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O tema procedimentos especiais passou por uma nova concepção pós-CPC/15, dada a possibilidade de junção de técnicas diferenciadas com o procedimento comum, conforme o art. 327, § 2.o do CPC, com a possibilidade de cumulação entre pedidos de procedimentos diversos – comum e especial, porém com a necessidade de 2 pontos: (i) observância do procedimento comum para todos os pedidos; (ii) a adaptabilidade das técnicas diferenciadas para suprir a especialidade de determinado pedido ao procedimento comum.
Dessa maneira, se houver uma situação que se desdobra em diversos pedidos, em regra, não será impossível a cumulação dos pedidos em uma só ação macro, com pedidos com ritos diversos, observando o procedimento comum como a base para o transcurso processual, com a inserção do que for especial, adaptando o que for comum ao especial.
Obviamente que não é uma extinção dos procedimentos especiais, até pela possibilidade clara de que não haja uma situação fática que se desdobre em diversos pedidos, o que pode gerar uma ação de procedimento especial, sem necessidade de cumulação, tampouco com cumulação com pedido de procedimento comum.
É uma busca pela melhor compatibilização, com uma economia processual, sem necessidade de diversos processos diferentes para uma situação interligada entre as mesmas partes todavia, essa peculiaridade não pode destoar, procedimentalmente, do rito comum, sob pena de inviabilizar a própria cumulação. Um exemplo viável é a possibilidade de cumulação um pedido de dano moral com o pleito pela consignação em pagamento1, tornando o procedimento comum como a base procedimental, contudo adaptando a viabilidade do ato consignatório para esse rito geral.
No presente texto, o intuito é analisar o REsp 1.703.707 julgado pela 3ª turma do STJ sobre embargos de terceiros e a tentativa de cumulação desta ação com um pedido de danos morais.
Analisando sinteticamente os embargos de terceiros, esta ação assegura ao terceiro a possibilidade de questionar, com base no devido processo legal, a ameaça ou a constrição judicial sobre bens que possuem ou sobre os quais detêm direitos, decorrentes de decisões emanadas de processos nos quais não atuaram como partes. A ação busca afastar tais restrições, com o intuito de proteger o patrimônio e propriedade do embargante e pode, em sentido inverso, confirmar a legitimidade da medida, após a devida análise judicial.
Os embargos de terceiro detêm como pilares 2 elementos centrais: (i) a existência de uma constrição sobre bens em um processo judicial e (ii) a posição de terceiro em relação a esse processo.
Esses 2 eixos estruturam a disciplina jurídica dos embargos, definindo seus contornos e aplicações. Os embargos de terceiro possuem objeto específico e limitado à proteção da posse ou da propriedade de bens atingidos por atos judiciais de constrição. Em regra, o objeto principal do debate nos embargos de terceiro é a discussão sobre a validade e legitimidade da constrição judicial sobre o bem em questão.
Tal discussão molda a cognição judicial exercida nesse tipo de ação, delimitando sua extensão e profundidade. Desde o início, é possível identificar importantes desdobramentos decorrentes desses elementos, como a análise da validade das constrições, a proteção de direitos patrimoniais do embargante – terceiro no processo principal – e a delimitação do alcance do devido processo legal.
Esses pontos dos embargos de terceiro tornam essencial para o equilíbrio entre o exercício da jurisdição e a preservação dos direitos individuais.
É um instrumento processual garantido pelo ordenamento jurídico para salvaguardar os direitos de terceiros que, por sua posição de exclusão em relação ao processo principal, não tiveram a oportunidade de exercer o contraditório e a ampla defesa quanto à limitação imposta aos seus bens.
Dada a limitação cognitiva sobre o direito de posse ou de propriedade e a decisão judicial anterior que vinculou o bem alegadamente do terceiro ao processo principal, não se discute outros pontos nesta ação, inclusive com a inviabilidade da cumulação de pedidos, rejeitando o que o art. 327, § 2.o do CPC versa e que já foi enfrentado.
Esse tema, apesar de controvertido na doutrina, foi enfrentado pelo STJ no julgamento do REsp 17.037.072 julgado pela 3ª turma do STJ, na oposição de embargos de terceiro e a cumulação deste com um pedido de dano moral.
