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A norma regulamentadora 01 trata dos objetivos relacionados à segurança e à saúde no trabalho, bem como as diretrizes e os requisitos para o gerenciamento de riscos ocupacionais e as medidas de prevenção em SST – Segurança e Saúde no Trabalho1. Em linhas gerais, a norma regulamentada pelo Ministério do Trabalho e Emprego é um conjunto de obrigações e deveres que os empregadores têm que cumprir para garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores no ambiente laboral.2
Em 27/8/24, houve a atualização da Norma Regulamentadora 01, com publicação da portaria MTE 1.419, em que houve uma relevante modificação na regra: a introdução da obrigatoriedade de identificar e gerenciar riscos psicossociais no ambiente de trabalho, incluindo estratégias para prevenir o assédio e a violência, incorporando essas ações no PGR – Programa de Gerenciamento de Riscos do empregador.
Até maio de 2025, as empresas devem seguir as novas diretrizes para o GRO – Gerenciamento de Riscos Ocupacionais, que abrangem desde a identificação e avaliação até o controle de riscos ocupacionais, englobando agentes físicos, químicos, biológicos, riscos de acidentes, fatores ergonômicos e, agora, psicossociais.
O fator psicossocial é um conceito novo e importante, embora com descrições não sedimentadas pela doutrina. De maneira geral, os riscos psicossociais “são apontados como fatores que podem contribuir ou mesmo desencadear estresse, adoecimento físico e mental nos trabalhadores”.3
O conceito trazido pela Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, pelo ISTAS – Instituto Sindical de Trabajo, Ambiente y Salud da Espanha, especifica:
[…] Os riscos psicossociais são condições de trabalho derivadas da organização do trabalho, para as quais se tem evidência científica suficiente que demonstra que prejudicam a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras. PSICO porque nos afetam através da psique (conjunto de atos e funções da mente) e SOCIAL porque sua origem é social: determinadas características da organização do trabalho. (p. 25, tradução livre).4
Em complementação, o ISTAS classifica os riscos psicossociais em grupos: excesso de exigências psicológicas do trabalho, falta de autonomia no desenvolvimento do trabalho, falta de suporte social e baixa ou má qualidade da liderança e escassez de compensações do trabalho.
Analisando à conceituação do Instituto Sindical de Trabajo, Ambiente y Salud, observa-se que os riscos psicossociais são concepções subjetivas e vinculadas à percepção de cada trabalhador em face da organização de trabalho.
Por se tratar de fator intrinsecamente psicológico, a doutrina se questiona se poderia haver uma normatização dos riscos psicossociais, considerando os diversos contextos sociais e de trabalho.
Para tal objetivo, há a necessidade de observar estratégias sucessivas, tais como elaboração de plano de ação, com a comunicação plena dos trabalhadores, identificação de fatores de risco observando o contexto social e de trabalho, avaliação dos riscos, e monitoração da implementação.
O ISTAS, como mencionado pela Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, acrescenta ser fundamental a participação dos trabalhadores “[…] no processo de identificação dos riscos psicossociais, ressaltando que eles possuem uma experiência que não pode ser substituída pelo conhecimento técnico.”5
Em que pese as discussões sobre como identificar e implementar os fatores psicossociais, pelo viés da normatização, fato é que o objetivo da atualização da NR-01 é proteger a saúde mental do trabalhador.
Em 2022, na 110ª sessão OIT da ILC – Conferência Internacional do Trabalho, incluiu “um ambiente de trabalho seguro e saudável” como princípio fundamental no trabalho. A inclusão histórica evidencia o necessário compromisso coletivo com a proteção da vida e da saúde no trabalho. Atualmente, a resolução reconhece a Convenção 155, sobre segurança e saúde dos trabalhadores, de 1981, e a Convenção 187, sobre o quadro promocional da segurança e saúde no trabalho, de 2006. Todos os Estados membros, mesmo que não tenham ratificado as convenções em seus ordenamentos, têm o dever internacional de respeitar, promover e concretizar o direito a um ambiente de trabalho seguro e saudável.6
O Relatório Global de Saúde Mental, divulgado pela OMS em junho de 2022, traz dados alarmantes. Segundo o relatório, uma em cada oito pessoas convive com algum tipo de transtorno mental7. De acordo com a OMS, 264 milhões de pessoas sofrem depressão e ansiedade8, sendo que o último mapeamento global de saúde mental feito pela OMS revelou que o Brasil tem a maior prevalência de ansiedade, com 9,3% da população sofrendo da patologia.
No Brasil, o INSS – Instituto Nacional do Seguro Social, também divulgou os dados de causas de afastamentos no ano de 2022: 209.124 mil pessoas foram afastadas do trabalho por transtornos mentais, entre depressão, distúrbios emocionais e Alzheimer, enquanto em 2021 foram registrados 200.244 mil afastamentos. Nos anos mais críticos da pandemia de Covid-19 (2020 e 2021), o INSS registrou mais de 530 mil afastamentos por problemas de saúde mental, relacionados ao isolamento e trabalho remoto9.
