A resolução STJ 3/25 e o devido processo legal   Migalhas
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A resolução STJ 3/25 e o devido processo legal – Migalhas

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A atuação da advocacia na defesa dos direitos de seus patrocinados tem se tornado cada vez mais desafiadora diante das constantes restrições impostas pela legislação e pelos Tribunais. Essa avalanche de novidades negativas parece não ter fim. Exemplo disso é a resolução 3/25 do STJ, que estabelece que os processos podem ser julgados de forma assíncrona, a critério do relator, restrigindo, na mesma resolução, a modalidade de sustentação oral, instrumento esse essencial à ampla defesa e ao contraditório.

“O advogado é indispensável à administração da justiça” é o que diz o art. 133 da CF/88. Contudo, as limitações impostas cada vez mais pelo próprio Poder Judiciário vêm reduzindo o espaço representativo para que a advocacia seja realmente efetiva no exercício da sua tão nobre função, comprometendo não só a busca por decisões justas, como o núcleo essencial do devido processo legal.

Como mencionado, o STJ aprovou, na última semana, a resolução 3/25, que implementa e regulamenta a realização de sessões de julgamento em formato virtual assíncrono. Sob a nova regulamentação, todos os processos, sejam jurisdicionais ou administrativos, poderão ser submetidos a julgamento eletrônico, a critério do relator.

Ficam ressalvadas da medida as ações penais e os inquéritos originários, bem como as queixas-crime, e o julgamento de mérito de embargos de divergência. Nesse cenário, os ministros têm o prazo de 7 dias para registrar seus votos após o início de cada sessão. A implementação deve ser realizada até o dia 17/2/25.

Em teoria, a medida teria como fito a ampliação e o aperfeiçoamento dos julgamentos virtuais realizados pelo STJ e se alinha à orientação da resolução 591/24 do CNJ; mas, na prática, o que se vê é o comprometimento significativo do devido processo legal e da adequada representação dos jurisdicionados.

Cumpre recordar que a prestação de um serviço efetivo e de qualidade não é uma responsabilidade exclusiva da advocacia com seus patrocinados, mas também, e principalmente, do Poder Judiciário, que exerce uma função essencial como prestador de serviço público. O que se observa, na realidade, é que a busca por celeridade nos julgamentos (que sabemos serem muitos), muitas vezes se dá em detrimento da qualidade das decisões, e isso não é bom nem serve à justiça.

Com a adoção dessa medida, o que se evidencia, ainda, é a restrição expressiva à representação por meio das sustentações orais, que sempre foram um pilar essencial na defesa dos direitos dos jurisdicionados. É nesse cenário que a exigência de que todas as sustentações orais sejam realizadas de forma assíncrona trazida pela resolução 3/25 – salvo as exceções – esvazia o caráter de oralidade indispensável ao processo judicial.

Essa alteração não só limita a interação direta entre advogados e magistrados, como também reduz o impacto das argumentações feitas em tempo real, enfraquecendo o contraditório e a ampla defesa.

Ora, segue imortal o alerta de Victor Hugo, quando afirmou: “As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade”. Importa reconhecer o poder transformador que a palavra exerce no mundo. Não se trata apenas de mera manifestação jurídica, mas de uma constatação fundamentada na história e nos exemplos que dia a dia testemunhamos no exercício resiliente da advocacia.

E não é como se o arcabouço jurídico brasileiro sobre o assunto fosse vazio. Pelo contrário. O ordenamento jurídico brasileiro protege, de forma robusta, a oralidade como elemento fundamental ao devido processo legal. Ao apenas facultar a sustentação oral síncrona, o Judiciário cria, na realidade, uma nova modalidade de prática processual, que contradiz diversos dispositivos legais preexistentes que não apenas facultam, mas asseguram a realização de sustentação oral presencial ou, ao menos, síncrona.