No caso em questão, a parte intentou ajuizou embargos de terceiro à execução de título extrajudicial e cumulou com o pedido indenização por danos morais, no valor de 40 salários mínimos. O juízo de 1º grau entendeu que o pedido de dano moral não seria acolhido pela inviabilidade do próprio pleito, o que foi mantido pelo Tribunal de origem, o que gerou o recurso especial julgado.
A 3ª turma do STJ decidiu que os embargos de terceiro “limitam-se tão somente ao exame da legalidade do ato judicial que culminou na constrição ou ameaça de constrição sobre bens de terceiro, não possuindo, assim, natureza condenatória, razão pela qual figura-se impossível a cumulação de pedido de condenação do réu ao pagamento de danos morais, como pretende a recorrente3.”
Desse modo, é pertinente o entendimento de que não é admitida a cumulação de embargos de terceiro com outros pedidos, ainda que sejam aparentemente compatíveis, uma vez que há uma cognição limitada e, ainda, que sua finalidade é estritamente destinada a afastar a constrição sobre o bem alegado como indevidamente atingido, protegendo a propriedade ou o exercício da posse.
A proibição de cumulação decorre da natureza autônoma e peculiar dos embargos de terceiro, que se limitam a questões possessórias ou dominiais diretamente relacionadas ao ato judicial atacado. Para demandas que extrapolem essa finalidade, como pedidos indenizatórios ou outras pretensões, o interessado deve utilizar ações próprias e separadas.
Eventuais outras ações não são proibidas, no entanto, não são compatíveis com os embargos de terceiro, com sua análise limitada tão somente ao exame da legalidade do ato judicial que culminou na constrição ou ameaça de constrição sobre bens de terceiro, não possuindo, assim, natureza condenatória, razão pela qual figura-se impossível a cumulação de pedido de procedimento diverso.
Os embargos de terceiro servem para impedir, não para pedir.
Esse é o entendimento base e a decisão enfrentou, ainda, o afastamento do art. 327, § 2º do CPC para o caso em questão, uma vez que “a referida norma processual, que permite a conversão de procedimento especial para o rito comum, não se aplica em todo e qualquer caso4.”
Apesar de eventuais críticas sobre a decisão em questão, até pela busca da economicidade processual e a celeridade, com o argumento de que o entendimento seria retrógrado, não se pode tergiversar sobre os embargos de terceiro para ampliar sua cognição ou retirar sua procedimentalidade, com o acerto da decisão do STJ.
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1 Sobre o exemplo da adaptação da consignação junto a um procedimento comum, Câmara explicita: “Assim, por exemplo, será possível postular-se a consignação em pagamento do preço de um bem e, no mesmo processo, a condenação do réu a entregar o referido bem, usando-se o procedimento comum sem prejuízo de se admitir a realização do depósito judicial do valor ofertado e, até mesmo, a complementação do depósito insuficiente, técnicas diferenciadas estabelecidas para o procedimento especial da consignação em pagamento.” CÂMARA, Freitas, A. (01/2017). O Novo Processo Civil Brasileiro, 3ª edição. [Minha Biblioteca]. Retirado de https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597009941/
2 Os embargos de terceiro, a despeito de se tratar de ação de conhecimento, tem como única finalidade a de evitar ou afastar a constrição judicial sobre bens de titularidade daquele que não faz parte do processo correlato. Dessa forma, considerando a cognição limitada dos embargos de terceiro, revela-se inadmissível a cumulação de pedidos estranhos à sua natureza constitutivo-negativa, como, por exemplo, o pleito de condenação a indenização por danos morais. Recurso especial desprovido. (STJ – REsp: 1703707 RS 2017/0264895-1, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 25/05/2021, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/05/2021).
3 (STJ – REsp: 1703707 RS 2017/0264895-1, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 25/05/2021, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/05/2021).
4 (STJ – REsp: 1703707 RS 2017/0264895-1, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 25/05/2021, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/05/2021).
Vinicius Silva Lemos
Pós-Doutor em Processo Civil pela UERJ. Doutor em Processo Civil pela UNICAP. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF. Professor Adjunto UFAC. Conselheiro Federal pela OAB Rondônia. Advogado.
Marcos Paulo Pereira Gomes
Advogado Doutorando em Direito Processual Civil – UNESA/RJ Mestre em direito pela Unimar/SP Professor de Direito Processual Civil.. Membro da ANNEP, IBDP, ABDPRO e CEAPRO.