Hermenêutica constitucional e a modulação de efeitos no STF   Migalhas
Categories:

Hermenêutica constitucional e a modulação de efeitos no STF – Migalhas

CompartilharComentarSiga-nos noGoogle News A A

Introdução

O presente artigo apresenta como objetivo o estudo reflexivo, de caráter essencialmente didático e objetivo, sobre a interpretação das normas constitucionais em face da sociedade aberta e pluralista dos tempos atuais, tendo-se por base a obra do ilustríssimo jurista alemão Peter Häberle – “Hermenêutica Constitucional: a Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: contribuição para a Interpretação Pluralista e “Procedimental” da Constituição”.

Observa-se que o modelo de interpretação adotado por Peter Häberle, repetidamente acompanhado de processos institucionalmente estruturados, organismos e procedimentos voltados à implementação prática dos institutos doutrinariamente criados pelo ilustre pensador, é capaz de transparecer os fundamentos com que suas concepções contribuem para o desenvolvimento do Estado Constitucional Moderno, estando presente, inclusive e singularmente, nas decisões do STF brasileiro.

Como ilustra Häberle,

“Uma teoria constitucional se concebe como ciência da experiência e deve estar com condições de, decisivamente, explicar os grupos concretos de pessoas e os fatores que formam o espaço público (Öffentlichkeit), o tipo de realidade de que se cuida, a forma como ela atua no tempo, as possibilidades e necessidades existentes.”

A título de exemplo, entende-se que o ato de declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo tem como consequência natural a nulidade dessa lei e sua exclusão do mundo jurídico. Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro, com o respaldo da jurisprudência do STF, abriu-se à possibilidade de diferentes técnicas de decisão, entre elas a modulação temporal dos efeitos da declaração de nulidade da norma constitucional, por razões de relevante interesse social e segurança jurídica e a existência da figura do amicus curiae como interventor em debates de relevância constitucional, nas ações de controle abstrato de constitucionalidade. Observando-se tais perspectivas de decisão e adotando-se diferentes técnicas de interpretação das normas constitucionais, é pertinente apontar como o sentido e o alcance das normas são influenciadas com a abertura interpretativa proposta por Peter Häberle.

Devido a essa problemática constitucional e de abertura da prática interpretativa, alguns questionamentos são fundamentais a serem realizados, a saberem: Como a aplicabilidade da teoria da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição influencia na tomada de decisão estatal? Como definir o sentido e o alcance das normas quanto à aplicabilidade da teoria desenvolvida por Peter Häberle? Qual o legado da hermenêutica Häbeliana no Direito Constitucional brasileiro nos dias atuais quanto à prática interpretativa das normas constitucionais?

Este artigo busca, portanto, trazer de modo geral considerações e apontamentos acerca da temática da aplicação da teoria da interpretação das normas constitucionais, de Peter Häberle, analisando as implicações existentes dessa aplicabilidade nos âmbitos jurídico e social, a fim de participar os diversos indivíduos que compõem o Estado brasileiro nos desafios, nas necessidades e nos objetivos existentes na sociedade civil e nos organismos que integram a estrutura da máquina pública, a fim de integrarem a tomada de decisões, atentando-se às circunstâncias sociais, políticas e econômicas no momento e, sobretudo, garantindo a segurança jurídica necessária aos fins que as normas se propõem.

Observando-se a importância das pesquisas relacionadas à aplicabilidade da teoria da interpretação das normas constitucionais e as implicações desta teoria no contexto jurídico-constitucional brasileiro no que tange a seara hermenêutica constitucional, tal constatação permitiu a realização desta pesquisa, a fim de contribuir com a análise teórica da influência desta teoria no âmbito da prática jurisdicional brasileira, tendo-se em vista a adoção de um modelo procedimental que oferece inúmeras alternativas e condições aos seus aplicadores, em que a interferência de uma pluralidade de sujeitos e suas variadas realidades é cada vez mais notória e determinante no processo constitucional.

Dessa maneira, as noções apresentadas por este artigo conduzem o referencial metodológico empregado para a coleta e a análise bibliográfica e documental de doutrinas e produções acadêmicas que, para fins explicativos, analisam a significativa interferência da aplicação da teoria da interpretação das normas constitucionais e as implicações nas decisões do STF, cuja abordagem enfatiza a interpretação dinâmica e contextual da Constituição, levando em consideração não apenas o texto normativo, mas também os princípios e valores subjacentes. Aponta-se, contudo, o não esgotamento do campo teórico existente neste artigo.

1. Teoria da interpretação para Peter Häberle

A teoria de interpretação das normas constitucionais à época da concepção e lançamento do livro “Hermenêutica Constitucional – A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para Interpretação Pluralista e Procedimental da Constituição”, era considerada reducionista por Peter Häberle, uma vez que característico de uma sociedade fechada, a interpretação da norma constitucional se concentrava precipuamente no Poder Judiciário e nas partes formais do processo, excluindo os demais setores da sociedade que a vivenciavam.

