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Introdução
A questão da competência territorial nos JECs – Juizados Especiais Cíveis em relações de consumo tem gerado importantes debates jurídicos, especialmente quanto à possibilidade de o consumidor ajuizar ação no foro do fornecedor, mesmo quando existe regra de competência que o beneficia.
Fundamentação legal
O art. 4º da lei 9.099/95 estabelece que “é competente, para as causas previstas nesta lei, o Juizado do foro do domicílio do réu ou, a critério do autor, do local onde aquele exerça atividades profissionais ou econômicas ou mantenha estabelecimento, filial, agência, sucursal ou escritório”.
Por sua vez, o CDC – Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 101, I, determina que “na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, pode o autor propor a ação no foro do seu domicílio”.
Entendimento jurisprudencial
O STJ tem pacífico entendimento de que a competência territorial especial prevista no CDC constitui um benefício em favor do consumidor, não podendo ser interpretada em seu desfavor:
PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. ESCOLHA DO FORO PELO CONSUMIDOR. 1. O consumidor tem a possibilidade de escolher onde ajuizará sua ação, pois é uma faculdade pertencente somente àquela pessoa física ou jurídica destinatária final do bem ou serviço na relação de consumo, como ocorreu no caso. 2. Agravo interno não provido. (STJ – AgInt nos EDcl no CC: 185781 DF 2022/0026043-0, data de julgamento: 16/8/22, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, data de publicação: DJe 18/8/22) AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. CONSUMIDOR. POLO ATIVO. FORO COMPETENTE. ARTS. 489 E 1.022 DO CPC/15. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE E ERRO MATERIAL NÃO VERIFICADOS. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/15 (enunciados administrativos 2 e 3/STJ). 2. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o Tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 3. O STJ entende que, em se tratando de relação consumerista, a competência é absoluta ou relativa, dependendo da posição processual ocupada pelo consumidor. Desse modo, se a autoria do feito pertence ao consumidor, cabe a ele ajuizar a demanda no foro do seu domicílio, no de domicílio do réu, no foro de eleição ou do local e cumprimento da obrigação. 4. Agravo interno não provido. (STJ – AgInt no AREsp: 1877552 DF 2021/0113159-4, data de julgamento: 30/5/22, T3 – TERCEIRA TURMA, data de publicação: DJe 2/6/22)
Análise doutrinária
Segundo Daniel Amorim Assumpção Neves (2021, p. 89): “A competência territorial prevista no art. 101, I, do CDC é relativa e foi criada em benefício do consumidor, não podendo ser interpretada como uma limitação ao seu direito de acesso à Justiça”.
Na mesma linha, Fredie Didier Jr. (2021, p. 245) ensina: “O foro privilegiado do consumidor é uma prerrogativa, não uma obrigação. Sendo assim, pode ele optar por demandar no foro do fornecedor, se assim lhe parecer mais conveniente“.
Aplicação nos Juizados Especiais
A conjugação das regras da lei 9.099/95 com o CDC resulta em uma ampliação das opções do consumidor quanto ao foro competente. Ele poderá optar por:
Razões para a escolha do foro do fornecedor
Existem situações em que pode ser mais vantajoso para o consumidor ajuizar a ação no foro do fornecedor:
Inaplicabilidade da declinação de competência ex officio
Como explica Joel Dias Figueira Jr. (2019, p. 156): “Sendo relativa à competência em razão do território, não pode o juiz declinar de ofício, mesmo que a ação tenha sido proposta no foro do fornecedor em detrimento do domicílio do consumidor”.
Conclusão
A faculdade do consumidor em demandar no foro do fornecedor no âmbito dos JECs representa uma importante manifestação do princípio do acesso à Justiça.
O caráter protetivo das normas consumeristas não pode ser interpretado como uma limitação aos direitos do consumidor, mas sim como uma ampliação de suas possibilidades de buscar a tutela jurisdicional.
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1 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 13ª ed. Salvador: JusPodivm, 2021.
2 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 23ª ed. Salvador: JusPodivm, 2021.
3 FIGUEIRA JR., Joel Dias. Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
Marcelo Alves Neves
Advogado focado em conhecimento, eficiência e resultado.