Percebam que o constituinte originário se preocupou em proteger constitucionalmente a advocacia, como classe indispensável à administração da justiça, conforme o já citado art. 133 da CF/88. O art. 5º, LV, por sua vez, sustenta que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Mas não para por aí. O art. 973 do CPC estabelece expressamente o direito à sustentação oral presencial (ou, ao menos, síncrona), quando estabelece que “na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões”.

Ademais, a legislação processual civil registra, com ênfase, a proteção a um contraditório participativo e veda decisões proferidas em prévia oportunidade de manifestação (arts. 9 e 10).

Não é novidade, ainda, que as novas disposições trazidas pela resolução do STJ caminham em sentido contrário às prerrogativas dos advogados e das advogadas. O Estatuto de Advocacia (lei 8.904/94) é firme quanto ao assunto. É direito do advogado “usar da palavra, pela ordem, em qualquer tribunal judicial ou administrativo”.1

Ao Poder Judiciário é defeso, por meio de resolução ou normativa a ela equiparada, limitar a prerrogativa assegurada ao advogado no disposto no art. 7º, XXI, § 2º-B do Estatuto da Advocacia, que diz “poderá o advogado realizar a sustentação oral no recurso interposto contra a decisão monocrática de relator que julgar o mérito ou não conhecer dos seguintes recursos ou ações”.

Vê-se que impor limites às sessões presenciais, e, nesse ponto, à defesa por meio da sustentação oral, não é “apenas” violar as prerrogativas da advocacia, mas o próprio devido processo legal. É fato que a sustentação oral presencial permite interação direta com os julgadores, permitindo eventuais esclarecimentos acerca do tema em julgamento.

Mas não apenas isso. O formato assíncrono, defendido pela Corte, elimina a possibilidade de perceber as reações e se adaptar argumentos, de defender com paixão a tese que se patrocina. E não apenas a tese, mas o patrocinado, seja indivíduo ou empresa, que, ansioso, aguarda pelo resultado daquilo o que todos chamamos de justiça.

Certa feita, Ruth Bader Ginsburg, estreando sua bem-sucedida carreira de advogada e defendendo a igualdade entre os sexos perante a lei dos Estados Unidos, ocupava a tribuna em uma corte inteiramente masculina quando um dos julgadores a interrompeu e disse: “A palavra ‘mulher’ não aparece uma única vez sequer na Constituição dos Estados Unidos”. Disse isso para silenciá-la. Contudo, em vão. Ruth, confiante e certa sobre o que defendia, respondeu de improviso: “Nem a palavra ‘liberdade’, Excelência”. Ganhou o caso.2

É nesse cenário que a sustentação oral, não só no STJ, mas em todas as instâncias judiciais, converte-se num instrumento que garante às partes, envolvidas em um processo, voz direta na construção das decisões judiciais. Esse instrumento não apenas assegura o contraditório e a ampla defesa, como promove a transparência e o acesso à justiça, permitindo que argumentos relevantes sejam apresentados diretamente aos julgadores. Trata-se da efetivação do Estado Democrático de Direito.

Limitar a participação das partes no processo decisório é um caminho em tudo incompatível com o que tem sido a democracia brasileira desde o advento da CF/88. Um processo verdadeiramente democrático implica, antes de tudo, o direito à expressão e ao contraditório. É como defende Ihering: “Enquanto o direito estiver sujeito às ameaças da injustiça – e isso perdurará enquanto o mundo for mundo -, ele não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta: Luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos indivíduos”.3 A advocacia, assim, segue lutando pelo direito. Direito das classes, dos indivíduos e dos povos.

________

1 Art. 7º, X do Estatuto da Advocacia.

2 Frederick, David. C. Supreme Court and Appellate Advocacy. Paul: West, 2003.

3 Ihering, Rudolf von. A Luta pelo Direito. Editora Martin Claret Ltda. São Paulo, 2009.

Martha R. Leonardi

Martha R. Leonardi

Formada em Direito pela UnB, é pós-graduanda em Direito Tributário pelo IBET. Integra a banca Tourinho Leal Drummond de Andrade Advocacia.

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