Apesar dos dados apresentarem defasagem quanto à implicação direta do trabalho, o ambiente laboral é um dos principais impulsionadores do adoecimento. A ausência de informações específicas acerca da saúde mental do trabalhador demonstra o combate histórico permeado pelas tensões entre capital e trabalho. A adaptação do capitalismo ao atual momento tecnológico, tornaram as relações de trabalho mais dinâmicas e exigentes, não havendo possibilidade de desconexão do trabalho com o aumento progressivo da sobrecarga de trabalho.
No Brasil o debate acerca da necessidade de se pensar na vida além do trabalho (movimento VAT)10 e a priorização da saúde mental do trabalho caminha em passos curtos. Um exemplo recente, é a PEC – Proposta de Emenda à Constituição pelo fim da escala de trabalho 6×1, de autoria da deputada Federal Erika Hilton (Psol-SP). A escala de 6 dias de trabalho por 1 dia descanso é autorizada pelo inciso XIII do art. 7º da Constituição da República, cujo texto atual refere “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”11.
A proposta alteraria esse texto, para constar: “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”.
O presente artigo não objetiva questionar as lacunas da PEC, mas demonstrar que o movimento universal de priorizar a saúde mental do trabalhador ao tempo de trabalho e efetiva produção cresce. Há experiências concretas em diversos países da implantação da escala 4×3, com bons resultados na produtividade, tais como, Reino Unido, Canadá, Alemanha, Suécia, Holanda, Bélgica e Suíça.
O relatório da OIT de 2023, intitulado Tiempo de trabajo y conciliación de la vida laboral y personal en el mundo, traz dados sobre a redução da jornada de trabalho e impacto na saúde mental de trabalhadores. Após estudo detalhado, conclui que a redução da jornada beneficia a saúde do trabalhador:
[…] Nos estudos existentes sobre os efeitos da semana de trabalho comprimida, normalmente conclui-se que esta modalidade tem um efeito positivo na conciliação do trabalho e da vida pessoal. De acordo com uma meta-análise de 40 desses estudos, a maioria das pesquisas identificou uma ligação positiva entre a semana de trabalho comprimida e o equilíbrio entre vida pessoal e profissional (Bambra et al. 2008). Muitas dessas investigações foram realizadas na força policial. Alguns estudos independentes desta profissão, tanto no Canadá como no Reino Unido, estabeleceram que a semana comprimida está associada a uma melhoria significativa nos indicadores de equilíbrio entre vida pessoal e profissional (Cunningham 1981; Totterdell e Smith 1992). Os funcionários têm fins de semana mais longos graças ao dia extra de folga. Um estudo identificou vários benefícios derivados do dia adicional liberado na semana de trabalho comprimida, como a capacidade de passar mais tempo com a família, fazer viagens de fim de semana juntos, levar os filhos para suas atividades, socializar com amigos e dedicar tempo a atividades pessoais (Brown e outros 2011). Outro estudo observou uma melhoria significativa na satisfação geral dos funcionários com o seu trabalho, o seu tempo livre e a sua satisfação com a vida, três das cinco variáveis analisadas (Pierce e Dunham 1992). Além disso, a semana comprimida beneficia não só os colaboradores mas também as empresas, uma vez que reduz as despesas gerais por haver menos dias de presença dos trabalhadores, com a consequente poupança nos custos de operação e manutenção.
[…]
Em contraste, vários benefícios para a saúde foram observados num estudo diferente, incluindo uma redução nos problemas cardíacos e gastrointestinais, juntamente com o aumento do sono e a subsequente diminuição da fadiga e da irritabilidade (Williamson, Gower e Clarke 1994). De acordo com outro estudo realizado nas Filipinas, a semana reduzida diminuiu o stress no trabalho, o que por sua vez melhorou o equilíbrio entre vida pessoal e profissional e a produtividade (Paje et al. 2020).
Concluindo, parece que, em geral, a semana de trabalho comprimida tem efeitos positivos nos trabalhadores, em particular na conciliação da vida profissional e pessoal, enquanto as empresas também beneficiam da aplicação desta organização do tempo de trabalho. (p. 65, tradução livre).12
A necessidade de informação acerca da saúde mental dos trabalhadores e da criação de uma cultura de prevenção e acolhimento tornou-se evidente após o relatório da OMS e das mudanças trazidas pela OIT. As organizações internacionais e aquelas que discutem a necessária prevalência da saúde mental do trabalhador demonstram que não se discute mais se o trabalho adoece, mas qual o grau de participação do trabalho no adoecimento.
