CompartilharComentarSiga-nos no A A
A evolução da lei de recuperação judicial no Brasil representa uma significativa mudança de paradigma na abordagem das empresas em dificuldades financeiras ao longo das últimas duas décadas. Ao proporcionar um caminho para a reestruturação e a continuidade das atividades empresariais, a lei não apenas beneficia as empresas e suas funções sociais, mas também impacta positivamente todo o ecossistema que envolve suas operações, incluindo colaboradores, clientes, fornecedores e credores, contribuindo, assim, para a estabilidade econômica do país.
Desde a promulgação da lei 11.101, em 2005, que regulamenta a recuperação judicial e a falência, o Brasil tem avançado em sua abordagem quanto à preservação das empresas em dificuldades financeiras, substituindo o antigo sistema de concordata, que apresentava diversos obstáculos à reestruturação das companhias, como a rigidez na aprovação dos planos de recuperação pelos credores.
A atualização mais significativa na legislação ocorreu com a promulgação da lei 14.112, em 2020, que introduziu inovações relevantes, como a facilitação do acesso ao processo de recuperação, alterações nas regras de votação e a proteção dos ativos da empresa, afinal seu principal objetivo é assegurar a continuidade das atividades empresariais, preservando empregos e a cadeia produtiva.
Ademais, a legislação oferece uma série de benefícios tanto para as empresas em dificuldades quanto para seus credores, promovendo a previsibilidade nos pagamentos de débitos por meio da renegociação das dívidas, que pode estabelecer prazos e condições viáveis para a solvência. Isso pode incluir a concessão de descontos, prazos mais extensos para pagamento e até mesmo a conversão de dívidas em participação acionária.
A opção pela recuperação judicial confere à empresa uma maior confiança e credibilidade perante investidores e parceiros comerciais, que a percebem como uma entidade em busca de reestruturação e retorno à lucratividade. Durante o período de suspensão das ações judiciais e execuções, conhecido como stay period, a empresa é resguardada de constrições e expropriações patrimoniais, proporcionando espaço necessário para implementar as mudanças requeridas em sua gestão e operação, além de melhorar o fluxo de caixa sem o aumento da dívida.
Ao longo dessas duas décadas de aplicação da recuperação judicial no Brasil, é evidente que, além da reestruturação financeira, o processo frequentemente resulta em uma reavaliação abrangente da gestão empresarial, promovendo melhorias operacionais, estratégicas e culturais que podem culminar em um negócio mais saudável e sustentável.
Sob a perspectiva dos credores, a legislação promoveu a estes um papel mais ativo no Direito falimentar brasileiro. Anteriormente, os credores não dispunham da possibilidade de influenciar as decisões relacionadas à proteção de seus próprios interesses. A lei ampliou a participação dos credores e fortaleceu seus poderes decisórios, proporcionando maior segurança e transparência para fornecedores e credores, especialmente em relação às empresas de pequeno e médio porte.
Em síntese, com a concessão do procedimento de processamento da recuperação judicial, as ações judiciais de execução e em fase de execução em face do devedor são suspensas pelo prazo de 180 dias, que pode ser prorrogado por igual período uma única vez, e um plano de recuperação e soerguimento econômico é apresentado aos credores, que deliberarão em assembleia sobre sua viabilidade, para posterior homologação judicial.
Muito embora sejam grandes os benefícios dos processos de reestruturação, é evidente que estes também apresentam desafios, razão pela qual é imprescindível que, nos próximos anos, se promova o desenvolvimento e a discussão de instrumentos legislativos que possibilitem a adequação das micro, pequenas, médias e grandes empresas às exigências econômicas contemporâneas, bem como às práticas de sustentabilidade e gestão. É fundamental que sejam implementadas melhorias na legislação vigente, a fim de conferir maior celeridade aos processos e acompanhar a dinâmica acelerada do cenário atual.
Ademais, é necessário que haja um olhar mais próximo da legislação para os novos modelos empresariais, como startups e fintechs, em um contexto cada vez mais caracterizado pelo empreendedorismo e pela inovação tecnológica. O mecanismo da recuperação judicial deve ser aprimorado para oferecer o suporte necessário a essas empresas de forma célere e eficaz.
Cybelle Guedes Campos
Sócia do Moraes Jr Advogados.
Odair de Moraes Júnior
Sócio do Moraes Jr. Advogados e advogado especialista em recuperação judicial.