nas aquisições de insumos, medicamentos e equipamentos por entidades de saúde imunes. Um caso paradigmático envolve um hospital público de Belo Horizonte que, em 2012, ingressou com ação judicial pleiteando o reconhecimento de sua imunidade ao IPI em aquisições internas. A União argumentou que, como contribuinte de fato, o hospital não teria direito à imunidade, tese que foi rejeitada em todas as instâncias judiciais.

7.1. Decisões Judiciais Relevantes

No caso do hospital mencionado, em 2014, a sentença de mérito reconheceu que a instituição era, de fato, imune ao IPI. O magistrado destacou que:

“Sendo irrelevante se é considerado contribuinte de fato ou de direito, pois o importante é a intenção do legislador constituinte ao conceder-lhe um tratamento imunizante amplo, o qual, economicamente, diminui parte da renda auferida pela autora, aumentando sua capacidade de reversão aos seus fins institucionais.”

Em 2016, o TRF da 1ª região, ao julgar o recurso da União, manteve a decisão favorável ao hospital. Sob a relatoria da desembargadora Ângela Maria Catão, a 7ª turma determinou:

“Comprovado o caráter filantrópico da entidade e o uso do bem na prestação de seus serviços específicos, indevida é a exigência do pagamento do IPI.”

A União recorreu ao STJ, que, em 2021, decidiu:

“O caso não é de competência desta Corte Superior – STJ. (…) Ante o exposto, conheço do agravo para conhecer em parte do recurso especial e negar-lhe provimento.”

Essa decisão final favorável ao hospital encerrou o debate, consolidando o entendimento de que a imunidade tributária ao IPI também se aplica às aquisições de insumos por entidades beneficentes, desde que utilizadas em suas atividades essenciais.

7.1.1 – O Outro Lado da Moeda

Em paralelo, em 2017, o STF julgou o Tema 342, que tratava do ICMS suportado por entidade beneficente na condição de contribuinte de fato, semelhante ao caso do hospital em relação ao IPI. O STF decidiu que:

“A imunidade tributária subjetiva aplica-se aos seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante para a verificação da existência do benefício constitucional a repercussão econômica do tributo envolvido.”

Essa decisão destaca a importância da relação jurídica entre o fisco e o contribuinte de direito, sem considerar os efeitos econômicos indiretos do tributo sobre terceiros.

7.2. Distinções e Dúvidas

Apesar do entendimento do STF no Tema 342, outras decisões judiciais seguiram um caminho diferente. Por exemplo, em 2018, novamente sob a relatoria da desembargadora Ângela Maria Catão, o TRF da 1ª Região reafirmou:

“A imunidade prevista no art. 150, VI, c, da CF/88, em favor das instituições de assistência social, abrange o Imposto de Importação e o Imposto sobre Produtos Industrializados, que incidem sobre bens a serem utilizados na prestação de seus serviços específicos.”

Já em 2022, a Desembargadora Rosimayre Gonçalves, também do TRF da 1ª Região, decidiu que, em caso de importação de mercadorias:

“A entidade beneficente de assistência social tem direito à imunidade do Imposto de Importação, IPI, PIS/Cofins-importação e ICMS no desembaraço aduaneiro.”

Em decisão mais recente, de janeiro de 2024, o TJ/SP, ao tratar de uma operação de importação de mercadorias, reafirmou:

“A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a imunidade contida no art. 150, VI, c, da CF/88 abrange o ICMS incidente na importação de bens utilizados na prestação de serviços pelas entidades de assistência social.”

Essas decisões, embora relacionadas à importação, utilizam o mesmo fundamento constitucional do art. 150, VI, c, aplicável também às aquisições internas.

8. Via Judicial e Documentação Necessária

Para que uma entidade imune consiga o reconhecimento judicial de sua imunidade ao IPI, é fundamental que prove a essencialidade dos insumos, medicamentos e equipamentos adquiridos para a prestação de seus serviços. A ação ordinária é o meio adequado para buscar tal reconhecimento, pois permite a ampla produção de provas e a demonstração da conformidade com os requisitos legais.

Além disso, é imprescindível a apresentação de documentos comprobatórios, como relatórios de auditores independentes, balanços patrimoniais, demonstrações financeiras e o certificado CEBAS. A documentação deve ser robusta e respaldada por laudos de essencialidade das aquisições para a prestação do seu objeto principal, elaborados por entidades independentes, para fortalecer os argumentos jurídicos.

9. Conclusão

O reconhecimento da imunidade ao IPI nas aquisições por entidades de saúde imunes é um tema de grande relevância e a jurisprudência tem evoluído favoravelmente aos contribuintes.

As entidades imunes que pretendem pleitear a imunidade ao IPI devem estar atentas aos requisitos estabelecidos pela legislação e pela jurisprudência. Isso inclui a demonstração da essencialidade dos insumos, medicamentos e equipamentos adquiridos, bem como o cumprimento das obrigações contábeis e operacionais previstas no CTN e na LC 187/21.

Neste sentido, ao buscar a imunidade ao IPI, as entidades devem adotar uma abordagem estratégica, que envolva tanto a preparação minuciosa da documentação quanto a compreensão das nuances jurídicas que cercam o tema. Assim, poderão garantir que seus recursos sejam plenamente utilizados na promoção de suas finalidades sociais, conforme preconizado pela CF/88. 

Marcílio Vieira

Marcílio Vieira

Advogado com mais de 12 anos de experiência, pós graduado em direito tributário pela Milton Campos, especialista em gestão fiscal pela PUC/BH e mestrando em Contabilidade pela FUCAPE Business School.

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