A OIT e OMS, por exemplo, apresentaram diretrizes que devem ser seguidas pelos entes internacionais em setembro de 2022, tais como a diminuição da carga de trabalho, redução da jornada de trabalho, capacitação de gerentes, informação e regramento contra práticas discriminatórias e a readaptação do ambiente laboral para os trabalhadores adoecidos.
Nesse contexto, o governo publicou em março de 2024 a lei 14.831 que institui o certificado empresa promotora da saúde mental, estabelecendo requisitos para a concessão da certificação, sendo que é a empresa que deve implementar programa de promoção da saúde mental no ambiente de trabalho, sob 3 aspectos: a) promoção de saúde mental; b) bem-estar dos trabalhadores; c) transparência e prestação de contas.
Devendo a empresa conferindo acesso a ferramentas como: apoio psicológico e psiquiátrico para seus trabalhadores; promoção da conscientização sobre a importância da saúde mental por meio da realização de campanha e de treinamento, incentivo ao equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional, prática de atividades físicas e de lazer; incentivo a alimentação saudável; incentivo à comunicação integrativa; divulgação regular das ações e das políticas relacionadas à promoção da saúde mental e do bem-estar de seus trabalhadores nos meios de comunicação utilizados pela empresa; manutenção de canal para recebimento de sugestões e de avaliações; promoção do desenvolvimento de metas e análise periódicas dos resultados relacionados à implementação das ações de saúde mental.
Resta claro, ressaltar, que a citada lei não aborda a organização empresarial do trabalho ou a atuação direta das causas do sofrimento psíquicos e o crescente adoecimento mental dos trabalhadores, colocando exclusivamente a responsabilidade do adoecimento mental nos próprios trabalhadores, os quais segundo a lei, devem garantir individualmente o equilíbrio entre a vida pessoal e no trabalho.
Assim, a atualização da NR-01, com a necessidade do controle de riscos ocupacionais, englobando os critérios psicossociais, ratifica as diretrizes trazidas pela OIT e OMS. Essa nova exigência requer que os empregadores invistam em estratégias de gestão de pessoas e em programas de qualidade de vida no trabalho. A nova norma é um passo importante para a ampliação da legislação de segurança e saúde no trabalho no Brasil, observando a modernização das relações laborais.
A participação dos trabalhadores é essencial para a melhora do clima organizacional. Somente com a possibilidade de atuação direta e expansiva destes haverá a efetiva identificação dos riscos psicossociais e dos meios necessários para melhora da organização do trabalho, com a consequente normatização dos riscos psicossociais, considerando as complexas nuances sociais e de cada trabalho.
_________
1 Fonte: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/assuntos/inspecao-do-trabalho/seguranca-e-saude-no-trabalho/ctpp-nrs/normas-regulamentadoras-nrs
2 Fonte: https://fieg.com.br/repositoriosites/repositorio/portalfieg/download/Pesquisas/O_que_sao_Normas_Regulamentadoras.pdf
3 Fonte https://www.scielo.br/j/rbso/a/Yj4VrBQcQ3tgQgHcnnGkC6F/
4 Fonte https://www.scielo.br/j/rbso/a/Yj4VrBQcQ3tgQgHcnnGkC6F/?lang=pt&format=pdf –
5 Fonte: https://www.scielo.br/j/rbso/a/Yj4VrBQcQ3tgQgHcnnGkC6F/?lang=pt&format=pdf – Fls.4
6 Fonte: https://www.ilo.org/pt-pt/resource/seguranca-e-saude-no-trabalho#:~:text=O%20princ%C3%ADpio%20constitucional%20da%20OIT,ILC)%2C%20na%20sua%20110 – Acessado em 04 de dezembro de 2024.
7 Fonte: https://bvsms.saude.gov.br/e-hora-de-priorizar-a-saude-mental-no-local-de-trabalho-10-10-dia-mundial-da-saude-mental/#:~:text=Quase%2060%25%20dos%20casos%20s%C3%A3o,previnam%20problemas%20de%20sa%C3%BAde%20mental. – Acessado em 04 de dezembro de 2024.
8 Fonte: https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/4492/1/Dados%20sobre%20sauude%20mental%20no%20trabalho.pdf – Acessado em 04 de dezembro de 2024.
9 Fonte: https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/alertas-globais-chamam-a-atencao-para-o-papel-do-trabalho-na-saude-mental. – Acessado em 04 de dezembro de 2024.
10 Fonte: https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR135067 – Acessado em 04 de dezembro de 2024.
11 Fonte: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm – Acessado em 04 de dezembro de 2024.
12 OIT, Tiempo de trabajo y conciliación de la vida laboral y personal en el mundo. Suíca, 159 fl., 30 de mayo de 2023;
Amanda de Carvalho Bento
Advogada – LBS Advogadas e Advogadas