Diante desta perspectiva histórica, Peter Häberle passa a desenvolver sua tese alicerçada na noção de que a interpretação das normas constitucionais deve abranger todos aqueles que estão potencialmente vinculados a estas normas e que estão, de alguma forma, aptos a aplicar a sua interpretação – “Teoria da Constituição Aberta”. Os reais intérpretes e aplicadores da norma são todos os que de certa forma participam do processo de formação do teor da norma, integrantes e conhecedores da realidade jurídico-social. Este novo paradigma considera maiormente os personagens da interpretação: numa “sociedade aberta”, eminentemente pluralista, como a atual, esta interpretação caberia não mais apenas exclusivamente ao Poder Judiciário e às partes envolvidas na questão em tese, mas também, aos cidadãos, aos grupos e às entidades em geral, sejam elas governamentais ou não.

Numa sociedade pluralista são muitos os intérpretes, gerando um processo de interpretação difuso, questionando-se, portanto, a necessidade de interpretação não só sob o prisma legalista, mas também sob o prisma das ciências sociais e econômicas. Em razão da funcionalidade desta interpretação, é necessário olhar para a “realidade constitucional” vivenciada por estes múltiplos agentes intérpretes, sendo facilmente observável que quanto mais pluralista a sociedade, mais abertos os critérios de interpretação.

A interpretação constitucional, segundo o Peter Häberle, deve ser feita pela sociedade e para a sociedade; entendendo que “a interpretação constitucional é, em realidade, mais um elemento da sociedade aberta, (…) sendo ela, a um só tempo, elemento resultante da sociedade aberta e um elemento formador dessa sociedade”. Entende-se, portanto, que a ampliação do círculo de intérpretes constituiria, assim, apenas uma consequência da necessidade de integração da realidade no processo de interpretação com a realidade de fato.

Destarte, a nova teoria de interpretação proposta por Pete Häberle deve ser garantida sob a “influência da teoria democrática”: aquele a quem se destina a norma constitucional deve ser participante do processo de interpretação, pois não cabe aos intérpretes jurídicos, o “monopólio da interpretação da Constituição”, haja vista que não são os únicos por ela tocados, são também legitimados para tal ação, mesmo que de forma indireta, todos aqueles que a vivem, pois a atualização da Constituição feita pela ação de um indivíduo constitui, pelo menos, uma interpretação constitucional antecipada.

Na medida de uma sociedade pluralista, há uma infinidade de possíveis intérpretes para as normas constitucionais e, assim, a análise daqueles que participam do processo de interpretação, deve ser feita sob uma perspectiva sócio-constitucional, determinando não somente os intérpretes em si, mas também estes dentro do contexto social, histórico e político de sua vivência, averiguando-se, as possibilidades e as necessidades existentes.

Seguindo o raciocínio desenvolvido por Häberle quanto à abertura dos intérpretes da norma constitucional, cabe a crítica de que a interpretação aberta poderia acabar colocando em risco o caráter unificador da Constituição: “Uma teoria constitucional que tem por escopo a produção de uma unidade política e que afirma e reitera o postulado da unidade da Constituição está obrigada a submeter-se a esta crítica”. Ocorre, porém, que a teoria do professor alemão se alicerça sobre a legitimação da sociedade aberta na interpretação da Constituição, o que se dá sob três prismas: (i) teorias do Direito, da norma e da interpretação; (ii) teoria da Constituição; e, (iii) teoria da democracia.

Quanto à legitimação para a interpretação, sob o ponto de vista das teorias do Direito, da norma e da própria interpretação, há que se considerar que

“(…) a interpretação é um processo aberto. Não é, pois, um processo de passiva submissão, nem se confunde com a recepção de uma ordem. A interpretação conhece possibilidades e alternativas diversas. A vinculação [judicial] se converte em liberdade na medida em que se reconhece que a nova orientação hermenêutica consegue contrariar a ideologia da subsunção. A ampliação do círculo dos intérpretes aqui sustentada é apenas a consequência da necessidade, por todos defendida, de integração da realidade no processo de interpretação. É que os intérpretes em sentido amplo compõem essa realidade pluralista. Se se reconhece que a norma não é uma decisão prévia, simples e acabada, há de se indagar sobre os participantes no seu desenvolvimento funcional.”

Quanto à legitimação em relação à teoria da Constituição, esta se refere ao fato de a Constituição, modernamente, ser considerada a lei fundamental do Estado, organizando suas funções, suas atribuições, suas metas, bem como definindo seus limites; e, também, a lei fundamental da sociedade, através da definição dos direitos e garantias fundamentais, dos meios de participação popular. Conclui-se que não só o Estado e seus órgãos estatais compõem o corpo interpretativo da norma. E que, a sociedade, portanto, não se constitui em um elemento alheio à Constituição, mas como parte integrante desta, traduzindo a sociedade aberta, pluralista e legítima para completá-la, como verdadeiro sujeito constitucional.

“Uma Constituição, que estrutura não apenas o Estado em sentido estrito, mas também a própria esfera pública (Öffentlichkeit), dispondo sobre a organização da própria sociedade e, diretamente, sobre setores da vida privada, não pode tratar as forças sociais e privadas como meros objetos. Ela deve integrá-las ativamente enquanto sujeitos.”

Clique aqui para ler a íntegra do artigo.

Marcello Guimarães

Marcello Guimarães

Marcello é um advogado experiente em diversas áreas, atual presidente da SWOT Global Consulting, com atuação em perícia e assistência técnica.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *